Nas próximas três semanas, vou sair de circulação. Irei à Casa Velásquez, em Madrid, e depois à École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, falar de uma coisa a que chamo, por hábito, a minha Tese de Doutoramento. Parece uma tournée, mas é uma coincidência. Entretanto, os americanos votarão no nosso Presidente - e tudo indica que será Barack Hussein Obama.
A vitória de Obama, a confirmar-se, será histórica. Por dois motivos.
Primeiro, porque se trata do primeiro Presidente negro dos Estados Unidos. A sua eleição tem um peso simbólico tão grande como a de Kennedy, o primeiro católico na Casa Branca. Isto não significa que ele vá ser um bom Presidente. Também ninguém sabia o que viria a ser Kennedy quando foi eleito e é até provável que o veredicto da história sobre Kennedy, responsável pelo mergulho de cabeça no Vietname e pela barraca da Baía dos Porcos, fosse menos indulgente se ele não morresse em Dallas. No caso de Obama, acredito (e sem qualquer secreto prazer) que a desilusão se vai seguir necessariamente à eleição. As expectativas são tão altas que não há margem de erro.
Segundo motivo de história: a eleição de Obama representa o fim do 11 de Setembro. Depois de, em nome da "guerra ao terror", o povo americano ter apoiado a invasão do Iraque e do Afeganistão, ter enfrentado a ira do mundo e ter eleito Bush para um segundo mandato, o voto em Obama significa a vontade de mudar de página. Já ninguém se lembra, graças (ou desgraças) à crise económica, que a primeira grande diferença entre McCain e Obama é o Iraque. McCain ficará em Bagdad "cem anos, se necessário". Obama quer retirar depressa e em força. Se este programa ganha nas urnas, os americanos estão a dizer ao mundo que trocaram Bin Laden pelo subprime. O mundo talvez agradeça, mas não ganhará com a troca.
Ao contrário do que diz agora toda a gente, McCain fez uma boa campanha. Pedro Magalhães resumiu, há dias, que ele tinha contra si todas as condições de uma
tempestade perfeita: o apoio a uma guerra impopular, o cansaço do eleitorado com Bush, uma crise que a maioria atribui aos republicanos. E não foi a escolha de Sarah Palin que lhe custou a vitória. Palin cumpriu plenamente a sua função, que era a de mobilizar as bases do GOP. Ninguém esperava que ela rendesse muitos votos em Hollywood ou no
jugular.
A posteriori, alguns votos transferidos dos republicanos para os democratas, como os de Powell ou Fukuyama, serão atribuídos à fé, aos escândalos e ao amor pela caça ao gambozino da Governadora do Alasca. Mas isso é esquecer convenientemente que Powell, Fukuyama e outros
neocons já estavam em ruptura com a Administração Bush há muito tempo.
A história é escrita pelos vencedores: vae victis. Daqui a cinco anos, ficaremos a saber se não perdemos todos.