Portugal sofreu até hoje três grandes surtos inflacionistas, que mudaram o “regime de preços” de forma súbita e prolongada. O primeiro iniciou-se com a guerra da independência de 1383-1385, cujo financiamento obrigou à desvalorização da moeda. Entre 1383 e 1430, os preços terão sido multiplicados por 630, o que faz deste episódio o maior surto inflacionista da nossa história.
Entre 1430 e 1915 houve desvalorizações pontuais da nossa moeda, após as quais havia prolongados períodos de estabilidade monetária. Quando a inflação é baixa durante longos períodos cria-se a convicção de que essa condição nunca será alterada nos tempos mais próximos. Um exemplo excepcional desta convicção foi o empréstimo externo de 1902, destinado a sanar os problemas decorrentes da bancarrota portuguesa de 1892, que foi emitido em libras, com uma taxa de juro de 3% e um prazo de 99 anos!
Em 1916 iniciou-se o segundo surto inflacionista, fruto da instabilidade da 1ª República, mas sobretudo da irresponsabilidade da participação portuguesa no teatro europeu da I Guerra Mundial, que gerou custos brutais e nenhumas vantagens. A participação portuguesa na guerra nas colónias fazia todo o sentido, mas na Europa era absurdo, até pelas fraquíssimas condições do exército português. Parece que o regime republicano usou a participação na guerra como forma de legitimação internacional e interna. É caso para dizer que se monarquia não tivesse caído em 1910, não teríamos cometido este erro histórico com custos brutais, inclusive em termos de fome.
Entre 1915 e 1924 os preços terão subido cerca de 22 vezes. Uma consequência importante desta inflação foi a diminuição drástica da dívida pública portuguesa (de 140% do PIB antes da guerra para menos de 90% em 1924), porque a inflação reduziu brutalmente o valor real desta dívida.
No período que se seguiu, entre 1924 e 1972, os preços portugueses multiplicaram-se apenas por 3. Esta prolongada estabilidade permitiu que se voltassem a emitir obrigações a uma taxa baixa e fixa, com prazos alargados.
O terceiro surto inflacionista iniciou-se em 1973, com o primeiro choque petrolífero e com os desregramentos que ocorreram a seguir ao 25 de Abril de 1974. Entre 1972 e 1995 os preços portugueses multiplicaram-se por 30, sendo que no final deste período a taxa de inflação já estava a diminuir claramente para os actuais valores muitos baixos.
Uma diferença importante entre o segundo e o terceiro surto inflacionista é que quando este se iniciou o nível de dívida pública era muito baixo (20% do PIB), pelo que não houve efeito de redução de dívida como o verificado durante a 1ª República. Pelo contrário, houve uma explosão da despesa pública, que fez disparar a dívida pública para valores muito elevados.
Para além dos surtos de inflação que ocorreram, parece útil referir os outros surtos que “deveriam” ter acontecido, mas que não se concretizaram, tendo presente que as guerras são as maiores fontes de subida da dívida pública e que, por isso, geram a maior tentação de recorrer à inflação. O primeiro seria associado à prolongada guerra de independência, entre 1640 e 1668, em que houve alguma desvalorização da moeda, mas de forma limitada. O segundo episódio é o das invasões francesas, entre 1807 e 1811, que também poucas consequências monetárias trouxe.
O terceiro caso é o da guerra colonial, entre 1961 e 1974, que foi compatível com contas públicas equilibradas e inflação controlada. Neste caso terá havido contenção em outras rubricas da despesa pública, em particular a educação, que “pagaram” a guerra.
Com a provável saída do euro, Portugal deverá conhecer o quarto surto inflacionista da sua história, um tema que merecerá uma análise mais detalhada nos próximos artigos. Convém recordar que o Banco Europeu de Investimentos passou a proteger-se da eventual saída da Grécia da zona do euro, incluindo cláusulas de dracma nos empréstimos recentes a empresas gregas.
[Publicado no jornal “i”]