Juros para que te quero

Com o Euro a fazer 10 anos, a Comissão Europeia tem publicado um conjunto interessante de documentos em forma de balanço. Destacava este EMU@10, sobretudo o subcapítulo onde se faz a comparação directa entre os comportamentos de Espanha ("growing strongly") e Portugal ("protracted slump").

Um dos dados mais relevantes é o relacionado com o ritmo de expansão de crédito e com a tipologia de utilização. No final dos anos 90 crescia a cerca de 30% em Portugal e 20% em Espanha, mas o que impressiona é a utilização concreta deste crédito: em Portugal, a grande fatia relacionou-se com a habitação particular (compra, obras, recheio, etc), em Espanha a utilização deste crédito dividiu-se em mais ou menos igual parte entre a habitação e o sector empresarial para fins diversos. Só este dado faz lançar as mãos à cabeça, mas o pior é que há bem mais.

Se as taxas de conversão de entrada foram distinta (Espanha com maior desvalorização, 30% vs 12%), elas não explicam por si só as diferenças de performance a que temos assistido recentemente. A política fiscal, os mercados laborais e enquadramento institucional e alguns ajustamentos estruturais parecem explicar o resto segundo a CE.

Na política fiscal, António Guterres, o seu governo e a sua política orçamental pró-cíclica entram em mais um dos muitíssimos documentos internacionais onde se explica o que não se deve fazer. O modelo de organizativo orçamental e as competências do Ministro das Finanças em Portugal são também criticadas por ineficientes, pouco transparentes e incapazes de produzir planeamento e controle adequado.

O mercado de trabalho é outro ponto em que só não levamos as mãos à cabeça porque já as temos lá por razões alí de cima. As reformas diversas feitas em Espanha desde o final da década de 80 e o aumento da força de trabalho fazem com que o trabalho contribua mais para o produto em Espanha do que em Portugal (3% vs 0,75%). E os salários? Em Espanha crescem abaixo do crescimento da produtividade, em Portugal, medindo salários reais por unidade de output, crescem acima da média europeia, deteriorando a competitividade. Bonito, mas as más notícias continuam: Portugal é mais susceptível a choques externos, e o padrão algo rudimentar de uma parte da nossa economia sofre com a emergência da China e da Índia, com as estatísticas do Norte do país a confirmarem-no.

Conclusão? Não vale a pena resumir ou traduzir: "Overall, a closer look at the Spanish and Portuguese cases confirms that implementing right economic policies is paramount for a successful catching up. The successful fiscal consolidation, underpinned by solid fiscal institutions and continuous improvements in the regulatory framework of labour and product markets in Spain contrast sharply with procyclical policies, high deficit biases and worse regulatory frameworks in Portugal."

Não será má ideia relembrar que este diagnóstico é actual, o que atesta que nada de estruturante mudou nestes últimos 3 anos de desperdício de condições políticas tão favoráveis: maioria absoluta, Presidente da República cooperante em mudanças que atacassem este diagnóstico e maior partido da oposição em potencial concordância face a várias destas medidas. José Sócrates consegue uma coisa fantástica, que é não aproveitar nada disto. No final do dia, nestes relatórios sem jogging, sem centrais de comunicação, sem benção escolhida do Ministro Pinho a uma qualquer empresa em prol de outras, ou sem entrega de mais um laptop (que ficaria mais barato comprado no eBay), sobram os números e a desperdiçada oportunidade histórica de repetir o que Cavaco fez há mais de 20 anos atrás: reformar, modernizar e colocar um país a crescer e convergir.
publicado por Manuel Pinheiro às 22:02 | comentar | partilhar