Em
Espanha, onde passei os últimos dias, a guerra cultural está ao rubro. O Governo socialista fez aprovar no Parlamento uma Lei Orgânica do Ensino, a polémica
LOE, que torna obrigatória uma disciplina de Educação Para a Cidadania no secundário. Há-de chegar cá, como já chegou a Itália (curiosamente, também quando lá estive: começo a ter medo de sair de casa).
De acordo com o nome, a coisa serve para ensinar as criancinhas e os adolescentes a ser, pois claro, bons cidadãos. Deus e os nossos leitores sabem que não tenho grande paciência para esta coisa da cidania. Além de tresandar a ética republicana, a tal que ninguém define e portanto ninguém pratica, a ideia é que a identidade das pessoas se determina antes de mais pela sua pertença a um Estado, o qual ainda por cima nos diz o que devemos ou não fazer, jacobinismos suficientes para me dar a volta ao estômago conservador-liberal.
Mas não julguem que estamos no domínio das abstracções. O pior é que o programa da redentora matéria - obrigatória, recordemos - não passa de um cavalo de Tróia para meter o admirável mundo novo do politicamente correcto na cabeça dos filhos dos outros. Com o pacote todo, incluindo a famosa ideologia de género, a diversidade de modelos familiares e os modos de vida alternativos (sim, é mesmo isso que estão a pensar).
Previsivelmente, a Igreja e o Governo destaram "à puerrada", como diria o Futre nos tempos do Atlético de Madrid. Os bispos sugeriram aos católicos a objecção de consciência e até a greve às aulas, entre outras acções musculadas a que esquerda gosta de chamar desobediência civil. Zapatero respondeu, num comício com a JS lá do sítio, que "nenhuma fé está acima da lei".
O que seria uma verdade simpática, se a questão fosse de fé. Não é, lembrou entretanto o porta-voz de uma das maiores associações de pais espanholas, Benigno Blanco, com óbvio equilíbrio apesar do nome algo maniqueísta, recomendando ao Governo que não faça de uma luta pela liberdade de educação a próxima guerra Igreja-Estado.
Tem toda a razão e só mesmo por má fé os socialistas podem ter comprado essa guerra. E se a má fé também não está acima da lei, o que temos aqui é o paradoxo do costume: quanto mais os jacobinos proclamam a neutralidade ideológica do Estado, mais procuram usar o Estado para impor a sua ideologia aos "cidadãos".
Estou curioso para ver o que se segue. Até ao começo das aulas ainda se mete tudo a banhos, mas algo me diz que a temperatura não vai descer.
Há-de chegar cá, acreditem.