O estado do primeiro-ministro

Como se viu hoje no Parlamento, temos um primeiro-ministro sem estofo democrático. Alguém em que habitasse um mínimo de autenticidade democrática nunca teria dito aquelas piadinhas de gosto duvidoso sobre o próprio Parlamento ("Caírem os parentes parlamentares à lama, porque a pompa e circunstância parlamentar não permite ir à internet!"), depois de Paulo Rangel se ter limitado a chamar a atenção para o papel axial daquela Assembleia. Rangel relembrou que aquele é o sítio onde os governos têm a obrigação de prestar contas das suas opções políticas às oposições. Ali, aos deputados, perante todos - e não remetendo para a web, para os jornais ou para outra instância qualquer que não aquela. Só alguém que não respeita, de facto, o parlamento se permite troçar dele daquela maneira.
No que é secundado pressurosamente por outros. Alberto Martins confirmou o que eu já tinha dito aqui. E houve um ministro que, não correspondendo à sua pasta, pareceu apostado em se rebaixar tristemente à como que função de bófia(*) de serviço que vem, prazenteiro, em agrado do chefe, brandir os documentozinhos supostamente incriminatórios do adversário - que não responderam em nada ao que era perguntado e apenas "incriminaram" a miséria própria.
O primeiro-ministro prosseguiu depois com o seu habitual trato desrespeitoso, trocista, dos opositores - louve-se a paciência de Jerónimo de Sousa e de Paulo Portas... Imagine-se o que seriam aquelas sessões parlamentares, se os seus interlocutores usassem para com Sócrates daquele tom de chalaça de apoucamento (autêntica expressão de arrogância malcriada) que ele constantemente usa para com eles.
Falando seriamente, uma personagem com o carácter e a maneira de ser do nosso primeiro-ministro não destoaria numa qualquer tirania do século XX. Indiferentemente da ideologia.

(*) - Sim, bófia e não polícia, porque esta última palavra, pelo seu parentesco com polis e política, conserva ainda uma dignidade genética.
publicado por Carlos Botelho às 19:14 | partilhar