Respeitos Humanos?
A sumidade é Jean-Yves Calvez e o tema era a actualidade da Populorum progressio. Até aqui tudo bem. Ele é francês, sabe que se farta de Doutrina Social da Igreja, debruça-se sobre os temas da encíclica. Aí vamos nós: noção cristã de desenvolvimento, ambivalências do crescimento económico, denúncia do problema da desigualdade, abusos do capitalismo, exploração dos povos subdesenvolvidos, pontapé e cabeçada no liberalismo económico. Faz sentido. No liberalismo, o católico dificilmente digere o individualismo moral, o mero consentimento das partes para garantir a justiça nos contratos, a pretensão de não alterar o desenvolvimento espontâneo da economia através de normas morais (justiça social faz sentido para regular uma ordem espontânea), a aversão a qualquer intervenção dos poderes públicos na sua condução.
O mais interessante é o seguinte: por que é que, actualmente, quando o católico critica princípios e corolários particularmente liberais, ele acaba por mitigar a tensão dizendo que está a reprovar apenas o «liberalismo radical», o «mais extremo». Certo, há muitas formas de liberalismo. Mas quando Paulo VI malha forte e feio, ele não tem pudor em dizer que está a atacar os princípios fundamentais do liberalismo, sem mais.
Ontem não (e isto é muito frequente). O liberalismo andava a rebolar pelo chão, mas era apenas o «radical», a tal ideologia do capitalismo selvagem. E olhem que o homem não era propriamente um Michael Novak. Não lhe faltava “reserva crítica” sobre o liberalismo e o capitalismo.
Sabem o que mais. Há aqui uma estranha ambivalência no juízo da Igreja sobre o liberalismo. Em muitos aspectos dispara a matar sobre os seus princípios e corolários fundamentais. Mas depois gosta de dizer que foi ao lado, que acertou somente numa extremidade. Muito sinceramente, ajudem-me a entender o que estou a ver mal.