Terça-feira, 15.07.08

Cachimbo final


René Magritte, Dois Mistérios (1966)
publicado por Pedro Picoito às 22:06 | comentar | ver comentários (20) | partilhar

Até Setembro


Há um tempo para tudo debaixo do céu, diz o Eclesiastes na sua sabedoria. E também houve um tempo para o Cachimbo.
Já não há.
Não há porque alguns o trocaram por miúdos. Resolveram ter filhos. Não satisfeitos em chagar as respectivas com as opiniões sobre o futuro da Pátria e a salvação da Humanidade que conhecemos, tornaram-nas cúmplices de perpetração da espécie. Pais modernos, não querem criar dois infantes ao mesmo tempo, pelo que abandonam o mais feio. Falta-lhes tempo.
Há pior, contudo. Há quem não tenha tempo porque está a acabar, ou a começar, ou algures à volta de - uma Tese. Uma Tese, senhores. Chegam a fugir para Singapura em nome da ciência. Como se isso servisse de alguma coisa. Anos de má escrita que niguém vai ler, nem o orientador, sobre um tema obscuro que a ninguém interessa, nem à mãezinha. E para quê? Para disputar uma vaga de assistente convidado no Burkina Faso com os licenciados de Bolonha. Ainda vão ter saudades dos comentários do MRC, do Borges e do Lukachenko.
Se a troca da bloga pela academia é um exercício de futilidade, que dizer dos que perdem tempo a salvar a direita lusitana? Uns criaram uma facção secreta chamada Alternativa e Responsabilidade, a fim de fazer do CDS um partido vagamente semelhante ao CDS. Sendo secretos, é inofensivo que acreditem ainda na existência do CDS. Outros invocaram o nome da Dra. Manuela nas Docas, na Junta de Santa Isabel e na Secundária do Fogueteiro, dedicando-se agora à missão patriótica de fazer um programa para chegar ao poder. Missão patriótica em que o alto programa conta menos do que a alta do petróleo, já se sabe (mas não lhes digam nada).
Sobram uns maduros sem filhos, sem teses e sem partidos, mas a quem o tempo foge, ao que parece, porque têm um emprego.
De modo que o Cachimbo, entregue a irresponsáveis com tempo a mais, decidiu parar.
Até Setembro.
publicado por Pedro Picoito às 22:05 | comentar | ver comentários (23) | partilhar

Cachimbos de lá

Francis Hamel, Retrato de Arthur Sclater (1995)
publicado por Pedro Picoito às 22:03 | comentar | ver comentários (1) | partilhar

Juros para que te quero

Com o Euro a fazer 10 anos, a Comissão Europeia tem publicado um conjunto interessante de documentos em forma de balanço. Destacava este EMU@10, sobretudo o subcapítulo onde se faz a comparação directa entre os comportamentos de Espanha ("growing strongly") e Portugal ("protracted slump").

Um dos dados mais relevantes é o relacionado com o ritmo de expansão de crédito e com a tipologia de utilização. No final dos anos 90 crescia a cerca de 30% em Portugal e 20% em Espanha, mas o que impressiona é a utilização concreta deste crédito: em Portugal, a grande fatia relacionou-se com a habitação particular (compra, obras, recheio, etc), em Espanha a utilização deste crédito dividiu-se em mais ou menos igual parte entre a habitação e o sector empresarial para fins diversos. Só este dado faz lançar as mãos à cabeça, mas o pior é que há bem mais.

Se as taxas de conversão de entrada foram distinta (Espanha com maior desvalorização, 30% vs 12%), elas não explicam por si só as diferenças de performance a que temos assistido recentemente. A política fiscal, os mercados laborais e enquadramento institucional e alguns ajustamentos estruturais parecem explicar o resto segundo a CE.

Na política fiscal, António Guterres, o seu governo e a sua política orçamental pró-cíclica entram em mais um dos muitíssimos documentos internacionais onde se explica o que não se deve fazer. O modelo de organizativo orçamental e as competências do Ministro das Finanças em Portugal são também criticadas por ineficientes, pouco transparentes e incapazes de produzir planeamento e controle adequado.

O mercado de trabalho é outro ponto em que só não levamos as mãos à cabeça porque já as temos lá por razões alí de cima. As reformas diversas feitas em Espanha desde o final da década de 80 e o aumento da força de trabalho fazem com que o trabalho contribua mais para o produto em Espanha do que em Portugal (3% vs 0,75%). E os salários? Em Espanha crescem abaixo do crescimento da produtividade, em Portugal, medindo salários reais por unidade de output, crescem acima da média europeia, deteriorando a competitividade. Bonito, mas as más notícias continuam: Portugal é mais susceptível a choques externos, e o padrão algo rudimentar de uma parte da nossa economia sofre com a emergência da China e da Índia, com as estatísticas do Norte do país a confirmarem-no.

Conclusão? Não vale a pena resumir ou traduzir: "Overall, a closer look at the Spanish and Portuguese cases confirms that implementing right economic policies is paramount for a successful catching up. The successful fiscal consolidation, underpinned by solid fiscal institutions and continuous improvements in the regulatory framework of labour and product markets in Spain contrast sharply with procyclical policies, high deficit biases and worse regulatory frameworks in Portugal."

Não será má ideia relembrar que este diagnóstico é actual, o que atesta que nada de estruturante mudou nestes últimos 3 anos de desperdício de condições políticas tão favoráveis: maioria absoluta, Presidente da República cooperante em mudanças que atacassem este diagnóstico e maior partido da oposição em potencial concordância face a várias destas medidas. José Sócrates consegue uma coisa fantástica, que é não aproveitar nada disto. No final do dia, nestes relatórios sem jogging, sem centrais de comunicação, sem benção escolhida do Ministro Pinho a uma qualquer empresa em prol de outras, ou sem entrega de mais um laptop (que ficaria mais barato comprado no eBay), sobram os números e a desperdiçada oportunidade histórica de repetir o que Cavaco fez há mais de 20 anos atrás: reformar, modernizar e colocar um país a crescer e convergir.
publicado por Manuel Pinheiro às 22:02 | comentar | partilhar

O Cachimbo

Nos últimos dois anos passámos bons momentos. Tivemos os nossos momentos de glória, mas também uns reveses aqui e ali. Fizemos amigos por toda a parte, mas não conseguimos evitar a raiva e a irritação de outros. Por aqui passou uma boa dose de controvérsias, assim como de manifestações de apoio. À esquerda e à direita, discutimos, citámos e polemizámos. Fomos elogiados, insultados e ridicularizados. Fomos lidos à distância por leitores silenciosos, e tivemos um grupo apreciável de leitores fiéis e activos.
Aqui escreveram amigos, conhecidos e outros que nem cheguei a conhecer. Tudo boa gente. Para aqui vim com amigos (o Paulo, o Bruno, o Hugo, o Henrique, o Fernando), e aqui fiz amigos (o Pedro, o Manuel, o Francisco, o Filipe, o Luís). Como decerto não passou despercebido aos leitores mais atentos, também tivemos as nossas desavenças e mal-entendidos. Faz parte. Deixa cicatrizes. Mas a vida continua. E a reconciliação está logo ali, depois daquela esquina.
Não precisamos de fingir modéstia. Praticamente desde o início, o Cachimbo ocupou um lugar muito próprio na blogosfera, e só com muita má-vontade se poderá dizer que não deixará saudades. Não duvido que haja por aí quem diga que não se esquecerá tão cedo da transferência da águia benfiquista para o Arsenal, ou da relação difícil da jornalista Câncio com a verdade histórica da Primeira República, ou de uma certa carta aberta de um polígamo, ou das 10 razões para preferir Ribeiro e Castro, ou de como o direito ao aborto pode ser visto como uma concessão inconsciente à opressão da discipina social, ou da reconstrução da Antikythera, ou das críticas devastadoras à actual política de educação, de por que é que a ideia socialista do "divórcio na hora" deve muitas explicações aos mais vulneráveis, ou do facto de eu e do Manuel gostarmos de uma onda musical que ganhou força nos loucos anos 80. Há coisas que ficam e há coisas que passam. O Cachimbo enventualmente também passará. Afinal, isto nem era bem um Cachimbo...
P.S. Falei de amigos, e por isso a posta não estaria completa sem mencionar o nome de outros dois grandes bloggers cuja colaboração muito me honrou, bem como ao Cachimbo. Refiro-me ao Paulo Gorjão e ao Nuno Lobo. Suspeito que também eles vão "andar por aí".
publicado por Miguel Morgado às 22:02 | comentar | ver comentários (3) | partilhar

Cachimbos de lá


Mário Eloy, Auto-retrato (1939)
publicado por Pedro Picoito às 22:02 | comentar | partilhar

Cachimbos de lá

Vincent Van Gogh, Auto-retrato com orelha enfaixada e cachimbo (1889)


publicado por Pedro Picoito às 21:52 | comentar | partilhar

Para uma leitura cristã de Ruy Belo

[Este post é o esboço de um artigo que iria sair na Atlântico pelo trigésimo aniversário da morte de Ruy Belo, a 8 de Agosto. Comecei a escrevê-lo há muitos meses. Entretanto, a Atlântico acabou e o artigo, que tinha a excessiva ambição de rever toda a poesia de Ruy Belo, ficou-se pelas suas primeiras obras. Publico-o mesmo assim. É talvez o meu penúltimo post no Cachimbo, que vai fazer uma longa pausa. Agrada-me que seja sobre um poeta, um dos meus dilectos, e sobre a misteriosa alquimia da fé. Agrada-me que recorde a Atlântico, uma revista que em que investi tempo e esperança. E agrada-me dedicá-lo ao Filipe Nunes Vicente e ao Luís M. Jorge, dois leitores de Ruy Belo que conheci na blogosfera, pedindo a sua e a vossa caridade.]


1.

Uma leitura cristã de Ruy Belo. Ou, por outras palavras, a convicção de que a poesia de Ruy Belo só pode ser plenamente compreendida à luz do cristianismo. Depois de várias reedições deste poeta nos últimos anos, talvez tenha chegado a altura de olhar para a relação estreita e, apesar disso (ou talvez por isso), difícil que uniu a sua biografia à sua literatura. Não porque outros não o tenham feito, mas porque muitas vezes se considera o cristianismo de Ruy Belo um pecado de juventude, algo de residual, qualquer coisa com que ele cortou definitivamente por volta dos trinta anos e só continuou a influenciá-lo no plano formal.
A tese que vou defender é diferente. Mesmo depois de uma prolongada crise de fé e de ter abandonado a Igreja, pode dizer-se que a arte de Ruy Belo continuou a ser inspirada não só por uma temática essencialmente cristã, mas, mais do que isso, por uma perspectiva fundamentalmente religiosa. Não só as perguntas continuam a ser as de antes, como as respostas se aproximam, talvez mais do que seria de esperar, de um universo de coordenadas transcendentes: Deus, o destino, o pecado, a salvação, a morte.

2.

O percurso biográfico de Ruy Belo, no que aqui interessa, é conhecido. Nascido em 1933, licenciou-se em Direito em Lisboa e pertenceu ao Opus Dei entre os 18 e os 28 anos de idade, vindo mais tarde a abandonar aquela instituição e a entrar em ruptura com o catolicismo. Entretanto, concluía uma tese de Direito Canónico em Roma, onde viveu - de1956 a 1958 - uma época que o viria a marcar profundamente, e publica Aquele Grande Rio Eufrates em 1961, “saindo para a rua e para o dia-a-dia com este punhado de poemas (…) no termo de dez anos de uma aventura mística”, como diria ao prefaciar a segunda edição deste livro. A sua obra começa, portanto, num clima de crise religiosa e de ruptura interior que não mais deixará de impregnar tudo o que escreve.
Isso é nítido, aliás, na escolha do próprio título de estreia, uma citação directa do Apocalipse de S.João (XVI,12), que recorda o período de provação a que serão submetidos os crentes no fim do mundo. Embora a exegese actual faça uma leitura diferente do texto bíblico, não há dúvida de que, em Ruy Belo, se entrechocam uma sede profunda de sentido que só Deus parece dar e a dificuldade, mais tarde a recusa, em acreditar nesse Deus que parece ausente. Esta contradição dilacerante irá persegui-lo até ao fim, levando João Miguel Fernandes Jorge, no prefácio ao seu último livro (Despeço-me da Terra da Alegria, título premonitório), a dizer que “toda a poesia de Ruy Belo circula entre Deus e a Morte, temas centrais e obsessivos (…) mesmo quando aparentemente deles permanece afastado.”
Porquê a Morte (com maiúscula)? Porque, abatida a evidência de Deus, a evidência da morte e da fragilidade dos seres torna-se, para o poeta, a fonte do sentido de tudo. Ou a interrogação sobre o sentido de tudo. “Por que diabo hei-de ser eu mais imortal que essa onda entrevista no Outono, no mar de Cascais?”, perguntava-se, em lembrança autobiográfica, no já citado prefácio de Aquele Grande Rio Eufrates. Lembrança autobiográfica que inspira, com o sugestivo título “Para a dedicação de um homem”, o primeiríssimo poema desta obra: “Terrível é o homem em quem o senhor/ desmaiou o olhar furtivo de searas/ ou reclinou a cabeça/ ou aquele disposto a virar decisivamente a esquina/ Não há conspiração de folhas que recolha/ a sua despedida. Nem ombro para o seu ombro/ quando caminha pela tarde acima/ A morte é a grande palavra desse homem/ não há outra que o diga a ele próprio/ é terrível ter o destino/ da onda anónima morta na praia.”
Os motivos dinamizadores da sua poesia futura estão aqui presentes. O peso da ausência de Deus - não um Deus abstracto, mas a pessoa de Cristo, com se infere das transparentes alusões evangélicas à “cabeça reclinada” e ao “olhar furtivo de searas” - acompanha a “despedida” e o “virar decisivamente a esquina” do homem que se afasta, selando o seu “terrível destino” com o anonimato da onda que dá à praia e fazendo da morte “a grande palavra desse homem”.
A omnipresença da morte será, em maior ou menor medida, quase asfixiante no resto da obra do poeta. Em Aquele Grande Rio Eufrates é ainda uma morte que admite redenção, apesar dessa “solidão medonha, fundamental, a solidão dos filhos de Deus” (dirá Ruy Belo, em epígrafe, com uma frase de Bernanos) que acompanha o destino humano. Como escreveu em “Homem para Deus”, mais um poema em que o título diz tudo e em que literatura e autobiografia parecem confundir-se: “Ele vai só ele não tem ninguém/ onde morrer um pouco toda a morte que o espera/ (…) O que deus terá visto nele para morrer por ele?”
É certo que esta redenção espera mais da palavra humana e da poesia do que Deus: “Está sereno o poeta/ (…) Não pertencem ao dia os gestos que ele tem/ não morrerão na noite seus assombrosos passos” (“Poema quase apostólico”). É certo que a noção de decadência, que Ruy Belo explorará mais tarde num sentido histórico-cultural, se exprime aqui, com grande propriedade etimológica, no duplo sentido de uma existência cada vez mais próxima da obsessiva morte física e espiritual (“cada dia mais morte que morte/ haverá para nós no fim dos dias?”). Mas em tudo isto há ainda sinais da presença de Deus, “Vestigia Dei” - para citar o título de outro poema de Aquele Grande Rio Eufrates. Ainda se pode dizer que “o senhor deus é espectador desse homem”, imagem amplificada em “Composição de lugar”: “Eu sei que só tu sabes o meu nome/ tentar sabê-lo foi afinal o único/ esforço importante da minha vida/ sinto-me olhado e não tenho mais ser/ que ser visto por ti. Há no meu ombro lugar/ para o teu cansaço e a minha altura é para ser medida/ palmo a palmo pela tua mão ferida.” Ainda que o poeta pergunte “Não achas meu senhor que temos braços a mais/ dias a mais complicações a mais?/ para nascer e morrer seria necessário tanto?”, a resposta surgiu já um pouco antes: “Não assistisses tu a esta nossa vida/ caíssem-nos os gestos ou quebrados ou dispersos/ e nenhum rosto decisivo fecharia/ todas as palavras com que dissemos os versos”.
No entanto, esta “teoria da presença de Deus” (“somos seres olhados”, repete) não chega para alimentar uma relação suficientemente próxima com Ele. “Somos a grande ilha do silêncio de deus”, exclama, e “é esta a grande humildade a pequena/ e pobre grandeza do homem”. O poeta que fala, sempre a pretexto da morte, no “grande olhar de deus” que seria a eternidade, nunca deixou de se sentir “um fugitivo brilho no olhar de deus/ a vida havia de lho lembrar muitas vezes”. O que motiva a interrogação, menos reverente mas muito mais angustiada, de “Maran Atha” (“Vem, Senhor Jesus!”, as últimas palavras do Apocalipse, grito de esperança na vinda de Cristo no fim dos tempos): “Eu que te vi e revi descer solene/ como um raio sobre o meu destino/ que te dei um lugar mais definitivo/ em minha boca do que a folha de outono/ teve na calçada/ quando de vez vieres que será de mim?/ E tenho a ousadia de morder-te/ à superfície do dia. Tu bem sabes/ que catedral de esperança te reservo/ Talvez já amanhã nos não saudemos sob as árvores/ e venhas sobre as nuvens/ sobre o coração sobre a morte sobre mim.”
Essa interrogação terá um eco dramático em “Quirógrafo” (“Tão vasta como o mar a nossa dor/ alguém nos poupará de nela naufragar?”), e aquela que será a mais lógica resposta num pedido de perdão que o poeta intitulou significativamente de “Última vontade”: “Perdoa se algum dia/ errámos com o coração/ Não nos deixes morrer longe de Jerusalém”. Nesta altura, os tais vestigia Dei que Ruy Belo descobriria na sua vida proporcionavam ainda uma certa nota de optimismo à sua poesia. As coisas mudarão, mas ele ainda pode reencenar essa portentosa alusão ao choro de Cristo sobre Jerusalém: “Que importa que morramos se a tarde é de sol/ e o céu se abre às lágrimas/ que sobre a cidade choras/ (…) Que importa que morramos se o passado está certo/ se voltas para nós a mágoa que te molha a face/ de virmos de tão longe tendo-te tão perto?” (“Jerusalém Jerusalém… ou Alto da Serafina”).

3.

É neste contexto que surge, apenas um ano depois, O Problema da Habitação.Alguns Aspectos (1962). Onde habitar, se já não há morada? Onde encontrar abrigo, calor, um ponto de referência e um fim do caminho – as funções de uma casa, afinal – se Deus não existe? O poeta sente-se deslocado, desgarrado, “estrangeiro atrás da face pelo tempo atribuída” (“Imaginatio locorum”). Para ele “não há tempo ou espaço onde habitar”, como repetirá diversas vezes ao longo desta obra.
Será certamente por isso que a dedica “ao nómada amigo do Ruy Cinatti”, como que procurando algum refúgio no Livro do Nómada Meu Amigo desse outro autor em cuja vida e poesia se manifesta tão intensamente a condição itinerante do homem. Mas, influências à parte – e sendo certo que, a dada altura, Cinatti teve uma grande influência sobre Belo -, há relativamente pouco de comum entre os dois Ruys: um vive a viagem física como libertação do mesquinho quotidiano pátrio; o outro sofre a migração espiritual como desenraizamento inquietante e opressivo. O primeiro viaja a sua presença pelo vasto e estranho mundo; ao segundo paralisa-o a ausência do vasto e estranho Deus.
Uma ausência que tenta combater procurando na infância um tempo mais feliz, o tempo da alegria e da inocência: “Talvez eu espere simplesmente um amigo que de longe venha/ capaz de perseguir uma criança pelas ruas à infância reservadas” (“Haceldama”). Em vão, porém, porque se “outrora vinha Deus e nós dizíamos/ ouve-se o mar/ ou: há na vida ou no quintal ao nosso lado/ crianças a brincar/ agora nenhum gesto nesse alguém começa ou morre.”
O confronto desencantado com a “memória, inimiga mortal do meu descanso” (“Prince Caspian”) torna-se responsável pela impossibilidade de conceder à alma errante algum repouso e um lugar fixo, como se vê em “Quasi flos”. Neste poema, que é também o primeiro de O Problema da Habitação, a inquietude da memória opõe-se à quietude da morte através de duas metáforas contrastantes e da nítida preferência de Ruy Belo: a casa em construção, que está no cerne do próprio título do livro e será repetida com variantes (em “Haceldama”, por exemplo, “aonde a solidão é mais visível/ e a dor perfeitamente navegável a muitas milhas da foz/ e há um grande coração em construção”) e a folha que cai no Outono, já entrevista em Aquele Grande Rio Eufrates – tal como, diga-se de passagem, a associação aparentada, e tão cara à cultura ocidental, entre queda, pecado e castigo.
“A morte é a verdade e a verdade é a morte”, assim começa o poema, tentando talvez, na fatalidade desta máxima repetida em “O último inimigo”, sossegar o coração do seu autor. Mas logo, por entre os interstícios dessa certeza amuralhada, surge a nostalgia da infância e da sua irrecuperável felicidade: “De muito longe vinda, inviável lembrança/ indecisa nas mãos ou consentida/ por alguma impossível infância/ E a alegria é uma casa recém-construída”. O poeta dirige-se então à “folha/ dos álamos nocturnos e antigos visitados pelo vento/ no calmo outono, o dos primeiros frios”, comparando-se implicitamente com ela na sua situação de queda e desamparo: “Sais/ do ângulo dos olhos, acolhes-te ao poema/ como no alto mês de maio a flor imóvel do jacarandá//Não há outro lugar para habitar/ além dessa, talvez nem essa, época do ano/ e uma casa é a coisa mais séria da vida.”
“Imaginatio locorum” trata este tema de um modo semelhante, acrescentando-lhe a ”imaginação dos lugares” anunciada no título. A memória, porém, continua a trabalhar através de uma série de aliterações que projectam a dúvida sobre o sentido do tempo pessoal e histórico no passado tumultuoso, no presente resignado e no futuro desconhecido: “Era uma vez talvez algum país de sinos/ de sons entreouvidos no passado (…) Talvez possa chorar à periferia a beira-mar da minha vida/ talvez seja cantar o último recurso/ Talvez eu espere o mês possível entre abril e maio (…) Talvez além dos montes haja a única cidade/ a do inverno dos pinhais do vento(…) Talvez nos reste uma janela sobre a madrugada/ cingindo o rosto aos mais distantes gestos (…) talvez ainda tenha algumas tias/ talvez eu reconquiste ainda a minha tão perdida aldeia”.
A falta de congruência das metáforas que povoam este mundo implausível (de que “o mês possível entre abril e maio” constitui o melhor exemplo) acentua a dificuldade em compreender o seu sentido por meio da palavra humana e a necessidade de recorrer às paradoxais categorias de tempo e espaço da Revelação divina, mesmo depois de terem sido rejeitadas. É que, tal como o apóstolo João ao escrever o Apocalipse, estamos “em Patmos nessa aldeia ou naquela inesquecível cidadela/ setenta vezes vista blasfemada e admirada/ sempre deserta e sempre povoada/ aonde vale a pena o pôr-do-sol/ e a palavra é mais que nunca provisória.”
O que fica de tudo isto é um desespero confuso, a meio caminho entre a solidão de quem se afastou de Deus, e portanto da felicidade devida e possível à própria natureza, e a quase obrigação de acreditar na Sua oculta presença, “rumor do mar distante”, para alcançar ainda “um pouco da verdade”: “Não temos direito à alegria nem talvez/ ao próximo rumor do mar distante/ Nas margens do Halis talvez habite ainda/ a esperança de que os deuses encham tudo/ o cheiro do jornal a tragédia da música na rua/ o coração fechado à primeira manhã/ as tardes de novembro a dor de folha em folha/ Talvez o persistente trigo esconda um pouco de verdade/ Talvez seja de Deus o nosso tempo/ E a alegria é uma casa demolida”.
A esperança transcendente, apesar da “dor de folha em folha” nas “tardes de novembro”, não desapareceu, pois, da vida do homem. Ela é mesmo associada à poesia (por exemplo, em “Prince Caspian”: “O Deus imóvel só por nossa boca fala/ através de palavras que como água correm/ canta coração justificado/ canta mais um bocado”) e à misteriosa presença do “amigo”, que já encontrámos nas “ruas à infância reservadas” e voltaremos a encontrar de novo, evocando quer o Cântico dos Cânticos (“um verdadeiro amigo repovoa uma cidade/ um templo o coração o último jardim”) quer a perdida intimidade com Cristo que se conhece na oração vocal ou na comunhão eucarística (“a tua face, ó meu amigo, é alta como as coisas que se perdem/ e demoramos nela os nossos melhores olhos/ Aonde estás, Emmanuel, aonde?/ Eu tive-te na boca e não te conhecia/ e desejava ter aquilo que mais tinha”).
O saldo final continua a ser, contudo, de fracaso e desalento. Fracasso porque Deus, que é verdade e eternidade, se esconde atrás das dúvidas da alma que o procura e da fugacidade deste mundo frágil, deixando o problema da habitação por resolver. O poeta, dirigindo-se a si próprio ou a um interlocutor imaginário, reconhece, desanimado e em variante da fórmula já conhecida: “Em que outros novos olhos passageiros/ brilharás,/ ó clandestino seguidor de Deus?/ Por amor deste século cantar/ Não há mais folha ou casa ou alegria onde habitar” (“No túmulo de Sardanapalo”).
Saldo também de desalento, a julgar pela amarga ironia de “A mão no arado”, poema em que Ruy Belo ensaia um tom que virá a estar muito presente em Homem de Palavra(s), ao rememorar a sua vida à luz da frase que Jesus dirige a um discípulo que se recusa a segui-lo (Lucas IX,62: “aquele que, depois de ter posto a mão no arado, olha para trás, não é digno do reino dos Céus”): “Feliz aquele que administra sabiamente/ a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias/ Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará (…) É triste ir pela vida como quem/ regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro/ É triste no outono concluir/ que era o verão a única estação/ Passou o solidário vento e não o conhecemos (…) É muito triste andar por entre Deus ausente// Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente.”
A mesma ironia amarga de quem pergunta “não é tão agradável ser católico/ saber se nos havemos de sentar ou levantar/ quem condenar quem absolver com magnanimidade/ entre quem com que cuidados ratear a culpa pelo mais tímido gesto/ ou como converter à nossa imaculada vida Deus?”, ao mesmo tempo que anota, com uma indiferença não menos amarga, “a nespereira tão intensamente seca num quintal/ e o mar inacessível impossível de saudar/ e não amarmos Cristo de maneira inalterável” (“Rua do Sol a Sant’Ana”).
A ironia e a indiferença aparecem num ambiente já distinto de Aquele Grande Rio Eufrates, porque a esperança se confronta agora com uma vassalagem cada vez mais exclusiva à morte, que é, lembremo-lo, “a verdade” para o poeta: “Volto-me para a morte e chamo como só Deus se chama/ A morte é um vizinho que se ama” (“O último inimigo”).
A morte que nos espreita no quotidiano mais banal, como em “Tempora Nubila”: “Deixa-me cultivar o dia apenas o meu dia/ doméstico modesto ameaçado ajardinado/ e só depois então depois morrer/ com toda a atenção que o gesto principal requer” (ou mais à frente: “por exemplo morreu/ mais um vizinho meu/ casado e até feliz/ um novo nome inútil na lista telefónica”).
A morte que nos dá a verdadeira dimensão das coisas (“e nós comprámos o jornal já nem o lemos/ porque grande só era a mínima notícia que da morte nos viera”) e até a única e inapelável medida do nosso destino efémero (“O homem é um homem derrotado/ um ser para chorar e nunca assaz chorado/ um ser para cair excessivamente levantado/ (…) É humano nascer/ é humano tombar e apodrecer”). Não é por acaso que o último poema do livro, “Figura jacente”, é um epitáfio em que o Ruy Belo relaciona mais uma vez a morte reveladora da sua autêntica -se bem que modesta- natureza com a sempre perseguida proximidade de Deus: “Meu rosto nasce desta condição horizontal/ de quem tem a cobri-lo todo o seu cansaço/ Deus teve para mim morte mais rasa/ do que a morte que o sol encontra entre as águas/ Desfez-se a curva última da estrada/ nada ficou após meus gastos passos”.
Ao chegar ao fim do caminho, em definitivo com a morte e em parte com estas palavras, Deus, apesar de “tão acessível como o mar nas praias”, deixa-lhe ainda um funesto testamento identitário na derradeira frase (”Tu és cada vez mais aquilo que tu és”). Um testamento, mas não uma morada. Um testamento, mas não qualquer riqueza. Os tempos adivinhavam-se sombrios.






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Cachimbos de lá



Pablo Picasso, Homem Com Cachimbo (1969)
publicado por Pedro Picoito às 21:08 | comentar | partilhar

O leopardo cor-de-rosa

Há tempos, a convite do Rui Castro e do 31 da Armada, escrevi um post sobre o Ministro da Cultura com o título supra. Queria eu dizer que António Pinto Ribeiro é o Príncipe de Salinas do Governo socialista: vai mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma. Passados alguns meses, devo reconhecer que em parte me enganei. Na Ajuda tem-se mudado muito, como o Público ontem notava. E para melhor, porque Isabel Pires de Lima foi uma péssima ministra.
Vejamos as mudanças de António Pinto Ribeiro.
Já se sabia, desde a audição parlamentar de 19 de Março (o seu primeiro acto público ministerial), que defende fervorosamente o Acordo Ortográfico e elegeu a língua como prioridade política. Volta a dizê-lo na entrevista ao Expresso de Sábado. É uma diferença assinalável em relação a Isabel Pires de Lima, que tinha sugerido uma moratória ao Acordo Ortográfico.
Pinto Ribeiro tem também feito por afundar discretamente alguns dos couraçados da anterior armada. Não renovou o protocolo com o Hermitage, poupando-nos a uma segunda exposição milionária dos restos do Museu de Sampetersburgo. Criticou mais de uma vez a fusão entre o São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado vulgarmente conhecida por OPART, dando a entender que tenciona abandonar o modelo (resta saber quando). E adiou para data e local indeterminados a construção do Museu Mar da Língua, um dos encargos mais temíveis da gerência finda, o que coloca em risco a sua viabilidade por falta de fundos europeus - não sei se de propósito, mas ainda bem.
A concretizar-se a demissão de Carlos Fragateiro, que tem tido uma gestão do D. Maria II no mínimo discutível e que os jornais asseguram estar por dias, é mais uma escolha directa de Isabel Pires de Lima que se põe em causa.
Mas a maior ruptura com o statu quo ante está na mudança da política de subsídios à criação. Além de ter alterado as regras através do novo Director-Geral das Artes, Jorge Barreto Xavier, no sentido de haver mais transparência e menos arbitrariedade nos concursos, Pinto Ribeiro disse no Expresso que "o Ministério da Cultura deve avalizar e contratualizar, em vez de criar uma rede de subsidiodependentes". Falta pôr isto em prática, claro, mas o conceito é uma pequena revolução na política cultural à esquerda. Até estranho o silêncio com que foi recebido no meio, sempre tão vocal. Está tudo a banhos?
Contas feitas, e não sei se por falta de dinheiro ou por convicção ideológica, este é talvez o Ministro da Cultura mais "liberal" dos últimos tempos. Mas só até certo ponto: não passa de intervencionismo disfarçado a ideia, que confidencia ao Expresso, de contrair empréstimos na banca para financiar jovens criadores (subsídios, portanto) com base na avaliação do seu "potencial" pelo Ministério.
Avaliar o "potencial" de um artista? Não, Sr. Ministro... Sabe tão bem como eu que avaliar a produção artística é o nó górdio de de qualquer política de subsídios. Se é assim para a produção, imagine para o "potencial". A esquerda pode ter ido a banhos, mas aqui a direita não dorme.
publicado por Pedro Picoito às 17:25 | comentar | ver comentários (2) | partilhar

Cachimbos de lá


Bob Neville, Fumando e Pensando (1965)
publicado por Pedro Picoito às 17:11 | comentar | partilhar
Segunda-feira, 14.07.08

Bronislaw Geremek (1932-2007)

Morreu Bronislaw Geremek. E, com ele, são décadas de história que parecem afastar-se. Poucas biografias reflectirão tão de perto os dramáticos acontecimentos que marcaram a Europa no último meio século. Judeu, nascido em Varsóvia em 1932, escapa a Auschwitz graças à protecção de uma família católica. Como tantos outros para quem a vitória do Exército Vermelho equivale à derrota de Hitler, de ambos os lados da Cortina de Ferro, filia-se no Partido Comunista muito jovem. O compromisso político, que atravessa toda a sua vida, influencia também a escolha da carreira profissional e científica. Depois de uma curta passagem pela economia e pela sociologia (que viria a classificar de "enfadonha", aquela, e "demasiado teórica", esta), opta pela história para "compreender o mundo". Curiosamente, a história engagé dá-lhe a primeira de várias desilusões que o obrigarão a trocar de camisola. A princípio inclinado para a história contemporânea, apresenta num seminário a tese de que o Manifesto Comunista não passa de uma cedência de Marx ao anarquismo de Proudhon. Está-se em 1950, numa universidade onde o marxismo constitui ortodoxia reinante. A reacção gélida dos professores mostra-lhe que, se quer pensar pela própria cabeça, talvez seja melhor entregar-se a outras curiosidades. Muda para a Idade Média sem abandonar o marxismo, o que o leva a um objecto de investigação pioneiro: os pobres e os marginais na sociedade medieval ("o meu proletariado", confessa mais tarde). Dos muitos anos de trabalho sobre este tema resultarão várias obras, entre as quais A Piedade e a Forca. História da Miséria e da Caridade na Europa, bela síntese traduzida entre nós pela Terramar.
Entre 1956 e 1958, frequenta a École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, onde conhece Braudel, Le Goff, Furet e outros representantes da prestigiadíssima historiografia francesa, à qual esteve sempre ligado. A amizade com Duby virá depois, nos anos 60, como nos contam ambos em Paixões Comuns, livro-entrevista datado de 1992 (1993 em Portugal, pela Asa). Conhecedor em primeira mão dos debates ideológicos que à época agitam o Ocidente, em 1968 rompe com o comunismo, protestando contra a invasão soviética da Checoslováquia e o fim brutal da Primavera de Praga. A sua reputação internacional tê-lo-á poupado a maiores dissabores.
Nos anos seguintes, com Adam Michnik, ganha o estatuto de dissidente público do regime polaco. Chega a fundar um embrião de universidade não estatal que, proibida, passa a funcionar clandestinamente em casas particulares. Em 1980, torna-se conselheiro do sindicalista Lech Walesa nas épicas greves de Gdansk, às quais vem juntar-se, de Varsóvia, com Tadeuzs Mazowiecki. O episódio é celebérrimo e o Público de hoje recorda-o em editorial. A aliança entre operários e intelectuais, que paradoxalmente confirma o marxismo-leninismo no sentido mais imprevisto, faz do Solidariedade uma máquina de liberdade. Junte-se a isto a pressão externa de um Papa polaco, outra improbabilidade histórica, e de um presidente americano com pouca fé em improbabilidades históricas, um tal de Reagan, e vemos que o Muro de Berlim começou a ruir nas margens do Báltico por esses dias.
Embora ninguém o adivinhasse ainda e a repressão seja violenta. É decretada a lei marcial, o Solidariedade é dissolvido, centenas de activistas são presos e o próprio Geremek conhece finalmente as prisões da ditadura. Mas, em 1989, perante a falência política do sistema, a gravíssima crise económica, um inquilino chamado Gorbachov no Kremlin e a surpresa do mundo inteiro, o Governo convoca estes homens para uma ronda de negociações de que resultam as primeiras eleições livres do mundo comunista. Geremek está lá e é um dos protagonistas do acordo histórico. As eleições dão uma vitória esmagadora à oposição democrática. Mazowiecki é designado Primeiro-Ministro e Geremek líder parlamentar da maioria. Há quem diga que a Polónia ainda não estava preparada para um chefe de Governo não católico e ex-marxista...
Ocupa o lugar durante um ano. Com o fim do Solidariedade e o início do sistema partidário, funda a União Democrática e, a seguir, a União da Liberdade, uma coligação com os liberais. Em 1997, por este partido, ascende a Ministro dos Negócios Estrangeiros, cargo em que põe o velho talento de negociador ao serviço de uma nova transição: a entrada da Polónia na NATO e na União Europeia. Cumprido o desígnio nacional, é eleito eurodeputado. Poliglota, uma trivialidade entre os compatriotas, e europeísta convicto, uma raridade entre os compatriotas, Estrasburgo surge como a sua vocação natural. Mas a história, que o persegue, nem aí lhe dá descanso. A eleição para a Presidência da República e para o Governo dos gémeos Kaczinsky, arautos de uma direita sombria, mergulha a Polónia num ajuste de contas com o passado de que a "lei da lustração" é o instrumento oficial. Nem Walesa escapa ao labéu, sempre negado, de ter sido informador do regime comunista. Geremek, porém, recusa fazer o depoimento exigido, argumentando que nenhuma democracia pode impor a obediência a uma lei injusta.
Antígona no século XXI.
Morre em tempos incertos e a sua voz lúcida vai fazer-nos falta.
Pormenor simpático: Antígona fumava cachimbo.
publicado por Pedro Picoito às 15:58 | comentar | ver comentários (2) | partilhar
Sábado, 12.07.08

Correio-Expresso: Um ano de lei do aborto

O Expresso traz hoje uma reportagem sobre o aborto, um ano depois da mudança da lei.
Há factos curiosos, embora pouco surpreendentes. O número de abortos legais ronda os 14 mil, menos do que alguns previam. Cerca de um terço foram efectuados no sector privado. A mediática Clínica dos Arcos fez metade do total na Região de Lisboa e Vale do Tejo (3614). Por razões que Adam Smith e a generosidade do Estado explicam, as ditas clínicas privadas optaram em regra pelo método mais caro - a cirurgia com anestesia geral. Os hospitais públicos, pelo contrário, preferiram quase sempre o uso de medicamentos.
Em suma, o mercado do aborto legal é "um negócio florescente", como o Expresso reconhece.
Mesmo assim, o aborto clandestino, que continua obviamente a existir, pratica preços mais altos. A bem do anonimato. Ou de quem quer abortar para lá das dez semanas. Francisco George, Director-Geral da Saúde, revela ao Público que "as infecções e a perfuração de órgãos associadas ao aborto clandestino diminuíram em mais de metade" e que este se tornou "residual". A notícia é bem-vinda, mas duvido que "residual" seja a palavra certa para a acompanhar. Quando se discutir outra vez a lei (deixem passar uns anos), voltaremos a ouvir números nada residuais.
A realidade tem esta bizarria de não ceder facilmente às boas intenções.
publicado por Pedro Picoito às 21:49 | comentar | ver comentários (7) | partilhar

O Público Errou

Como bons cachimbadores, aqui nesta casa tem-se imenso cuidado nas substâncias psicotrópicas que se colocam no cachimbo, de forma a impedir que sejam produzidos textos como o que "O Público" nos atribui aqui:

"Sócrates é bom
http://cachimbodemagritte.blogspot.com/
Não vale a pena "descobrir" palhaçadas e outras coisas afins. Ontem Sócrates foi, como sempre, bom, convincente, encostou o PSD às cordas, com um aflito Rangel que não sabia onde havia de se meter, e ainda foi ajudado, já no fim do debate, por uma extraordinária intervenção de Vera Jardim.Saiu-lhe a sorte grande
"
publicado por Manuel Pinheiro às 14:07 | comentar | ver comentários (7) | partilhar
Sexta-feira, 11.07.08

À espera dos bárbaros



Kavafis, num poema célebre, descreve Roma "à espera dos bárbaros". Os senadores aguardam no Senado e não fazem leis, o Imperador senta-se no trono para receber os inimigos, os cidadãos ansiosos juntam-se no forum, toda a cidade pára porque "vêm aí os bárbaros".

Mas o dia passa e os bárbaros nunca aparecem.

À noite, alguns viandantes chegados da fronteira dizem que os bárbaros afinal não vêm porque já não existem. E os romanos voltam a suas casas, desiludidos, murmurando que os bárbaros "sempre eram uma solução".

Ontem, Paulo Rangel, o líder parlamentar escolhido por Manuela Ferreira Leite, acusou os socialistas de "dirigismo" e de quererem "comandar a economia por impulso superior do Governo".

E agora?
Que farão os que criticam o PSD por ser uma variante do Bloco Central? E os que vêem o socialismo em todo o lado? E aqueles, de vistas ainda mais largas, que atribuem à direita a exacta dimensão do próprio umbigo?
De que falarão os liberais com azia pós-directas? E os que têm falta de assunto?

A Manuela-Leviathan sempre era uma solução.
publicado por Pedro Picoito às 14:43 | comentar | ver comentários (8) | partilhar

Menezes back to business

Menezes voltou àquilo que faz melhor: minar o seu Partido na oposição e colocar-se objectivamente(?) ao lado do Governo de Sócrates. Não se sabe se é o seu desvario de plástico ou se são pressões do betão... Seja como for, estes acessos recorrentes só me fazem pensar na fábula do escorpião e da rã. É a sua natureza.
publicado por Carlos Botelho às 13:48 | comentar | ver comentários (4) | partilhar

Bombar o medo

Caros amigos,
Desculpem a interrupção.

Mas vim a correr dizer-vos um segredo.

Certo, não é bem um segredo. Não se pode guardar.
Soube por estes dias que anda para aí uma bomba. E desta vez não. Não é o aumento do petróleo, nem dos cereais, nem da catástrofe que abre os jornais. Mas que é uma bomba, lá isso é.

Só para saberem: o Bin Laden é um menino ao lado do que p’raí vai.

A coisa vem pela mão da Assírio e Alvim. E são os Diários da Etty Hillesum, entre 1941 e 1943. Se puderem, não deixem de bombar.
PS - Obrigado ao João Benard da Costa, cuja coluna no Público me chamou a atenção para «o que se estava a passar».
publicado por Filipe Anacoreta Correia às 13:38 | comentar | partilhar

Mais ou menos por estes dias,

Há um ano atrás a minha curiosidade tecnológica trouxe-me via eBay um iPhone. Durante aproximadamente 3 dias experimentei tudo o que havia para experimentar menos fazer chamadas e mandar sms's (ainda não era possível desbloquear o telefone para Inglaterra). Conclusão? Easy come, easy go, e despachado pelo mesmo veículo o mais inútil brinquedo tecnológico que tive nas mãos desde há muitos, muitos anos. Quem viva na europa, esteja habituado aos telemóveis que circulam por aí regularmente e, sobretudo, necessite do telemóvel como um instrumento de trabalho o melhor é ler muito muito bem acerca das funcionalidades do telefone e comparar com a concorrência antes de tomar uma decisão de compra. Percebo o impacto que o iPhone possa ter nalguns teenagers e nalguns sectores do mercado americano que utilizam telemóveis parecidos com os da idade da pedra. Fora disto, e excluindo o marketing, não há nada mesmo no próprio software/interface do iPhone que seja interessante ao ponto de motivar uma compra, até porque mesmo quem prefira o estilo de menus e navegação iPhone pode muito bem ir a um de muitos websites com software grátis para telemóveis e instalar tranquilamente, mudando o interface gráfico com o qual se relaciona. E nem vale a pena entrar nas especificações mais técnicas acerca da imensidão de coisas que o telefone escandalosamente não tem, é melhor poupar os detalhes técnicos, mas aviso já que nos EUA, pelo menos desde 2007, existem imensos analistas a aconselhar a Apple a desligar-se do projecto iPhone. Por cá, fazem-se filas. É a vida.
publicado por Manuel Pinheiro às 12:40 | comentar | ver comentários (1) | partilhar

Cachimbos de lá

Paul Cézanne, Os jogadores de cartas (1892)

publicado por Pedro Picoito às 11:59 | comentar | ver comentários (2) | partilhar

E se o PSD ganha em 2009? (III)

Até agora, o novo PSD tem feito uma oposição que consiste em aplicar o merecido pau de marmeleiro ao lombo do Governo. Era urgente, era necessário, mas há que ir mais longe. Um partido de poder deve estar preparado para governar a qualquer momento. O PSD de Santana Lopes não estava e o de Menezes também não, como o próprio admitiu num tocante momento de franqueza.
Ou seja, o PSD tem que apresentar um programa alternativo. Não basta o pau, falta a cenoura.
Manuela Ferreira Leite sabe-o bem. Por isso impôs na liderança parlamentar alguém que pensa, apesar dos anticorpos entre os santanistas, e reactivou o Gabinete de Estudos e o Instituto Sá Carneiro, obviamente moribundos durante o menezismo. Uma vez que será António Borges a fazer a ponte entre um think tank social-democrata e a Comissão Política, esperam-se novidades nos próximos meses.
publicado por Pedro Picoito às 11:56 | comentar | ver comentários (3) | partilhar

Cachimbos

O Cachimbo de Magritte é um blogue de comentário político. Ocasionalmente, trata também de coisas sérias. Sabe que a realidade nem sempre é o que parece. Não tem uma ideologia e desconfia de ideologias. Prefere Burke à burqa e Aron aos arianos. Acredita que Portugal é uma teimosia viável e o 11 de Setembro uma vasta conspiração para Mário Soares aparecer na RTP. Não quer o poder, mas já está por tudo. Fuma-se devagar e, ao contrário do que diz o Estado, não provoca impotência.

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