Segunda-feira, 31.12.07

3,2,1...

E pronto. Assim sendo, resta desejar um bom ano a todos: aos activos, aos passivos e aos não envolvidos.
Tudo indica que 2008 será um ano mais puro.

Até já!
publicado por Joana Alarcão às 16:53 | comentar | ver comentários (1) | partilhar

O Cachimbo vai fechar hoje à meia-noite

Daqui a poucas horas, com as doze badaladas e a entrada em vigor (1 Janeiro 2008) da nova Lei do Tabaco, em concreto do artigo 3.º abaixo transcrito, este blog tornou-se ilegal. Assim, depois de uma denúncia anónima -abaixo os bufos!- vamos ter de encerrar este estabelecimento por ordem da Ministra da Cultura e da ASAE.

Artigo 3.º da Lei n.º 37/2007, de 14 de Agosto:
«O disposto no presente capítulo visa estabelecer limitações ao consumo de tabaco em recintos fechados destinados a utilização colectiva de forma a garantir a protecção da exposição involuntária ao fumo do tabaco.»

Ora, sendo o Cachimbo de Magritte um «recinto fechado destinado à utilização colectiva», e não podendo nós, nem querendo, diga-se, proibir o fumo neste espaço por estar nos nossos genes fumadores, digo, fundadores, vamos ter mesmo de fechar as portas.

Dando cumprimento ao disposto no artigo 11.º, n.º 2, alínea a) da Lei n.º 37/2007, de 14 de Agosto, advertimos: «A frequência deste espaço prejudica gravemente a sua saúde e a dos que o rodeiam». Todos os posts posteriores à meia-noite são ilegais e puníveis com coima entre € 2000 e € 3750. A negligência é punível.
publicado por Paulo Marcelo às 16:33 | comentar | ver comentários (7) | partilhar
Domingo, 30.12.07

Adaptações ao nosso tempo

Hoje, não é difícil depararmo-nos com barbaridades (sim, barbaridade é o termo) como as que o Fernando descreve aqui, mas também me parece que uma “adaptação ao nosso tempo” não deve ser recusada enquanto tal. Estou a pensar em peças. Se considerarmos que um texto é “intemporal” (seja lá o que isso for), estaremos perante duas vias possivelmente armadilhadas.
Por um lado, sendo “intemporal”, não há nenhuma necessidade de o embrulhar numa encenação e/ou guarda-roupa familiares a olhos contemporâneos. Tudo se passa como se aquele texto valesse por si e tivesse uma força que vem do passado, intacta, e nos atinge em cheio tal como atingia as audiências da sua estreia – fosse ela em Atenas ou no Globe.
Por outro lado, é precisamente por ser um texto “intemporal”, precisamente por aquelas palavras, por aquela voz ser ainda capaz de nos falar, que deve ser trazido até nós e apresentado de uma maneira que não nos distancie dele – deve ser-nos dado a conhecer num aspecto familiar ao público, para que este não feche de imediato os olhos e se recuse a ouvir logo às primeiras palavras.

Fedra de Seneca/Hipólito de Eurípedes, segundo Stefania Cenean, 1994

Nestas “adaptações”, mais ou menos ousadas, há umas que são autênticos disparates que alienam os textos. Mas há outras que resultam. Neste momento recordo-me duma encenação “conjunta” do Hipólito de Eurípedes e da Fedra de Séneca que talvez enfurecesse os so called puristas. Afrodite, terrível, é uma mulher madura em lingerie e o Coro é composto por mulheres que exibem os seus seios. Não se dirá assim melhor a natureza da deusa e o papel do Coro das mulheres de Trezena? Melhor do que se Afrodite nos aparecesse de chiton. Mesmo que fosse um chiton revelador.
Gosto de pensar numa encenação como uma tradução. Aquele texto está como que a ser traduzido num palco para nós. Pensemos na tradução de um poema: qual é a “melhor”? Aquela que, arqueologicamente, escava os arcaísmos e no-los mostra em palavras literais, mas petrificadas? Ou a tradução que consegue re-criar o poema, que repete em nós o efeito que ele teve nos outros? Aquela tradução que não parece tradução – mas que nos aparece como um original. (O "Torso de Apolo" de Rilke e o de Manuel Bandeira, ou o mesmo (o mesmo?) soneto em Shakespeare e em Vasco Graça Moura) Qual é, na verdade, mais “fiel” ao original?

Euménides de Ésquilo, segundo Peter Hall, 1981
publicado por Carlos Botelho às 22:48 | comentar | ver comentários (6) | partilhar

Democracia...

O órfão de dezanove anos e o viúvo de Benazir Bhutto estão já indicados na "imprensa" internacional como seus sucessores à frente do "partido" que ainda é da defunta, do avô e do sogro. Se isto é democracia e a defunta democrata, tenho que esquecer tudo o que aprendi sobre aquele que foi considerado como o pior dos regimes políticos, excluindo todos os outros.
publicado por Fernando Martins às 16:10 | comentar | ver comentários (3) | partilhar
Sábado, 29.12.07

A morte da ópera

[Nota: texto longo]

Tal como fez em anos anteriores, David Brooks, um dos meus cronistas favoritos, atribuiu nas suas duas crónicas mais recentes os ‘Sidney Awards’ –o prémio fictício com que distingue os melhores ensaios publicados em 2007. Não há restrições temáticas nem de qualquer outra espécie: os ensaios escolhidos por Brooks cobrem assuntos extremamente variados e têm em comum apenas a elevada qualidade. Também não há ‘vencedores’: há apenas a mediação de opinião de Brooks, traduzida num breve resumo de cada um dos ensaios, resumo que simultaneamente apresenta o texto e esclarece os motivos da escolha.

De entre os ensaios eleitos há um que é a minha escolha para ensaio do ano de 2007: “The Abduction of Opera”, de Heather MacDonald, para o número de Verão do City Journal. Muitos recordar-se-ão do escândalo ocorrido em 2006, quando a Deutsche Oper de Berlim cancelou diversas representações da ópera de Mozart Idomeneo. Na encenação de Hans Neuenfels, o rei Idomeneo carrega um saco com as cabeças decepadas de Cristo e Maomé, entre outros. As ameaças de violência feitas por grupos islâmicos assustaram os responsáveis da Deutsche Oper e colocaram a discussão no plano político da liberdade de expressão. Infelizmente não era essa a questão relevante. Poucos se lembraram de perguntar e ninguém foi capaz de explicar, a começar pelo encenador, o que raio faziam as cabeças cortadas de Cristo, Maomé e Buda a ‘passearem’ num saco, numa ópera cujo libreto do séc. XVIII se inspira num episódio da mitologia grega. Bem vindo ao estranho mundo do Regietheater, onde as intenções originais dos autores, a música, o libreto e as definições das personagens são ‘irrelevantes’. Michael Gielen, um influente praticante do género e antigo director da Frankfurt Opera resumiu a ideia com enorme transparência: “what Handel wanted in his operas was irrelevant; more important was what interests us… what we want.”

E o que é que ‘nos’ interessa, o que é queremos? Sexo, claro, what else? Sexo sob todas as formas, quanto mais sórdidas melhor. O pressuposto é o do costume: é preciso ‘desmascarar’, ‘desconstruir’, expor a sociedade como construção ‘hipócrita e opressora’, uma teia de relações ‘exploradoras’ porque assentes em diferenciais de poder, onde o sexo é a única pulsão ‘verdadeira’, o alfa e ómega de uma sociedade ‘imperialista’ e ‘falocrática’ (não há prémios para quem identificar os discursos filosóficos que sustentam esta ‘perspectiva’). Se esgravatarmos a superfície da narrativa com vigor suficiente, lá o descobriremos; o pudor a mascarar a volúpia, a satisfação plena da volúpia limitada apenas por convenções da ‘falsa’ moral social.

As ‘actualizações’ sofridas pelas óperas clássicas encenadas por directores que adoptam esta perspectiva são autênticas desfigurações, convertendo personagens e contextos em ultrajes unidos pela máxima vulgaridade comum. Pelos vistos, o público habituou-se às alarvidades e um Don Giovanni subjugado pelo impulso onanista –que satisfaz em palco– já se tornou ‘habitual’ (veja-se esta inenarrável produção de Calixto Bieito). Seria interessante saber o que diria Kierkegaard, de tais ‘encenações’. Um Rigoletto ‘transposto’ para o Planeta dos Macacos causou menos espanto do que as reticências da soprano alemã Diana Damrau em participar na encenação da Bavarian State Opera. Raros são os músicos que se recusam a satisfazer os delírios escatológicos dos directores artísticos, com receio que isso diminua as suas perspectivas de contratos futuros. A crítica especializada também saltou para o comboio da obscenidade desenfreada. Por exemplo, a crítica de ópera do The Guardian, Charlotte Higgins, pasmou-se perante as reacções de indignação a uma encenação de Un Ballo in Maschera, pela English National Opera:
By Higgins’s own account, it contained the usual “transvestites, masturbation, simulated sex, nudity and, in the opening scene, a row of men sitting on toilets.”

De certo modo, Higgins tem razão. A indignação é relativa: haverá motivo para tão grande espanto com o mau gosto da direcção da ópera de Verdi, quando a mesma English National Opera produziu três anos depois, em 2005, uma encenação da ópera de Wagner Götterdämmerung, onde Brünnhilde se apresenta como uma bombista suicida, que no final se faz explodir em palco, matando o restante elenco?

O argumento de que é necessária uma ‘actualização’ radical da narrativa para que as óperas clássicas permaneçam ‘apelativas’ para o público contemporâneo não é apenas uma licença para a destruição de um património cultural com objectivos políticos evidentes: é intelectualmente desonesto. Por analogia, a fábula do Capuchinho Vermelho necessitará de Hannibal Lecter no lugar do Lobo para permanecer inteligível? Precisará Pinocchio de dealers de droga em vez de uma raposa e de um gato manhoso a desviarem-no do caminho para que se perceba a parábola?

A destruição da ópera clássica tem outra consequência: impede os espectadores de exercerem qualquer esforço de mediação entre a narrativa e o contexto actual e deixa-os incapazes de compreender o tempo e as circunstâncias do autor e da obra. É um efeito terrivelmente empobrecedor –e politicamente muito conveniente: somos cada vez menos capazes de imaginar outros mundos separados de nós pelo tempo, outras formas de organização sócio-política, com valorações completamente distintas das actuais. A pobreza intelectual tende a gerar conformidade, que por sua vez valida as ‘actualizações’ empobrecedoras, num equilíbrio auto-sustentado.

Tal como noutras questões políticas e culturais fundamentais, a esperança e resistência vem do outro lado do Atlântico, sobretudo da Metropolitan Opera House, que permanece fiel à tradição interpretativa cuidada e respeitadora das obras. O director Giancarlo del Monaco, que na Europa encenou a ópera Nabucco transpondo-a para o Iraque de Saddam Hussein, resumiu com simplicidade o princípio separador que hoje segmenta os mercados de ópera europeu e americano: “I have a Eurotrash face for Europe and a classy face for the Americans.”

Noutros tempos acusou-se Cecil B. DeMille e, por continuidade, os maiores produtores de Hollywood de simplificarem, distorcerem e em última análise falsificarem a História nas suas produções, por estarem mais interessados na exibição de um luxo grandiloquente do que no rigor histórico. Havia mesmo uma quadra que resumia o desprezo do produtor pelo rigor histórico:

Cecil B. DeMille
Much against his will
Couldn’t get Moses
Into the War of the Roses.

Mas nunca ninguém se lembrou de o acusar de perverter e destruir a prática cinematográfica a que dedicou a sua vida. O mesmo não se pode dizer dos directores da Regietheater. Não só destroem as obras que encenam como, ainda por cima, o fazem com um desprezo pelo contexto histórico que supera em muito qualquer delírio da Hollywood dos anos dourados. Basta atentar no exemplo de Giancarlo del Monaco: se Cecil B. DeMille teve pruridos em enfiar Moisés na Guerra das Rosas, del Monaco não hesitou em espetar com a figura do Antigo Testamento no meio da Guerra do Iraque.

Não obstante, o princípio geral é o mesmo. Há meio século, os produtores cinematográficos serviam às plateias doses desmesuradas daquilo que as deslumbrava: o brilho falso dos cenários, a grandiosidade (não manipulada por computador) da figuração, as orquestrações balofas. Hoje, os encenadores de ópera servem aos seus públicos exactamente o que eles estão dispostos a consumir. No caso americano, recriações cuidadosas, com respeito pela música, pelo libreto e pelas personagens tal como foram criadas. No caso europeu: lixo.

Para compreender a diferença no estado de coisas entre os dois lados do Atlântico é necessário mais do que diagnosticar a doença intelectual do Regietheater, o que MacDonald faz no seu excelente ensaio. É necessário atentar nos diferentes modelos de financiamento da cultura. Quando, como sucede na Europa, a maior parte dos custos da produção cultural são suportados através de subsídios públicos, as cliques entrincheiradas nas instituições culturais ficam libertas para prosseguirem as suas agendas políticas particulares, independentemente da opinião pública. A ‘morte da ópera’ é afinal parte de uma morte maior: a morte da cultura europeia. E ambas as mortes são fiscalmente assistidas.

[Bom 2008]
publicado por Joana Alarcão às 17:15 | comentar | ver comentários (8) | partilhar

Mau em 2007 - Bom em 2008

Para o Paulo Pinto Mascarenhas, e outros que partilham da mesma esperança:
Tenho um pressentimento de que o Paulo Gorjão regressará em breve à blogosfera. A única coisa que sugiro é que o PPM pode ir apagando o linque do Bloguítica. Outras moradas... Mas que sei eu?
publicado por Miguel Morgado às 17:05 | comentar | partilhar

Liberalidades

Então é assim.
Menezes denuncia a "opa informal" do PS sobre o BCP e pede a Caixa Geral de Depósitos.
O PS fica com o BCP e dá-lhe a Caixa.
Todos ficam contentes
O PS converte-se definitivamente ao capital.
Menezes inicia o desmantelamento do Estado.
E o liberalismo triunfa.
Feliz Ano Novo.
publicado por Pedro Picoito às 13:24 | comentar | partilhar
Sexta-feira, 28.12.07

2007: Imprensa

O Público continua a ser o melhor diário português, embora certas mudanças (o grafismo, o pingue-pongue da página final, os suplementos) demorem a convencer-me. E mantém os melhores colunistas do burgo: Vasco Pulido Valente, Rui Ramos, Pacheco Pereira.

O DN continua o processo de tabloidização em curso, atirando inexplicavelmente para os braços da concorrência alguns dos motivos que o recomendavam, como Medeiros Ferreira, Pedro Mexia ou Luciano Amaral. A concorrência agradece.

A Atlântico continua a existir, o que só por si é uma vitória. Mais do que isso, continua a atrair nomes de peso - Manuel Lucena, Vasco Pulido Valente, José Miguel Júdice -, a par de muita rapaziada nova. Até o Pacheco Pereira teve que lhe fazer um elogio, "independentemente da linha editorial". Longa vida ao timoneiro Mascarenhas, à tripulação e à linha editorial, seja lá qual for.

A Spectator continua tory até ao tutano, mas fez as pazes com Cameron. Sobre o previsto cadáver de Gordon Brown?
publicado por Pedro Picoito às 17:08 | comentar | partilhar
Quinta-feira, 27.12.07

Mrs. Benazir Bhutto

A Sra. Bhutto morreu hoje algures no Paquistão vítima de um atentado terrorista. Sobre a personagem pouco ou nada sei, porque os media que leio, vejo ou ouço, em sucessivos anos de protagonismo político da personagem, raramente conseguiram, para não dizer que tentaram, desvendar a essência de uma personagem contraditória, sedutora, inteligente e muito pouco escrupulosa. Uma figura que apesar de morrer, ou pretender morrer, como mártir da democracia do seu país, fez muitíssimo para diminuir essa mesma democracia enquanto sistema político cujas virtudes não importa agora enumerar. É que mesmo reconhecendo que não é tarefa fácil governar um país até hoje inviável como o Paquistão, as suas duas passagens pela chefia de governos paquistaneses produziram resultados medíocres tanto política como moralmente.
Hoje, e sobretudo fora do Paquistão, há quem chore o desaparecimento da Sra. Bhutto pelas circunstâncias brutais e cobardes em que ocorreu, por nela ver o rosto da luta pela liberdade e pela democracia num país e numa das regiões mais instáveis do mundo.
Por mim, e enquanto aguardo que seja publicada uma biografia da Sra. Benazir Bhutto que faça luz sobre a mulher, o seu percurso e a sua circunstância (Bhutto que desde muito jovem, e inspirada pelo seu pai, se interessara por mulheres que, como Joana d’Arc ou Indira Gandhi, tinham sido líderes políticos marcantes), apenas me interrogo sobre qual terá sido a coligação de interesses que tanto desejava a sua morte. Encontrar uma resposta para esta pergunta não será fácil. Afinal, para onde quer que se virasse, a Sra. Bhutto tinha inimigos dos mais irrecomendáveis. Mas como se não bastasse, há sempre a possibilidade do atentado ter sido o acto de um homem só.
Entretanto, alguns paquistaneses aparecem frente às câmaras de televisão, neste ou naquele ponto da sua terra, destruindo propriedade e perseguindo e matando não se sabe muito bem quem. É o ser humano no seu melhor.
publicado por Fernando Martins às 22:51 | comentar | ver comentários (1) | partilhar

Bhutto

Quando soube da notícia do assassinato de Bhutto, não houve reacção que mais fielmente tivesse reproduzido o que me ia na alma do que a simples declaração do porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi: "Não se vê sinais de paz nessa região atormentada". Simples, mas verdadeiro. O assassinato de Bhutto tem consequências óbvias sobre a situação interna no Paquistão, sobre o ímpeto combatente de resistência às tropas aliadas no Afeganistão, sobre os progressos importantes e notórios no Iraque, e até sobre o Bangladesh, que, segundo o dizer de alguns, é já uma autêntica bomba-relógio. Este não será o último tormento da região. Nesse aspecto, aquela é uma terra de abundância.
publicado por Miguel Morgado às 18:46 | comentar | ver comentários (2) | partilhar

2007: Bergman

2007 foi o ano da morte de Ingmar Bergman. A 30 de Julho.
O realizador sueco não era uma das minhas paixões adolescentes. Como a tantos outros, custava-me entrar no seu universo claustrofóbico. Chesterton diz algures que o mundo de Dante é mais real do que o de Ibsen porque tem o inferno, o purgatório e o paraíso, ao contrário do escandinavo, que só retrata o inferno. Durante algum tempo, pensei o mesmo de Bergman, que não nos poupa nenhuma das misérias humanas.
Os seus filmes falam-nos da solidão, da distância entre as pessoas, da hipocrisia das convenções, do egoísmo, da insuportável deficiência física (Sonata de Outono), da decadência da velhice (Saraband, a última obra), da perda da fé, do silêncio de Deus, da morte (O Sétimo Selo), da falta de sentido da vida, que se reflecte na própria ausência de acção. Uma acção que se concentra em diálogos lentos e violentos, densíssimos e cortantes. E nos grandes planos, aliás enormes planos, em que a câmara parece querer entrar pelas personagens.
Tudo o mais é inútil. Os gestos do amor são uma ilusão ou uma mentira e, sem amor, de que serve o resto?
Durante muito tempo, Bergman incomodou-me. Como se a falta de acção na tela nos obrigasse a a olhar para nós próprios, sem gostar do que vemos. Seríamos assim por dentro? Mas na era do cinema de mastigar e deitar fora, descobri que a sua claustrofobia pode ser mais libertadora do que a maioria dos filmes que vemos por evasão, esse triste consolo que Bergman não nos dá. Dá-nos apenas a arte sem artifício.
Na Sonata de Outono, que revi há cerca de um mês na sempre benemérita Cinemateca, há duas personagens principais: a filha (Liv Ullmann) e a mãe (Ingrid Bergman). No reencontro ao fim de vários anos de separação, a filha acaba por revelar à mãe que a odeia porque esta a trocou por uma bem sucedida carreira de pianista e outras aventuras menos espirituais, enquanto o pai tudo suportava em silêncio. Mais tarde, casara com um homem que não amava, um pastor luterano em crise de fé, e tivera um filho, que morrera ainda criança. A memória deste filho e o cuidado da irmã deficiente, abandonada pela mãe num asilo, são as suas únicas razões de viver.
Só a beleza salva estes seres à deriva. A beleza da paisagem nórdica, a beleza da música - Bach, Mozart, Schubert -, a beleza dos rostos das duas actrizes (magníficas, Ingrid Bergman aos 60 anos e Liv Ullmann a fazer de tontinha). E, apesar de tudo, a beleza do coração humano que, para lá do deserto gelado dentro e fora das personagens, entrevê outra coisa mais funda, mais misteriosa, mais verdadeira. "Toda a vida procurei um lar e, quando o tive, não me chegou", diz a mãe, essa detestável mãe que troca a imperfeição do amor pela perfeição da arte.
A beleza salvará o mundo, ensina-nos Dostoievski melancolicamente. Onde quer que esteja, o melancólico Bergman há-de concordar com ele. No outro mundo, também não existe apenas o inferno.
publicado por Pedro Picoito às 16:28 | comentar | ver comentários (6) | partilhar

2007: Blogosfera

Mais do que blogues, leio sobretudo bloggers: Filipe Nunes Vicente, Luís M. Jorge e os do Cachimbo. O amiguismo é uma coisa muito feia, eu sei.
Tomo diariamente o rápido nos dois sentidos. À direita, Atlântico, Insurgente, 31 da Armada, Arte da Fuga e Abrupto. À esquerda, Arrastão, Cinco Dias, Zero de Conduta, Kontratempos e Bichos Carpinteiros.
Quando posso, gosto de parar em alguns dos apeadeiros mais subestimados da bloga lusa: A Terceira Noite, O Amigo do Povo, A Natureza do Mal, Les Canards Libertaires, Complexidade e Contradição, Hardblog. E no maradona, que não é subestimado. E no Mexia, idem. E no Viegas, idem idem. E no Vasco Barreto.
2007 foi o ano em que o Paulo Gorjão, o Eduardo Nogueira Pinto, a Helena Botto e o Luís Aguiar Santos deixaram de blogar.
2007 foi o ano em que o Augusto M. Seabra começou a blogar.
2007 foi o ano em que a bloga se dividiu pelo aborto, como outrora pelo Iraque.
O "caso Tiago Mendes" foi um mero reflexo. Façam a prova: quem está a favor, votou sim; quem está contra, votou não.
Viram? Quase não falha. A blogosfera é previsível - faz parte do seu encanto.
2008 trará novidades, mas não surpresas. A menos que eu aprenda a fazer links.
publicado por Pedro Picoito às 01:24 | comentar | partilhar
Quarta-feira, 26.12.07

2007: Política nacional

Na política nacional, o ano fica marcado por dois acontecimentos: a vitória do "sim" no referendo do aborto, a 11 Fevereiro, e a vitória de Luís Filipe Menezes nas directas do PSD, a 29 de Setembro.
Da primeira, já tudo se disse. É um sucesso de Sócrates, que liderou (ou fez que liderava) a campanha do PS, tirando esta bandeira à extrema-esquerda. A liberalização do aborto por referendo implica também a queda de uma barreira psicológica: pela primeira vez, uma causa fracturante venceu nas urnas. O método não se estenderá tão cedo às próximas fracturas, a saber eutanásia e casamento gay, mas o precedente está aberto. Vamos passar muitos anos a andar por aqui.
Quem quer enterrar a cabeça na areia, faça favor. Mas quem quer ter uma palavra sobre o futuro dos portugueses, não pode ficar calado sobre o que os divide.
Quanto à eleição de Menezes, trata-se de um retrocesso para o PSD e, portanto, para toda a direita. O tubarão de Gaia está a corresponder às expectativas, tanto dos que o criticam como dos que o defendem, e pelas mesmas razões. As piores. Incoerente, superficial, demagógico, tablóide e - cereja em cima do bolo - suficientemente provinciano para plagiar textos alheios sobre Bergman e Antonioni (ou permitir que outros o façam em seu nome, o que vem a dar no mesmo), Menezes corre o risco de ficar na história como o homem que desmantelou, não o Estado em meia dúzia de meses, mas o PSD em pouco mais do que isso.
Cá estaremos para ver o que fica. Se ficar alguma coisa.
publicado por Pedro Picoito às 23:24 | comentar | partilhar

2007


Gosto de balanços. Gosto dos balanços que tanto se fazem por estes dias, às vezes só para respeitar a convenção de que por estes dias se devem fazer balanços. Gosto, mesmo assim. Gosto de olhar para trás. Gosto de ver à distância, longe da tirania do imediato, longe do som e da fúria do que em tempos me pareceu tão grande e o tempo mostrou não o ser.

Devolve-me a perspectiva.

Só isso me ensina quanto errei em juízos apressados, ou superficiais, ou cheios de uma indignação de circunstância que não queria dizer mais nada.

E só isso me ensina que também tive razão aqui e ali.

Nos próximos posts, farei um balanço de 2007. Não um balanço neutro e exaustivo, mas um balanço pessoal e comprometido. O meu balanço.

Vale o que vale.
Vale a pena. Ou não o faria.
publicado por Pedro Picoito às 18:24 | comentar | ver comentários (2) | partilhar

Obrigados, no reino da Dinamarca

De acordo com os leitores do Insurgente, aqui o Cachimbo foi o quarto melhor blogue de direita no ano que finda, atrás de monstros sagrados (sem ofensa aos laicos) como o Portugal Contemporâneo, o Blasfémias e o Quarta República.
Ficamos lisonjeados, mas note-se que os insurgentes tiveram a elegância de não levar a votos os vários blogues onde escrevem, o que talvez explique o nosso lugar simpático. Só possível, aliás, porque nos incluíram na short list.
Dito isto, não posso deixar de acrescentar que algo muito estranho se passa com a direita blogosférica - quando os dislates do Prof. Arroja são o melhor de 2007...
publicado por Pedro Picoito às 15:24 | comentar | ver comentários (2) | partilhar

Os matizes de Luís Filipe Menezes


Assinalo três passagens da entrevista ao Expresso do novo líder do PSD:

Menezes mantém-se contra os “pactos”, mas defende os "acordos parlamentares alargados": «Eu não tenho simpatia por pactos nas matérias de governabilidade que podem ser decididas por maioria simples no Parlamento. Dai que eu fosse contra o pacto da Justiça. Agora, acordos parlamentares alargados é outra coisa

Menezes considera que ir para a porta das fábricas seria populismo, mas não deixa de afirmar: «Não quer dizer que amanhã não apareça à porta de uma fábrica ou de uma manif mas o que eu quis dizer, em linguagem figurada, foi que havendo um problema ou algo de errado, o PSD está a denunciar

Quanto aos porta-vozes, Menezes afirma que «Para ter porta-vozes é preciso que o sejam de alguma coisa. Neste momento estou mais preocupado em retomar a produção programática

Segundo a Teoria das Cores, o matiz é a característica que define e distingue uma cor. Vermelho, verde ou azul, por exemplo, são matizes. Para se mudar o matiz de uma cor, acrescenta-se outro matiz, aumentando a variedade de um retrato ou de uma personagem.
publicado por Paulo Marcelo às 12:18 | comentar | ver comentários (2) | partilhar
Terça-feira, 25.12.07

É costume dizer...

... que não há duas sem três.
publicado por Miguel Morgado às 16:23 | comentar | partilhar

Ascensão e Queda

Não consigo deixar de pensar que os problemas do BCP coincidiram com o início daquela campanha de publicidade que tinha o inefável Jorge Gabriel como protagonista. Há quem diga que nestas coisas nao há coincidências. Tenho para mim que aquele sorriso acéfalo nas fotografias espalhadas pelos balcões de todo o país prenunciou a tempestade.
publicado por Miguel Morgado às 16:15 | comentar | ver comentários (1) | partilhar

Et incarnatus est



«A verdadeira essência do ensinamento bíblico é relatar factos históricos reais. Não conta histórias simbolizando verdades sobrenaturais, mas é baseado na história, história que aconteceu aqui nesta terra. (...) Et incarnatus est - quando dizemos estas palavras, reconhecemos o facto de Deus ter entrado na nossa história real.»
Jesus de Nazaré, Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI, pg.15, 2007
publicado por Paulo Marcelo às 12:37 | comentar | partilhar

Natal

E para não estragarmos o espírito natalício com o Menezes e o Saramago, aqui ficam os votos de boas festas em nome dos cofumadores deste estabelecimento.
Feliz Natal e Bom Ano Novo para todos!
E que o Menino Jesus nos traga muita paciência...
publicado por Pedro Picoito às 01:24 | comentar | partilhar

Cachimbos

O Cachimbo de Magritte é um blogue de comentário político. Ocasionalmente, trata também de coisas sérias. Sabe que a realidade nem sempre é o que parece. Não tem uma ideologia e desconfia de ideologias. Prefere Burke à burqa e Aron aos arianos. Acredita que Portugal é uma teimosia viável e o 11 de Setembro uma vasta conspiração para Mário Soares aparecer na RTP. Não quer o poder, mas já está por tudo. Fuma-se devagar e, ao contrário do que diz o Estado, não provoca impotência.

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