No mesmo dia em que um português foi Campeão do Mundo do triplo salto, a RTP2 entrevistou Tomás Morais, treinador da selecção de rugby que está a preparar a ida ao já muito próximo Mundial. É outro feito histórico. Não só Portugal nunca participou num Mundial de rugby, como será a única selecção amadora presente. Tomás Morais, que foi o melhor centro da sua geração, é um líder. Compreensivelmente, a jornalista tentou várias vezes atribuir-lhe os louros pelo feito, louros que ele devolveu com diplomacia ao colectivo.
Na verdade, o mérito é repartido. Morais tem uma notável capacidade de planificação e sobretudo duas coisas que faltaram durante muitos anos à frente da equipa nacional: tempo e paciência. Não é fácil reunir trinta indivíduos que têm os seus empregos para fazer dois treinos por dia, ou para os jogos no estrangeiro, ou para um estágio de um mês como o que estão a fazer agora. Exige motivar os jogadores e negociar com os patrões. Não é nada fácil, mas permitiu-nos ter os contactos internacionais suficientes para chegar a uma muito invejável segunda linha do rugby europeu, logo atrás das potências do Seis Nações.
Mas os jogadores que vão a França também são verdadeiros heróis. Apesar de haver cinco profissionais na equipa (e todos a jogar lá fora: dois em França, um na Irlanda, um em Itália e um em Espanha, salvo erro), os outros têm as chatices de um emprego como qualquer um de nós, mesmo com estatuto de alta competição. Nos meses de treino mais intenso, levantam-se cedo para ir à musculação antes do trabalho, fazem um treino leve a meio do dia e voltam a treinar entre as 8 e as 10 de noite. Jantar, um beijo aos filhos e toca a dormir. Não têm vida própria. Nunca ninguém treinou como eles em Portugal.
Os resultados estão à vista. Se os jogos lá fora lhes deram maturidade competitiva, a revolução maior deu-se a nível físico. Os jogadores são hoje muito mais fortes, rápidos e resistentes do que eram no meu tempo, qualidades físicas indispensáveis para defrontarem a "blindagem" (dizia Jean Lacouture) dos melhores do mundo.
Mesmo assim não vai chegar. Nos jogos de preparação, perdemos com o Canadá e com o Japão (derrota amarga por dois pontos), mas temos ainda menos hipóteses contra as equipas do nosso grupo. A Nova Zelândia é uma espécie de Brasil do rugby: pode ser vencida, mas não por nós. Uma derrota por menos de quarenta pontos é uma vitória, por menos de trinta é um milagre e por menos de vinte é um jantar no Gambrinus para os leitores do Cachimbo. Quanto à Escócia e à Itália, esqueçam. Têm campeonatos altamente competitivos e muitos jogadores em França e em Inglaterra, as duas melhores ligas europeias. Sobra a Roménia. No tempo do Ceausescu, podiam bater-se de igual para igual com os grandes do Seis Nações. O seus jogadores, integrados no Exército ou na polícia, eram profissionais disfarçados. Entretanto, a democracia trouxe o fim dos amanhãs que cantam. Num dia perfeito, se os pobres romenos passarem fome, se não cometermos erros, se todos os deuses do Olimpo estiverem do nosso lado, talvez vençamos. Com muito sangue, muito suor e muitas lágrimas. E se comprarmos o árbitro.
Estou a ser demasiado pessimista? Já veremos. Encontramo-nos no Gambrinus.