Domingo, 31.01.10

"Compromisso histórico"

"Não uma República doutrinária, estupidamente jacobina, mas uma República larga, franca, nacional, onde caibam todos"
Esta frase de Guerra Junqueiro foi recordada ontem por Manuel Alegre e por Cavaco Silva. José Sócrates, mesmo sem citações, discursou na mesma linha.
Trocado por miúdos as comemorações dos 100 anos da Républica estão a servir de pano de fundo para que a Presidência da Républica e o Governo incitem um compromisso entre os partidos no sentido de assegurar a governabilidade, num esforço conjunto e sério para enfrentar o endividamento do Estado.
Concordo que a gravidade do estado das finanças justificam entendimentos extraordinários, e os partidos devem colocar o interesse nacional à frente dos interesses partidários, mesmo que esse esforço implique que viabilizem medidas para além dos seus programas.
O que não deve suceder é que, paralelamente a estes apelos, o PS continue a insistir numa agenda fracturante, "estupidamente jacobina", que divide a sociedade.
publicado por Pedro Pestana Bastos às 23:59 | comentar | ver comentários (4) | partilhar

Aviso


Manuel Alegre diz que não será candidato em nome de nenhum partido, mas sim em nome do país. Uma estratégia inteligente, por três razões: (1) retira o peso sobre a actual indecisão no PS acerca do apoio à sua candidatura, permitindo a Alegre continuar com um pé dentro e outro fora do seu partido; (2) descola a sua candidatura do Bloco de Esquerda, apoio já assumido mas que isolado (i.e. sem o apoio do PS) prejudica mais do que beneficia; (3) afasta-se daquela imagem de ‘candidato das Esquerdas’, que nesta fase é prematura, podendo inclusive assustar os eleitores do centro se usada insistentemente.

O que é que isto nos diz? Que embora estejamos a cerca de um ano das eleições presidenciais, Alegre já está a preparar muito bem a sua candidatura. Fica o aviso para Cavaco Silva e para aqueles que achavam que isto ia ser fácil.
publicado por Alexandre Homem Cristo às 23:30 | comentar | ver comentários (1) | partilhar

No mau sentido

Já que vamos andar o ano todo a celebrar o centenário da Iª República, convinha que ficasse claro se o que celebramos são os valores republicanos em si ou se a Iª República portuguesa como o regime que (supostamente) introduziu esses valores no país. A primeira hipótese ainda faz algum sentido (se com isso tirarmos lições para o presente), mas a segunda nem por isso, dado que a Iª República foi essencialmente uma sucessão de regimes mais ou menos autoritários, quase todos sob o domínio exclusivo do PRP. Nos discursos que ouvi hoje, o de Cavaco e o de Alegre, pareceu-me que a opção foi a pior: celebraram-se os valores republicanos a propósito da Iª República, algo comparável a celebrar a igualdade a propósito da chegada de Estaline ao poder – têm alguma coisa a ver, mas no mau sentido.
publicado por Alexandre Homem Cristo às 21:53 | comentar | ver comentários (2) | partilhar

O Bloco de Esquerda e a retórica neo-nazi - com uma adenda respondendo a Filipe Nunes Vicente

No dia 28 de Janeiro, a Assembleia da República aprovou por unanimidade esta resolução. Os deputados associaram-se, assim, «à comemoração internacional lembrando e homenageando a memória das vítimas que pereceram» no Holocausto, consagrando-lhe o dia 27 de Janeiro, e assumiram «o compromisso de promover a memória e a educação sobre o Holocausto nas escolas e universidades, nas nossas comunidades e outras instituições, para que as gerações futuras possam compreender» as suas «causas» e «reflectir sobre as suas consequências.»

A proposta de resolução foi iniciativa do CDS-PP, e em particular do deputado João Rebelo. Todos os partidos discursaram e apoiaram sem reservas os termos da resolução. Quer dizer, todos, todos, não, exactamente.

Nem por uma vez a bancada do Bloco de Esquerda aplaudiu a apresentação da proposta de resolução, ou os discursos que a defenderam de todos os outros partidos. O Bloco de Esquerda primou pela silêncio, quando a Assembleia manifestava o seu apoio.

Mas não foi só. O deputado José Manuel Pureza falou pelo Bloco. O mínimo que se pode dizer do seu discurso é que foi um discurso cobarde. Na última frase pede que a memória do Holocausto não sirva para escamotear outros Holocaustos, forma (pouco) sibilina de reproduzir um tema tão querido à esquerda radical de hoje, convertida na principal trincheira da promoção do anti-semitismo dos tempos que correm: a obscena comparação entre o Holocausto e «a desgraça palestiniana», no conflito israelo-árabe.

A estratégia é clara: banalizar o Holocausto – a última criação (ou aproveitamento) do Bloco, nesta matéria, foi a cunhagem da inqualificável expressão Holocausto Haitiano –, ao mesmo tempo que, quando se concede a sua singularidade, é para, acto contínuo, imputar às suas vítimas, ou aos seus descendentes, a autoria de actos idênticos, estratégia em que a esquerda do Bloco de Esquerda ou José Saramago estão em perfeita sintonia com o neo-nazismo (cujos sites me escuso de lincar).

Ou o Holocausto não tem nada de especial, nada de particular enquanto tragédia – um Tsunami ou um Terramoto são equivalentes da barbárie hitleriana ou de Pol-Pot –, ou, se tem, os seus promotores vivos são os sobreviventes, ou descendentes, das fábricas de morte que se singularizaram pela designação «Holocausto».

As duas estratégias discursivas fazem, na aparência, curto-circuito. Fá-lo-iam, se de facto não as unisse a mesma motivação - o ódio anti-semita.

Em Portugal, com uma longa história de violenta perseguição anti-judaica, o Bloco de Esquerda sabe, como aconteceu no ano passado, onde se devem fazer as manifestações anti-Israel: no Largo de São Domingos, onde hoje está o memorial das vítimas da Inquisição, por ter sido daquele largo e da igreja que lhe dá o nome que durante séculos saíram tantas procissões para os autos-de-fé, onde se garrotavam e queimavam os criptojudeus.

Inquisidores, nazis, judeus e o Estado de Israel - são a mesma coisa, repetem, incansáveis, o Bloco de Esquerda e os seus aliados da direita neo-nazi. Ou, então, o Holocausto não tem nada de especial. Tudo depende dos dias. O propósito é que não muda.

Aqui está o texto de Irene Flunser Pimentel sobre uma parte da história do Holcausto, Auschwitz.


Mar Salgado - Filipe Nunes
Vicente: Um bom texto mas com um ponto contraditório. O Jorge Costa queixa-se da harendtização (sic) do Mal e depois utiliza o qualificativo "nazi" na descrição da retórica do Bloco.

Caro Filipe Nunes Vicente: não sei o que seja a arendtização do mal. A Banalidade do Mal, um conceito de Hannah Arendt, significa qualquer coisa à qual eu jamais aludi, nem no post que refere, nem noutro qualquer. É uma coisa altamente complexa, supõe primeiro ver o que é o Mal Radical kantiano e a forma como Hannah Arendt o interpreta nas Origens do Totalitarismo, coisa que, até agora, jamais fiz. Refiro-me sim, neste post, e agradeço comentário simpático que lhe fez, a um discurso aparentemente contraditório: o de destituir o Holocausto de qualquer significação relevante e o de atribuir às suas vítimas - ao povo judeu em geral e ao que, hoje, lhe é mais caro, o Estado de Israel - os crimes de que o Holocausto é responsável. Isso tem um nome: retórica neo-nazi. Infelizmente, por uma questão de informação, gasto mais tempo do que a minha saúde mental recomendaria a lê-la na internet. Não lhe sugiro que me siga o passo, nem ensino o caminho a ninguém:-)

publicado por Jorge Costa às 19:05 | comentar | ver comentários (1) | partilhar

Domingo é dia de Vinicius

publicado por Paulo Marcelo às 17:28 | comentar | partilhar

No centenário da República (2): o Afonso Costa que anda por aí

Se e quando, e tudo temos feito por isso, a presente república falir, por desinteresse geral da nação e inépcia dos partidos que a deveriam sustentar com espírito cívico - PS, PSD e CDS -, este será o Afonso Costa de serviço, o demagogo perfeito, «iluminado», que investe no ressentimento e na raiva, hoje com elevada cotação no mercado das propostas políticas. Cuidado que o homem já não é um Zé Ninguém.


publicado por Jorge Costa às 12:39 | comentar | ver comentários (4) | partilhar

No centenário da República (1): o Afonso Costa de então


Hoje e pelo resto do ano, quando o país se entrega às celebrações da República, o regime produzido pelo vácuo em que se transformara a monarquia, em 1910, vale a pena ouvir o que pensava do país um dos tiranetes mais agressivos, sectários e proeminentes da nova era: Afonso Costa, o da imagem.

«Ao longo de 1913, Afonso Costa deu prioridade total às Finanças: "O que foi que perdeu a monarquia? Foi gastar de mais e não receber o que devia receber." Com ele, o Estado ia "gastar apenas o que é preciso gastar, como se faz numa casa comercial honesta." Preocupava-o a cotação da dívida pública, que recuperara de 1900 a 1910, mas depois não teve "a subida que era de esperar." Por isso, "o que se pudesse fazer sem aumento da despesa, muito bem; mas o que precisar de aumento da despesa, não, não e não!". Àqueles que pediam subsídios para as instituições de assistência e educação, recomendava: "façam quermesses". Era preciso que deixassem de "olhar para o Estado como se o Estado tivesse uma mina inesgotável". Costa fez aprovar a célebre "lei travão", proibindo deputados e senadores de propor medidas que diminuíssem a receita ou agravassem a despesa. Produziu mesmo dois orçamentos com superavit (1913 e 1914). (...) Em geral, os líderes do PRP [Partido Republicano Português - nascido do desinteresse geral da «nação» por si própria e da raiva e frustração generalizadas, tal como em Portugal, hoje, medra o Bloco de Esquerda] mantinham-se fiéis à ideia de que cabia aos particulares criar riqueza, e que o papel do Estado era sobretudo gerar um quadro estável e de confiança para a inciativa privada. "A Administração por conta do Estado", dizia Afonso Costa em 1917, (...), "é, em regra, má e dispendiosa". Mesmo o sistema de seguros sociais obrigatórios decretado em 1919 não previa investimento estatal, e confiava na iniciativa privada.»

É bastante deprimente constatar que, cem anos depois, o diagnóstico da conjuntura nacional, verdadeiramente aflitivo, é o mesmo. E que as soluções com um módico de razoabilidade preconizadas são as mesmas. E que, na essência (como evitar a palavra?), nada mudou. Excepto a retórica dos tiranetes, hoje infinitamente mais descabelada. A pobreza é atávica, como diz, quase sempre que escreve, Vasco Pulido Valente. A «decadência», com que se deleitava a geração liberal e romântica do século XIX, é um «mito», como vem tentando mostrar Rui Ramos, o autor da História de Portugal de onde tirei esta citação. Servia para provar que o país, já tendo sido «grande», podia voltar a sê-lo. Temos saída? Talvez. Por termos sido sempre pobres e incapazes, excepto quando houve mundo onde rapinar - escravos e ouro -, não quer dizer que um dia não consigamos, por esforço e mérito próprio. Mas não estou a ver a saída. Talvez, quem sabe, começando a pensar que nada de grande se faz sem esforço e mérito próprio.

publicado por Jorge Costa às 10:14 | comentar | ver comentários (4) | partilhar

O problema de Portugal

Nesta crise, o problema de Portugal é simples. O problema é que consumimos mais do que produzimos. A solução, passa por consumir menos (o que se traduz numa crise), por produzir mais (o que geralmente é lento), ou por uma mistura de ambos.

Tudo o que não vise essas duas realidades é mero remendo que não dura.

A expansão do crédito, primeiro das famílias e das empresas, e agora do Estado, foi aquilo que nos permitiu consumir mais do que produzimos. A expansão contínua do crédito, provocou a ilusão de uma economia maior do que ela realmente era. O terminar da expansão, contrai a economia para o que ela realmente é (ou até ligeiramente abaixo, se contarmos com a necessidade de pagar o que antes se pediu emprestado). A diferença entre uma e outra situações (expansão do crédito e sua estagnação), é vista como "a crise".

Uma vez que as famílias e empresas não têm mais capacidade de expandir a sua dívida (e agora, na ausência dessa expansão, até aumentarão muito o seu incumprimento), e dado que o Estado também começa a ser obrigado a conter o déficit orçamental, e por fim levando em conta que a expansão da produção é algo difícil de obter num prazo curto, "a crise" é largamente inevitável.

Tudo o que se pode esperar da crise, é que ela produza uma reestruturação da nossa sociedade, que lhe permita aumentar a sua produção, a sua riqueza, e portanto, também o seu consumo. Algures no caminho as pessoas esqueceram-se que as bases da nossa sociedade são a especialização e o comércio - cada um de nós produz essencialmente para os outros, de forma a obter dos outros aquilo de que necessita e deseja. Inventaram-se inúmeros esquemas e complexidades, que obscurecem esse facto. A forma de repor a sociedade no caminho correcto, é trazer essa verdade simples novamente à tona.
publicado por Joana Alarcão às 01:24 | comentar | ver comentários (16) | partilhar
Sábado, 30.01.10

Morte à banca internacional!


Gamei este gráfico no FT Com Alphaville. Os diabos que trabalham com mercados sabem o que é. O post que o acompanha leva por título Portugal na tempestade, e reza assim: «Será Portugal o próximo acrónimo porcino (riscado), o próximo dos países periféricos da zona euro a lançar tremores nos mercados?» (O governador do Banco de Portugal está a ajudar, cf. em baixo).

A pergunta é suscitada por este gráfico que acompanha um estudo do sector de Rendimento Fixo (Fixed Income) do Deutsche Bank. O que mostra? Mostra que Portugal não é o recordista europeu do endividamento público (medido em percentagem do Produto Interno Bruto). Tem (muito poucos) países à frente. Mas só é ultrapassado pela Grécia, quando se considera a natureza e o nível das carteiras em que se encontram os títulos - os bancos estrangeiros.

Se calhar, as vozes esganiçadas que se ouvem pela Pátria contra a «corja» das agências de rating deveriam atirar os uivos à banca internacional, aquela que verdadeiramente está a fazer baixar, através das suas compras e vendas de títulos, o valor das nossas OTs. É óbvio que a avaliação dos bancos não é imune à apreciação das agências de rating. É óbvio. Mas quem negoceia são, numa parte muito significativa, os bancos, e são as suas operações que estão a determinar o «spread» face às obrigações da dívida soberana mais segura. É óbvio: têm accionistas, estão cotados, têm contas a prestar e - horrível! -, por isso fazem contas e «benchmarcam-se».
publicado por Jorge Costa às 20:41 | comentar | ver comentários (6) | partilhar

Constâncio arrasa tudo: o ministro, ele, as instituições e o que mais houver; merdas que acontecem (com um asterisco)

Constâncio tóxico

É uma completa estupidez pensar-se, mesmo que já se tenha vivido meio século, que já se ouviu tudo, viu tudo. A enormidade, senhores, não tem limites. Saído do intervalo de tempo semanal que Deus me deu para cortar por um dia com a loucura ambiente, abro o jornal electrónico e - pumba!

«Nós*, no Banco de Portugal, não esperávamos. O Governo e o próprio Ministério das Finanças foi surpreendido com esta evolução nos últimos dois meses do ano», disse Vítor Constâncio sobre o défice de 9,3% de 2009.

Repare-se: o governador do Banco de Portugal está a explicar ao mundo que a bebedeira financeira em Portugal é de geração espontânea, ninguém sabe, ninguém estava lá, aquilo acontece... Podia ter sido aquilo, ou outra coisa qualquer... Ou então... o quê? Está Constâncio a dar o golpe de misericórdia ao Governo, ao ministro, a ele próprio, às instituições? Está, mas... também não sabe que está? Se calhar. Isto assim é lixado.

«Ninguém esperava um défice de 9,3%», resume Constâncio. Estas merdas caem nem a gente sabe bem donde. Felizmente, calhou o ano terminar no dia 31 de Dezembro, se não, apre!

* Sim. O extraordinário doutor Constâncio, o mesmo que em Fevereiro de 2005 sabia, à centésima, o que viria a ser o défice em Dezembro de 2005. Ele há coisas. Não há como estar de sobreaviso.
publicado por Jorge Costa às 18:37 | comentar | ver comentários (16) | partilhar

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publicado por Alexandre Homem Cristo às 18:19 | comentar | partilhar
Sexta-feira, 29.01.10

A Alemanha e o Holocausto



No passado 27 de Janeiro, 65º aniversário da entrada das tropas soviéticas em Auschwitz e dia da Memória do Holocausto, o antigo Primeiro-Ministro israelita Shimon Peres discursou, em hebraico, no Bundestag, o Parlamento alemão. Como se a Alemanha quisesse dar voz às vítimas da tragédia na pessoa dos seus descendentes. Mas estes rituais de expiação oficial só ganham pleno sentido na perspectiva dos descendentes dos carrascos: a memória do Holocausto é hoje um elemento fundamental da identidade alemã.
A II Guerra Mundial e a sua consequência mais imediata, a separação RFA-RDA, é o acontecimento fundador da Alemanha até à Queda do Muro, com uma intensidade só comparável à Revolução Francesa ou à Declaração da Independência americana. Aqui, também há um antes e um depois na consciência colectiva. Com uma diferença: o momento das origens faz parte do presente. Muitos dos que o experimentaram estão ainda vivos, ou estão vivos os seus filhos. Nenhum outro país europeu tem uma percepção tão aguda do passado recente. Para os alemães, a história não é uma curiosidade do intelecto ou um combustível do patriotismo, mas um exercício de penitência pública. Toda a nação se autoflagela pelo passado com medo de o repetir.

Na escola, o nazismo e a Shoah são ensinados às crianças como se dão vacinas. A disciplina de História é uma profilaxia social. Os memoriais de guerra perpetuam na paisagem urbana, ordenada ao milímetro, a lembrança do caos, do fogo e da morte. Em Hamburgo, todos os edifícios destruídos em 1943 pelas bombas da Operação Gomorra (o nome diz tudo), foram restaurados - excepto a velha igreja de S. Nicolau onde hoje se acolhe, por baixo da clareira aberta entre as casas e da torre neogótica que escapou por milagre, um centro de documentação histórica. Em Berlim, em Dresden, em Colónia, monumentos semelhantes ergueram-se sobre as ruínas. No entanto, mesmo quando vítimas, os alemães não deixam de sentir-se carrascos. E, ao lado das fotografias de cidades reduzidas a escombros pelos Aliados, vemos os bombardeamentos da Luftwaffe em Londres, Coventry, Birmingham, Amesterdão, Varsóvia...

Não são só estes esqueletos de pedra que exorcizam a culpa germânica. Frequentemente, andando pelas ruas, encontramos no chão discretos quadrados de metal com as palavras Hier wohnte (aqui viveu), um nome, uma data e um adjectivo: deportiert ou ermordet. Chamam-se stolpersteine - pedras de tropeço, em tradução bíblica e directa. O nome corresponde ao do habitante judeu da casa em frente, a data ao seu nascimento e o adjectivo ao seu destino final. Por vezes, surge também identificado o campo de concentração onde morreu. Por vezes, os quadradinhos metálicos alinham-se em pequenas constelações, quando toda a família sofreu a mesma sorte. Pedras de tropeço, ainda.
O historiador Norbert Frei diz que esta esta obsessão dos alemães com a culpa colectiva é um álibi para fugir à cumplicidade individual com Hitler. O juízo pode parecer severo, mas está longe de ser uma tese académica. Enquanto em França ou na América, a geração do Maio de 68 punha em causa o presente e acusava os pais de não acompanharem os tempos, na Alemanha punha em causa o passado e acusava os pais de terem acompanhado os tempos de 33 a 45. Talvez esta feroz crítica geracional explique que a extrema-esquerda, nos anos 70, tenha chegado ao terrorismo nos países de regime fascista nos anos 30: a Itália, com as Brigadas Vermelhas, e a Alemanha, com o grupo Baader-Meinhoff. A violência das ditaduras de direita serviu sempre de justificação histórica para a violência dos revolucionários de esquerda.
Irá a reunificação ter reflexos sobre esta eterna má consciência nacional?
Há três anos, quando se comemorava outro aniversário, o do fim da guerra, a revista Spiegel dizia que sim. A última década trouxe aos alemães a novidade de, por uma vez, poderem culpar a história pelas suas desgraças. A geração que viu o Muro cair mas não o viu ser construído, ela própria filha da geração de 68, está longe de se sentir responsável pelo Holocausto (até porque os pais lhe ensinaram que a responsabilidade é uma coisa burguesa). Cresceu a pensar na divisão da Alemanha como um preço absurdo a pagar pela derrota de 45, mais absurdo ainda que as humilhações do Tratado de Versalhes. Não a ajudou muito descobrir, recentemente, que a França de Mitterrand e a Inglaterra de Thatcher se tinham oposto à reunificação, com medo da velha Deutschland uber alles. Ou que os países do Sul da Europa, incluindo a França (através da PAC), eram os principais beneficiários do esforço do contribuinte alemão para os cofres da UE, sem retorno que se visse, quando esse contribuinte alemão estava bastante mais preocupado com a ex-RDA, verdadeiro fardo do homem louro.
Talvez hoje, mais do que nunca, seja necessário ouvir hebraico no Bundestag.
publicado por Pedro Picoito às 19:49 | comentar | ver comentários (8) | partilhar

Escolher entre o mau e o muito mau

Temos um dilema: ou um aperto orçamental já, pelo qual poderemos começar a longa caminhada em direcção à recuperação de alguma credibilidade, e minimizar, não sei em quanto, o aperto monetário, ou um aperto monetário de tal ordem violento, que resultará em consequências literalmente imprevisíveis, com excepção desta: um aperto orçamental subsequente, mais brusco e mais amplo do que aquele que ainda podemos fazer. Tirando os inspirados que aspiram economia nos op-eds do Le Monde e do Libé, e, claro, a Ana Gomes, não conheço ninguém que tente raciocinar politicamente a partir do problema económico e financeiro que temos que não equacione assim o nosso dilema. Isto não é de esquerda ou de direita. É assim.

O Conselho de Estado está convocado para quarta-feira.

Tenho alguns votos.

Que o Presidente consiga convencer os governantes a mudar de discurso. Atacar os mercados é proibido. Mesmo que tivessem razão, seria como ladrar à Lua. Não resolve nada. Agrava. Mostra que ainda não se caiu na real. Nós precisamos dos mercados. Os mercados não precisam de nós. Believe it.

Que convença o senhor primeiro-ministro a reconhecer que há uma crise.

Que convença as oposições que contam a colaborarem, não politicando a questão. A saudarem o discurso responsável do primeiro-ministro. Esta parte é fácil.

Que, depois, no tempo certo (rapidamente, não há tempo para o PEC, nem o PEC resolve coisa nenhuma, porque estamos a falar do que é urgente para ontem), o senhor primeiro-ministro adopte medidas, algumas de excepção, para reduzir o défice drasticamente – este ano! – reduzindo as necessidades de financiamento previstas. Outra parte das medidas terá de ter consequências estruturais – ou seja, congelamentos não vale, porque quem congela hoje descongela amanhã.

Que a oposição saúde essas medidas, pronunciando-se sobre elas na fase preparatória.

Que o Presidente se comprometa a dar todo o apoio ao Governo na adopção de medidas que se tornaram inadiáveis. Ça va de soit, mas, é claro, sempre fica dito.

publicado por Jorge Costa às 17:54 | comentar | ver comentários (7) | partilhar

Simplismos


Caro Eduardo Pitta, relativizar os media é uma boa prática. Recomendo-lhe outra: desconfiar sempre dos olhares comprometidos que, com simplismos, pretendem esclarecer-nos. A imagem em cima foi retirada do mesmo site, só que em vez de medir as ajudas per capita, indica os valores absolutos. Julgo que não terá dificuldades em encontrar a West Wing.
publicado por Alexandre Homem Cristo às 13:45 | comentar | ver comentários (7) | partilhar

Não volto a escrever sobre o morto (corrigido)

No que me toca, depois deste post, informo que não voltarei a falar do Orçamento. É um nado morto, e assuntos afins não têm interesse.

Explico: o Jornal de Negócios, competente e crível, somou e revelou. 90% da redução projectada do défice tem por base a receita. Não sei quanta receita fiscal, mas certamente muita.

Ora, a receita fiscal projectada, para ser realizada, depende: 1) do cenário macroeconómico subjacente – quanto e como vai a economia crescer (ou cair); e 2) de relações de elasticidade credíveis (para um crescimento de tantos por cento e com esta ou aquela composição, entre consumo, investimento, exportações e importações, quanto sobe cada imposto e a soma deles).

Dando de barato que o ponto 2 está tecnicamente correcto, resta que o cenário macro é uma ficção.

Se o Orçamento não tem uma orientação contraccionista – e para aferir adequadamente isso seria necessário ter dados estruturais (intervalo do produto) –, fortemente contraccionistas vão ser as condições monetárias, a outra grande variável envolvente. Poderia apostar todos os meus salários até ao fim da vida, na ausência de um milagre, que assim vai ser.

A diferença do custo da dívida pública face à Alemanha, a referência no euro, já mais do que duplicou desde Novembro para cá. Vai aumentar muitíssimo mais.

É impossível que a União Europeia não considere este Orçamento aquilo que ele é: um erro total nas opções, de que a mais evidente é a opção pela receita, adiando tudo o que não podia ser adiado. Quando se pronunciar, e certamente que o fará com luvas para evitar enterrar mais fundo o país, sem poder deixar, contudo, de o fazer, pois perde a cara se não o fizer, o rombo nos custos da dívida será ainda maior.

Isso é apenas o princípio do fim. Mas já não estamos nessa fase. Já vamos bem avançados no meio: o custo de financiamento da banca, que por seu turno financia (quase) tudo vai aumentar tanto, ou mais, que o do agente mais solvente da economia, que é o Estado.

E lá estão hoje, no Jornal de Negócios, as curvazinhas diabólicas de que falo, com a EDP, a PT, o BES, o BCP a serem percebidos como afectados de níveis crescentes de risco e, portanto, a terem de pagar por isso, para irem aos mercados e poderem... viver. Os bancos, por seu turno, farão pagar os custos acrescidos às famílias e ao restante sector empresarial, que não se pode financiar directamente lá fora, como as grandes cotadas do PSI-20.

O fortíssimo aperto monetário que aí vem fará o país recair numa recessão, e quaisquer cálculos, em regime de instabilidade total, que é aquele onde passámos a viver, são efabulações, porque a forma do caos (oxímoro advertido) não se pode prever com nenhum acerto.

Muito boa noite.
publicado por Jorge Costa às 13:04 | comentar | ver comentários (10) | partilhar

Cachimbos na rádio

Hoje, pelas 18h, estarei no Descubra as Diferenças a conversar com Pedro Marques Lopes, Antonieta Lopes da Costa e André Amaral sobre o PSD, Passos Coelho, regionalização, o Mundial de rugby de 95, Mandela, o último filme de Clint Eastwood e Porgy and Bess. O programa foi gravado ontem e posso garantir que foi animado.
publicado por Pedro Picoito às 11:41 | comentar | ver comentários (1) | partilhar

Da série "a concorrência faz melhor"


Excelente capa da revista Economist esta semana. O conteúdo não sei porque ainda não chegou à caixa de correio, mas promete.
publicado por Paulo Marcelo às 10:42 | comentar | partilhar

Da desonestidade

O debate político em Portugal não raramente se alimenta de ódio e, por isso, de vez em quando aparecem merdas como esta, que depois dão origem a outras merdas como esta. Cavaco Silva está tão-somente a dizer o óbvio, recuperando a ideia - exposta brilhantemente por James Madison no federalist paper #51 - da necessidade de vigiar o poder político através das instituições. Sei que perco o meu tempo a explicar isto, que por ser tão claro só não é entendido por deliberada má-fé. É legítimo não gostar politicamente de Cavaco Silva, mas o refúgio no ódio é defesa de quem não tem argumentos a sério. Odeiem Cavaco Silva à vontade, colem o seu retrato na parede e encham-no de setinhas, mas poupem-nos ao espectáculo.
publicado por Alexandre Homem Cristo às 02:13 | comentar | ver comentários (7) | partilhar
Quinta-feira, 28.01.10

Três blogs tablóides


Três: este, este, claro, e até este.
A única resposta possível só pode ser: se sim - e daí?...
A apresentação enquanto tal do "contraste" não deixa de ser uma imbecilidade algo hilariante. Imbecilidade ao quadrado no caso dos três blogs. (Destes, esperava-se que, pelo menos, pairassem acima do lixo.) Parece que estão por tudo estes nossos açuladores. Que virá a seguir?...
publicado por Carlos Botelho às 23:47 | comentar | partilhar

Certo

Aplaudo. E suspiro de algum alívio, pelas razões que aqui invoquei.
publicado por Jorge Costa às 22:52 | comentar | ver comentários (2) | partilhar

Cachimbos

O Cachimbo de Magritte é um blogue de comentário político. Ocasionalmente, trata também de coisas sérias. Sabe que a realidade nem sempre é o que parece. Não tem uma ideologia e desconfia de ideologias. Prefere Burke à burqa e Aron aos arianos. Acredita que Portugal é uma teimosia viável e o 11 de Setembro uma vasta conspiração para Mário Soares aparecer na RTP. Não quer o poder, mas já está por tudo. Fuma-se devagar e, ao contrário do que diz o Estado, não provoca impotência.

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