Tendo em conta o que disse atrás, vale a pena fazer três perguntas sobre o criacionismo de Sarah Palin e os seus alegados esforços para que o criacionismo seja ensinado nas escolas do Alasca. (Utilizo o adjectivo "alegados" porque alguma da informação que circula sobre a senhora é de tal modo absurda que, nas últimas semanas, adquiri o hábito da dúvida metódica.)
1. A primeira pergunta é se o criacionismo literal ou o até o
intellligent design podem ser ensinados nas escolas públicas como uma alternativa científica ao evolucionismo.
Não, e por uma razão simples.
Tanto a crença na verdade literal da Bíblia como a crença num ser superior devido à perfeição do universo são matéria de fé. Convicções pessoais legítimas e respeitáveis, mas não hipóteses científicas. Se Sarah Palin alguma vez defendeu que o criacionismo fosse ensinado em tais termos aos alunos do Alasca, fez mal.
2. A segunda pergunta leva-nos mais longe. Há versões do evolucionismo que não se limitam a dizer que a ciência explica a origem e a evolução da vida, mas que Deus não existe porque a ciência explica a origem e a evolução da vida. Esta afirmação não é científica porque a existência ou inexistência de Deus não é matéria de ciência, mas de fé (ver ponto 1). Assim como nada prova a existência de Deus (as "provas " da apologética tradicional apenas "provam" que acreditar em Deus é uma hipótese racional), também nada prova a inexistência de Deus. Podemos acreditar ou não acreditar, mas a fé ou a falta de fé resultam sempre de uma decisão pessoal que não se baseia em provas físicas.
A pergunta é, pois, a seguinte: se o evolucionismo assume a posição ideológica de afirmar que Deus não existe e assim é ensinado, os crentes terão o direito de impedir que a escola pública agrida as suas convicções e o fundamento da educação que querem dar aos seus filhos?
A minha resposta é talvez.
Os crentes têm esse direito em nome da liberdade religiosa, têm até o direito de ensinar aos seus filhos que o mundo foi criado em seis dias ou que a beleza da criação prova a existência de Deus, mas não têm o direito de exigir que o ID ou o criacionismo literal sejam ensinados como um facto científico. Dou-lhes, porém, todo o meu apoio se decidirem combater o ensino ideológico do evolucionismo fazendo
lobby sobre
os poderes públicos, incluindo com a ameça legítima de votarem em quem muito bem lhes apetece e não em quem apetece aos prémios Nobel de Stanford e do MIT.
3. Segue-se a terceira pergunta, e a mais importante: pode alguém que acredita no criacionismo e defende que o criacionismo seja ensinado a par do evolucionismo nas escolas, ou pelo menos não se opõe a isso, ser candidato a Vice-Presidente dos Estados Unidos da América?
A minha resposta é sim, mil vezes sim, um milhão de vezes sim. Já deixei claro que compreendo as razões pelas quais alguém é criacionista. Nenhuma dessas razões põe em causa a democracia ou o respeito pelo sistema constitucional americano. Assim sendo, porquê invocar a ciência para combater politicamente quem tem crenças talvez erradas, mas legítimas? É intolerância mal disfarçada ou pura arrogância intelectual. Em qualquer dos casos, não é um argumento.
Admito que a crença na verdade literal da Criação bíblica seja um tanto ou quanto embaraçosa. Mas os políticos tendem a acreditar em coisas estranhas. O Obama, por exemplo, acredita que ninguém nota que ele é negro. O Al Gore acredita no aquecimento global. O Sócrates, até há bem pouco tempo, acreditava ser engenheiro. O Reagan acreditava no fim da União Soviética. O Churchill acreditava na derrota de Hitler. E assim sucessivamente. A democracia é o sistema em que indivíduos como Churchill, Reagan ou Sarah Palin podem vir a governar-nos.
Compreendo que isso não agrade a
Palmira Silva, mas talvez seja pouco democrático passar um atestado de estupidez aos milhões de eleitores que tornam a coisa possível.