O que fazer com o Egipto?
Por isso é importante olhar para o que se passa no Egipto, e cujo desfecho terá repercussões em toda a região. Este país tem sido um importante aliado das democracias ocidentais. Foi o primeiro país da região a aceitar Israel como um Estado soberano e tem sido importante para conter as ideologias extremistas da região. Por isso recebe ajuda dos Estados Unidos, e foi aceite no Ocidente como um Estado dos "seus". Mas sempre existiu aqui uma duplicidade evidente: enquanto se pedia reformas democráticas na região, o Ocidente foi fechando os olhos para o que se passava no interior dos seus aliados, como no Egipto. E foi este o principal falhanço das democracias, que não fizeram o suficiente para obrigar Hosni Mubarak a liberalizar o regime. Se tivessem sido implementadas as reformas necessárias, hoje as forças democráticas teriam a força suficiente* para se impor à Irmandade Islâmica, uma organização que inspirou a criação da Al-Qaeda e que representa um enorme perigo para a estabilidade da região. Tendo falhado nessa premissa, qual a reacção que agora o Ocidente, nomeadamente os Estados Unidos, devem ter?
A Administração Obama foi lenta na reacção a estes acontecimentos. Ainda há uma semana, Hillary Clinton reafirmou a sua crença na estabilidade do regime, quando tudo já apontava para esta enorme convulsão. Apenas passados quatro dias, Barack Obama sentiu a necessidade de falar com Mubarak, apelando em público para o respeito dos direitos humanos no país e reforçando a importância de reformas democráticas. Já no domingo, Hillary Clinton foi aos cinco programas de análise política nas TVs americanas para reafirmar que é necessário dar passos seguros rumo às reformas democráticas e respeito pela vontade do povo egípcio. Tarde, mas talvez ainda a tempo. Parece evidente que Mubarak tem os dias contados à frente do Egipto. Se cai já ou se consegue alcançar um acordo com a oposição para um período de transição, não sabemos. Mas a resposta da Administração parece-me que só pode ser uma: colocar-se ao lado das forças democráticas, ajudar ao período de transição e tentar criar no país condições para impedir que a Irmandade Islâmica chegue ao poder. A repetição do que se passou no Irão em 1979, onde os radicais islâmicos, depois do derrube de um poder despótico, o substituíram por um ainda pior, seria catastrófico. Pior que ditaduras amigas são ditaduras inimigas. Obama tem essa responsabilidade pela frente, sendo certo que não existe muito que dependa das suas acções. Mas se não tentar reforçar o lado democrático contra o poder actual e os radicais islâmicos que espreitam pela sua oportunidade, Obama poderá estar a repetir o papel de Jimmy Carter em 1979.
* Várias pessoas têm afirmado que é quase certo que a Irmandade Islâmica venceria umas eleições democráticas no Egipto. Como escreve Robert Kaplan, na Foreign Affairs, esse cenário não é assim tão evidente. Por isso é importante reforçar o papel das forças democráticas, até para os impedir de fazer o triste papel dos Mencheviques em 1917.