No post anterior sobre as
grammar schools, sublinhei que a "blairização" do Partido Conservador inglês com
David Cameron está a levar ao travestimento de alguns valores fundamentais dos
tories, no caso a defesa da liberdade de ensino. Não me parece irrelevante. A liberdade de ensino é (era?) tradicionalmente a chave de qualquer política de educação conservadora-liberal. Ora o nosso comentador
Nomanisanisland, cujo
nick (embora pertinente) acerta ao lado da questão, acusa-me de não conhecer as
grammar schools, onde prevê que "
se calhar os bons alunos até serão cada vez melhores, mas os médios serão maus e os maus serão péssimos". Aquele
se calhar estraga tudo, mas eu diria que um sistema que contribui para que os bons sejam melhores, pelo menos, e não os bons, os médios e os maus, todos por junto, cada vez piores - se calhar tem algum mérito.
Sem fazer humor com um tema sério, no entanto, reconheço que a minha ciência do ensino britânico é indirecta. A do meu comentador será mais próxima, diz-me e acredito. Noto, porém, que a sua crítica do elitismo é um lugar-comum sobre o ensino privado em Portugal. Acontece que a escola pública, como tanto têm repetido Vasco Pulido Valente e Fátima Bonifácio, é hoje o maior obstáculo à mobilidade social (cá e não só). É-o porque a escola pública assenta numa ficção ideológica: a de que todos os alunos devem ser tratados como iguais e um ensino centralizado os pode tornar iguais.
Qualquer professor sabe por experiência, pelo contrário, que os alunos são todos diferentes e que a maior dificuldade na sala de aula é conseguir que todos esses alunos diferentes acompanhem a mesma matéria. Se o professor vai depressa, os maus alunos ficam para trás. Se vai devagar, os bons alunos não progridem. Como resolver o dilema? A maioria dos professores opta por uma espécie de via média que permite acompanhar o maior número possível de alunos - com o risco de deixar pelo caminho os melhores e os piores. Os resultados estão à vista: o nivelamento do ensino cada vez mais por baixo, na exacta medida em que a via média é cada vez mais baixa. Acho que não preciso de dar exemplos.
Claro que assim não temos os bons cada vez melhores e os médios e os maus cada vez piores. Pois não. Temos os bons, os médios e os maus, todos, cada vez piores. Aliás, nem sequer temos os bons porque os respectivos paizinhos os põem em colégios particulares assim que podem. Cá ou em Inglaterra. Eton existe, e continuará a existir, e hão-de florescer milhares de Etons enquanto houver paizinhos que podem. Só que nem todos podem. Eis o belo destino da igualdade a martelo.
É a esse belo destino que as
grammar schools permitem fugir, oferecendo a pobres e ricos uma alternativa em que a selecção é puramente académica. Daí a desconfiança da esquerda perante as
grammar schools ou, como
aqui se nota, o
homeschooling. Nada tem de surpreendente - não passa da velha preferência da igualdade à liberdade que
Tocqueville identificava nos jacobinos, agora aplicada à educação. A esquerda, na sua cegueira ideológica, tem horror à selecção pelo mérito, preferindo que todos sejam iguais na mediocridade a que alguns tenham a liberdade de melhorar. Surpreende, isso sim, que
Cameron vá pelo mesmo caminho. Talvez ganhe votos do outro lado. Talvez. Alguém devia lembrar-lhe, porém, que uma política educativa mais política do que educativa acaba por não ser nem uma coisa nem outra.