P: O fecho de mais de 2500 escolas do primeiro ciclo nos últimos anos tem apenas motivos pedagógicos?
R: Exclusivamente pedagógicos. As escolas muito pequenas não oferecem uma educação adequada às necessidades actuais de recursos e complementos de aprendizagem.
P: De que estudos dispõe o Ministério para afirmar que as turmas pequenas têm mais insucesso?
R: Temos a indicação estatística de que turmas de 15 e menos alunos apresentam taxas de sucesso mais baixas. (...) Além disso, as escolas pequenas não têm refeitório, campo de jogos...
P: Algumas já têm porque foram feitos investimentos recentes.
R: (...) Mais importante do que o que se fecha é o que se abre. Temos 555 centros escolares aprovados. No próximo anos abrirão mais de 100. Em matéria de edifícios escolares vamos ficar (...) com todos os recursos de aprendizagem que consideramos básicos na nossa época. E não há direito que haja crianças que tenham acesso a esses recursos e outras que não.
(Parte final da entrevista com Isabel Alçada no Expresso de hoje)
A vida de milhares de alunos, com idades compreendidas entre os 6 e os 9 anos, e das suas famílias e comunidades, tem sido e continuará a ser significativamente alterada por decisões do Governo que ainda estão por ser devidamente justificadas. Quanto mais oiço ou leio a Ministra ou o Secretário de Estado da Educação a tentar justificar o encerramento das pequenas escolas, mais me convenço que a decisão é tomada com base em motivos não confessados e justificada por motivos sem fundamento evidente.
Por exemplo, que raio de argumento é este que diz “Não há direito que umas crianças tenham acesso a refeitórios, salas de informática, bibliotecas e espaços para a prática desportiva e de enriquecimento curricular, e outras não tenham direito a estes recursos”? Mas desde quando é que o direito das famílias à educação deixou de ser o direito de escolha do género de educação que privilegiam para os seus filhos e passou a ser o dever de adaptação àquilo que o Governo considera verdadeiramente importante? E este aqui que diz “Mais importante do que o que se fecha é o que se abre”? Mas mais importante para quem? Para o Ministério da Educação? Para o Governo? Mas desde quando é que a educação existe para servir as nossas instituições governativas? Mais importante para o País? Mas mais importante como? O País já foi devidamente informado dos benefícios que decorrem da transferência dos alunos? Mais importante para as comunidades locais? Mas que sentido faz fechar escolas quando estão em curso programas promovidos por juntas de freguesia e autarquias que visam dinamizar e atrair famílias de jovens para as suas comunidades? Mais importante para as famílias? Mas porque motivo considerarão as famílias que vale a pena trocar a educação escolar de proximidade e o contacto familiar com os professores, característico de uma pequena escola, por uma educação de massas e relações pessoais distantes, como acontece nos centros escolares maiores, apenas porque ali há uma panóplia de recursos materiais interessantes?
Não, senhora Ministra, o que se abre não é necessariamente mais importante do que o que se fecha. Não o é, pelo menos, enquanto as pessoas directamente envolvidas no processo, assim como todas as outras que se preocupam com a educação em Portugal, não estiverem disso convencidas. E para as pessoas se convencerem disso não basta que o Ministério avance vagamente com uma qualquer “indicação estatística”. Já numa outra entrevista do Expresso, de 19 de Junho de 2010, o Secretario de Estado, João Trocado da Mata, avançou a ideia de que “As estatísticas têm vindo a mostrar que as escolas pequenas apresentam taxas de insucesso superiores à média nacional”. Mas quais estatísticas? Alguém as conhece? Alguém leu algum estudo sério e rigoroso, especialmente dedicado à realidade portuguesa, onde seja patente que a taxa de insucesso dos alunos que frequentam as escolas pequenas é maior do que nas outras escolas? Eu não tenho conhecimento de nenhum estudo e, a julgar pelo artigo de Paulo Trigo Pereira, publicado no Público de 16 de Julho, onde ele justifica a sua demissão do lugar de coordenador do Observatório das Politicas Locais de Educação (OPLE), também nenhum investigador deve ter conhecimento da existência de algum.
Nesse artigo, Paulo Trigo Pereira lembra que o facto do fecho das escolas pequenas ter um efeito negativo na vida das aldeias e vilas deve ser necessariamente ponderado em função do esperado efeito positivo no desempenho escolar das crianças transferidas dali para os centros escolares maiores. Mais ainda, ele denuncia a recusa do Ministério em facultar aos centros de investigação o acesso às bases de dados estatísticos na posse do GEP, Gave, GGF e MISI, dados esses sem os quais não é possível realizar estudos portugueses que demonstrem - se for efectivamente essa a realidade no terreno - que a taxa de insucesso dos alunos são mais elevadas nas escolas que o Ministério tem vindo a fechar e nas outras que ainda pretende fechar. Neste sentido, Paulo Trigo Pereira conclui sobre a impossibilidade de haver no nosso pais uma política rigorosa e transparente de combate ao insucesso escolar - obviamente, demitiu-se.
Como se não bastasse o Ministério agir ao arrepio do que pensam os pais, professores, associações e autarquias locais, o Ministério não se inibe de nos tratar a todos como se fossemos meio imbecis e dispostos a engolir qualquer coisinha que se assemelhe a um meio argumento.