Ontem estava a ler uma revista americana e topei com um artigo onde se discutia a posição da Administração Obama sobre a possibilidade de os salários dos professores passarem a depender do seu desempenho. O método seguido pelo autor do artigo é relativamente simples: ler e confrontar as opiniões que nos últimos anos o presidente Obama e o seu Secretário de Educação, Arne Duncan, vão expressando acerca do assunto. Regra geral, as opiniões aparecem em discursos que um e outro fazem em encontros com os sindicatos de professores, grupos de empresários, durante visitas a escolas, etc.
Ia lendo o artigo ao mesmo tempo que me ia perguntando: “E o que é que o Primeiro Ministro e a Ministra da Educação de Portugal pensam sobre a possibilidade de os professores portugueses serem pagos em função do mérito do seu trabalho? E sobre a possibilidade de as escolas contratarem directamente os seus professores? E sobre a possibilidade de os pais escolherem a escolas dos filhos? E sobre a possibilidade do financiamento público de educação ser dirigido igualmente a escolas públicas e privadas? E sobre a possibilidade de serem implementadas medidas particulares a escolas que manifestamente obtêm maus resultados escolares em diversos anos sucessivos? E sobre a possibilidade...? Não tenho resposta para estas perguntas, nem sei onde as procurar.
Posso, até, tendo em conta uma ou outra opinião expressa numa entrevista de jornal, ou programa de TV, tentar adivinhar o que ambos pensam sobre estes assuntos. Pior ainda, tendo em conta o posicionamento ideológico do partido que os apoiam, posso tentar pressupor o que cada um deles pensa. Mas uma coisa é tentar, outra bem diferente é saber. Uma coisa é dizer: “Mas V. Exa., a este respeito, na entrevista do dia tal, quase que dá a entender que...” Outra é dizer: “Desculpe lá, mas V. Exa. disse isto e justificou o que disse com base naquilo.” Os discursos políticos, ao contrário das entrevistas, não só assumem uma outra seriedade e gravidade, como requerem um princípio, meio e fim, posições bem fundamentadas, e princípios claros que a qualquer momento poderão ser sujeitos à responsabilização de quem faz o discurso.
Quando penso nisto, a primeira bola que tiro do saco é a da incompetência. Não me custa nada imaginar que nem o Primeiro Ministro nem a Ministra da Educação sabem o que quer que seja sobre estes temas. Como não sabem, não o dizem (o que, como princípio de acção, se não nos reconforta, pelo menos também não nos escandaliza). Verdade seja dita, esta incompetência foi iluminada no caso da triste mensagem que a Ministra da Educação dirigiu aos alunos no início do ano lectivo (e que me levou ao absurdo de o comparar com o discurso que Obama dirigiu aos alunos no Verão de 2009).
Mas esta verdade será até injusta, pois, quando olho à minha volta, verifico que só neste ano foram publicados três livros por três ex-Ministros da Educação: A escola pública pode fazer a diferença (Maria de Lurdes Rodrigues); Difícil é educá-los (David Justino); e Se não estudas estás tramado (Eduardo Marçal Grilo). Por outras palavras, bem ou mal, os nossos Ministros da Educação pensam a educação e têm ideias claras sobre os seus aspectos mais relevantes. É claro que, na maioria das vezes, quando lemos os livros dos ex-Ministros, não podemos evitar o pensamento, “Bem que podias ter feito durante o teu consulado as coisas que agora estás aqui a escrever!” Mas esta seria já outra conversa.
Os países diferem uns dos outros e têm tradições politicas distintas (o mesmo é dizer que uns países são melhores do que outros). E é uma pena que em Portugal não haja a tradição do discurso politico. Por diversas razões: o discurso obriga a pensar e a fundamentar o que é dito; o discurso transcende a mera gestão de mercearia dos assuntos políticos; o discurso estende o horizonte temporal; o discurso oferece uma medida para avaliação da prática política; o discurso compromete e responsabiliza. E o discurso politico, quando é bem escrito e bem feito, mobiliza as pessoas.