Decididamente, a moda pegou: Marx está de volta. À boleia da "crise do capitalismo", a esquerda ideológica saiu do armário. Ontem, até uma jornalista como Teresa de Sousa, geralmente cordata apesar da furiosa eurofilia, dissertava sobre o tema no Público. Obama parece ter assegurado a vitória, Brown ganhou novo alento, Soares e Alegre multiplicam-se em declarações sobre a "nova esquerda" (sic) e Sócrates, o mesmo que recupera o vilipendiado Código do Trabalho de Bagão Félix, dispara chumbo grosso sobre os lucros das empresas e a ganância dos especuladores.
Isto, vão-me desculpar, dá para alguns sorrisos. A última grande onda de filomarxismo foi no pós-guerra. O Exército Vermelho vencera Hitler, a foice e o martelo erguiam-se sobre Berlim, o Komintern engolia metade da Europa, a China era o que se sabia, o "terceiro mundo" era uma questão de tempo, os partidos comunistas de França e Itália quase ganhavam eleições, os pacifistas gritavam "better red than dead" conta a instalção de mísseis americanos na Europa e Sartre proclamava o marxismo "a filosofia inultrapassável do nosso tempo".
Sabe-se como acabou o assunto. Aquilo em que nunca se pensa é que o marxismo não falhou por erros políticos ou estratégicos de conjuntura, mas porque a sua visão da história estava profundamente errada. Marx previu que a revolução socialista triunfaria primeiro nos país mais industrializados: a América e a Inglaterra. Falhou. Mais: contra as suas previsões, o socialismo chegou antes ao poder em impérios feudais, a Rússia e a China, que nunca tinham conhecido um verdadeiro sistema capitalista. O próprio capitalismo que Marx descreveu, com as suas condições desumanas, jornadas de trabalho 16 horas, trabalho infantil, exploração das mulheres e proletariado miserável, há muito que não existe. Para não falar da lei marxista do empobrecimento progressivo, segundo a qual o capitalismo viria a multiplicar tanto o número de pobres que um belo dia a mera consciência da realidade os levaria à revolução.
Pois é, talvez as notícias da ressurrreição de Marx sejam um pouco exageradas.