Cultura intermitente, ensaio de resposta

Há tempos, o Tiago Ivo Cruz desafiou-me a comentar este post. Ontem, o Público trazia um artigo de Mário Vieira de Carvalho, Secretário de Estado da Cultura, em defesa do novo "estatuto do artista" aprovado no Parlamento com os votos a favor do PS e contra de toda a oposição. Juntando as duas coisas, e ressalvando que ainda não li o referido "estatuto", deixo aqui um comentário sobre a matéria. Fatalmente provisório.
Ao que parece, o novo regime laboral dos "intermitentes" não os inclui na segurança social. Vieira de Carvalho diz que sim, porque passa a ser obrigatório celebrar um contrato para exercer actividade artística subordinada (a termo incerto, a termo certo ou sem termo). Acaba-se assim com os recibos verdes e garante-se o acesso à segurança social, uma vez que há descontos (variáveis). Ao mesmo tempo, porém, o SEC acrescentava que estes contratos só subsidiariamente são regulados pelo Código de Trabalho. Subsidiariamente? Em que medida? Como é que são calculados os descontos e as prestações correspondentes (se é que são correspondentes)? E de que natureza e peso são as sanções, sem as quais o estatuto terá pouco efeito, para os empregadores que não cumpram a lei?
Suspeito que haja aqui uma certa indefinição. Claro que, em cenários laborais tão variáveis, a flexibilidade da lei pode ser uma das suas forças. Mas uma lei muito flexível também pode revelar-se pouco imperativa e, portanto, fraca. Veremos. Em todo o caso, eu não seria tão optimista como o Secretário de Estado nem tão pessimista como a oposição. Ter isto já é melhor do que nada, mas o risco da temida precariedade não desaparece.
Daí que a questão da segurança social seja prioritária. Por uma dupla razão de justiça. Antes de mais, porque a arte é uma actividade profissional que beneficia a sociedade e que deve, em consequência, ter os direitos e deveres reconhecidos a qualquer outra. Depois, porque a arte não tem o direito natural de ser subsidiada, como não o tem nenhuma outra actividade profissional. Ora, se não houver segurança social, a tentação estatista será a de sustentar os artistas e o seu trabalho através de alguma forma de subsídio, como bolsas ou encomendas.
A não ser que os deixemos morrer à fome.
O que sai mais barato, mas é um pouco inestético.
publicado por Pedro Picoito às 21:53 | partilhar