Talvez tenha razão no
juízo de valor que faz sobre a falta de preparação de Barack Obama em matéria de política internacional. Porém, as declarações que escolheu não são um bom exemplo. Note que Obama repete no essencial as declarações de
Frances Townsend, conselheira presidencial americana em matéria de Homeland Security. Na apresentação da NIE (National Intelligence Estimate) relativa à ameaça terrorista, Towsend foi questionada sobre a crescente operacionalidade da Al Qaeda no Paquistão (destaques meus):
Question: For the citizen watching this and hearing that in Pakistan there is a safe haven, why should that American citizen not say, "Well, why don't we go into Pakistan and deal with it that way?"
Townsend: There's no question, the president's made perfectly clear, if we had actionable targets anywhere in the world, putting aside whether it was Pakistan or anyplace else, we would pursue the targets.
QUESTION: But also, there are the reports that the U.S. is fighting this war beyond — outside the U.S.
My question is that now you're confirming that Osama bin Laden, which we have not been talking about in — for some time, is now alive and he is head of the Al Qaida. I mean, all the — most of the attacks taking place is under his leadership.
And I'm sure somebody knows where he's hiding. And also, you confirmed that Al Qaidas are now taking safe haven in Pakistan.
The Pakistani government has told the U.S. that they will not allow, under any circumstances, anybody to enter that area where Al Qaida and Osama bin Laden is.
So where do we stand working in the future, catching Osama bin Laden and all those hiding in safe haven in Pakistan?
TOWNSEND: Well, there's no question that when we talk about Pakistan, we're talking about —and bin Laden— we're talking about the Federally Administrated Tribal Areas.
Estas declarações parecem ter causado uma reduzida comoção mediática. No entanto, são bem mais fortes e claras do que as afirmações de Obama.
Os líderes Pashtun beneficiaram de uma ampla autonomia face ao governo central nas áreas tribais paquistanesas e como parte do
quid pro quo comprometeram-se a manter as províncias do noroeste “limpas” de bases jihadistas. O compromisso não foi cumprido e houve uma evidente reorganização da coligação Al Qaeda/Talibans nas zonas tribais paquistanesas. Note-se que Obama se referiu à possibilidade de acção militar em termos
contingentes, tendo o cuidado de especificar em que circunstâncias é que tal seria admissível: presença comprovada de alvos terroristas de “alto valor” estratégico e ausência de acção por parte do exército paquistanês. Não se ignore o efeito dinâmico dos “incentivos”: Musharraf soube da “disponibilidade americana” e isso parece que teve um efeito surpreendentemente revigorante na capacidade anti-terrorista do exército paquistanês. Portanto Musharraf já compreendeu que tem de agir, o que afasta consideravelmente a possibilidade de Obama ou outro eventual presidente americano ter de o fazer por ele.
E se Musharraf não for capaz de neutralizar os jihadistas? Há um largo consenso político quanto à necessidade de anular a capacidade logística da Al Qaeda e de capturar os elementos mais perigosos. Isso exige “botas no chão”. Obama manifestou disponibilidade política para empenhar tropas americanas em operações em solo paquistanês. Ao contrário de Towsend, não disse que o faria à revelia do governo de Kabul; apenas mencionou a eventual incapacidade de
Musharraf, o que não é o mesmo.
E se Musharraf já não for “relevante”? Também é preciso ter em conta a dinâmica da política paquistanesa. É possível que o exílio de Benazir Bhutto esteja prestes a terminar. Sendo o PPP um partido claramente secular e como Bhutto tem bons contactos em Washington e Londres, talvez Obama não esteja a pensar em acções unilaterais: apenas em acções que dispensam o aval político de Musharraf, provavelmente
porque este já não estará em condições de o dar.
Por tudo isto não “arrumaria” Obama —não com base nestas declarações. Por outro lado, parece que Obama terá admitido publicamente que nunca recorreria ao uso de armas nucleares, caso fosse presidente. Isto sim, é inabilidade política. Repare que
Reagan pensava exactamente
o mesmo —com a dupla agravante de estar em plena Guerra Fria e de se recusar a fazê-lo mesmo como ataque retaliatório contra uma agressão nuclear, presumivelmente soviética. No entanto, Reagan teve o cuidado de nunca deixar transparecer essa intenção, nem aos colaboradores mais próximos. A astúcia é um dos recursos mais subestimados dos grandes estadistas e no entanto salva muitas vidas e evita inúmeros conflitos. Ao anunciar a sua renúncia ao recurso à arma mais temível, Obama anunciou ao mundo que não tem astúcia. Deitou fora uma preciosa margem de segurança decorrente da dissuasão nuclear e ao fazê-lo tornou o mundo menos seguro, na eventualidade de ser eleito presidente. Em todo o caso, sigo com mais atenção as declarações de Hillary Clinton. Não é difícil perceber porquê.