Disse isto ontem na TVI24 (pode ser que ainda venha a receber o video), mas volto a dizer aqui. O apoio que Kaddhafi recebeu de muita gente por esse mundo fora - e podemos falar apenas do mundo ocidental - não se deveu apenas aos maléficos "interesses comerciais". Essa versão da história é talvez boa para impressionar a pequenada, mas não conta para gente que se recusa a viver vergado à linguagem da comunicação social de massas. Ao longo destes anos, incluindo os últimos dez, Kaddhafi esteve rodeado de amigos ocidentais também por razões de conveniência política e até ideológica.
Kaddhafi foi muito conveniente para a malta do costume quando, em parceria com a Arábia Saudita, a China, o Zimbabué, Angola, Cuba e outros destinos paradisíacos dos direitos humanos, liderava o ridículo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, cuja missão consagrada consistia na multiplicação de relatórios condenatórios de Israel. O protesto continuado de países como os EUA ou Austrália só podia confirmar a bondade natural do Conselho e de um dos seus instigadores como foi Kaddhafi.
Também foi muito conveniente quando formou com outros padroeiros da causa dos oprimidos, como Fidel Castro e Chavéz, uma frente espiritual-diplomática contra o império do mal, os EUA e os seus aliados. Foi alvo de elogios directos e indirectos quando apelava, não se percebia se sob o efeito de aluciongéneos, a outra globalização e a outra ordem mundial que não estivesse controlada pelo homem branco. E foi positivamente aplaudido quando exigiu o pagamento de indemnizações das antigas potências coloniais europeias às vítimas - ele próprio, claro - da colonização. Ora aqui estava o grande líder providencial que vinha corrigir as injustiças que os europeus tinham cometido no passado. Se ele estava disponível para fustigar a tenra consciência europeia, então o pessoal reconhecido estava disponível para ignorar uma ou outra excentricidade, como o facto público e notório de a tirania líbia não ter igual no Norte de África.
Tudo isto foi apreciado por muita gente no Ocidente (escuso-me de dizer o mesmo quando Kaddhafi era um dos grandes patrocinadores do terrorismo internacional, apenas porque essa história é mais velha). Quem julga que estou a exagerar, leia o artigo publicado na "New Statesman" pelo inefável Anthony Giddens - o guru de tanta gente que ainda nos governa -, em 2006, repito, em 2006, que por um triz não descobria uma (outra) terceira via na Líbia e vislumbrou no rosto de Kaddhafi a face de um "modernizador".
É por estas e por outras que dispenso as cantigas da malta que há tanto tempo que desafina.
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Adenda: o vídeo do "Combate de Blogs" da TVI24 do último sábado está
aqui.