Já passaram alguns dias e ainda não é claro o alcance do argumento dos impostos na questão do aborto. Julgo que para a maioria dos defensores do "Não", o objectivo não é lançar as mulheres para situações de clandestinidade, mas antes evitar que o aborto se realize e que possa nascer uma criança, preservando então a vida. Se o objectivo é este, e caso fosse um defensor do "Não", o mais provável é que ficasse quieto e calado no tema fiscal; no entanto, não só houve a má ideia de uns certos outdoors, como ainda houve algo pior: um colóquio/comunicação em que se argumentou sobre o tema com intervenções de António Borges, Isabel Neto e Maria José Nogueira Pinto.
O argumento de António Borges é a utilização alternativa de recursos, o custo de oportunidade de realizar um aborto seria demasiado elevado para ser realizado pelo SNS. Isabel Neto e Maria José Nogueira Pinto optam (pelo menos nos excertos da imprensa) pelo argumento da despesa, o mesmo dos outdoors: o aborto custa dinheiro, Portugal tem problemas de despesa pública, e esse dinheiro é melhor aplicado em outras áreas do já sobrecarregado SNS.
Este argumento alegadamente eficientista não convence no seu próprio terreno. De uma maneira geral, só utiliza o SNS em Portugal quem não tem dinheiro suficiente para escolher um privado. Quem hoje viaja até clínicas em Londres ou Madrid, tendencialmente não utilizará o SNS, por razões de maior privacidade e qualidade global. Quem rumará ao SNS será o grosso das mulheres que hoje opta por situações clandestinas em Portugal que acrescentam mais riscos clínicos ao acto por desadequação de formação e equipamento de quem o realiza. E é aqui que o argumento fiscal e eficientisca esbarra, senão vejamos:
Quem opta pelo aborto clandestino realizado em Portugal são pessoas tendencialmente pobres, com rendimentos próximos do salário mínimo, ou seja, não contribuem para a receita fiscal, ou apenas marginalmente o fazem. Recebem no entanto os benefícios do Estado, como sejam o SNS, a justiça, a segurança, etc. Estando em situação carenciada e não desejando ter (mais) filhos, e se o "Não" é para levar a sério, as crianças nascidas deste meio serão beneficiárias do Estado, utilizarão os serviços do SNS, frequentarão o pré-escolar e toda a escolaridade seguinte em escolas públicas, receberão abono de família, etc.
Fazendo a comparação monstruosa entre o custo de um aborto e o custo de uma criança ao Estado nos termos descritos, o aborto acaba por ser um óptimo negócio fiscal ao estilo Malthusiano. Abortam-se os filhos dos mais pobres, que tendencialmente serão menores contribuintes do que os filhos dos mais ricos, e passamos a dar mais e melhores condições a quem cá está. Reduz-se a pobreza, aumenta-se o PIB per capita, e o Estado deixa de estar comprometido com tantos custos sociais, libertando futuras receitas para o bolso do contribuinte ou outras realizações.
É rico? Preocupa-se com os seus impostos ou com a eficiência do SNS? Vote Sim. Vai ver que compensa.