Política e jornalismo. Jornalismo e política
Há quem diga que devemos continuar a comprar jornais impressos – uma espécie de contribuição para o bem da democracia portuguesa. Compreendo. Mas é cada vez mais difícil. Habituado a comprar e a ler o PÚBLICO, li há pouco um artigo de opinião, na rubrica Debate, assinado por um tal Domingos Lopes (p. 47). Diz mais ou menos isto: Passos Coelho é um liberal protegido pelo Estado. Passos Coelho, ao contrário de Nelson Mandela e do Zé do Telhado, é um herói valentão que ataca os fracos e venera os fortes, que bate nos desprotegidos para lhes meter medo, adormecer-lhes a consciência, e subtrair-lhes a força anímica. Em suma: Passos Coelho, que nada tem de corajoso, é um cobarde da pior espécie – daqueles que não se limita a fugir do perigo, mas antes a espezinhar os que já estão por terra. E como Passos Coelho tem um carácter vil, os seus ministros – com Miguel Relvas à cabeça – mau carácter necessariamente têm. Dado que Passos Coelho conduziu os portugueses a uma pobreza e miséria sem precedentes, para quando a revolta dos oprimidos? Se as palavras de Domingos Lopes não merecem atenção especial, já merece atenção saber-se o que motiva o PÚBLICO a publicar um artigo com uma ironia infantil, a um mesmo tempo ofensivo e moralista, sem um único argumento ou qualquer espécie de razoabilidade que motive o debate e justifique o nome da rubrica em que se insere. O jornalismo de referência em Portugal, de que o PÚBLICO foi um digno representante, está muito próximo de ser hoje uma merda: onde procuramos investigação e reportagem, encontramos o resultado de trocas de informação entre dois poderes que se alimentam mutuamente; onde procuramos informação objectiva e factual, encontramos opinião ideológica dissimulada por entre palavras escolhidas; onde procuramos opinião fundamentada, encontramos o Domingos Lopes. Políticos e jornalistas. Jornalistas e políticos. O regime está doente e não há medicina que nos cure.