Uma dupla chamada de atenção

Paulo,
deixa-me só avisar-te de duas coisas.
Primeira, neste teu post, sintomaticamente chamado "Evidência e objectividade", traduzes a tua argumentação para uma proposição matemática como 2+2=4, com o objectivo de mostrar que ela nada tem de "ideológico" (já recusaste essa classificação também comigo, lá atrás na nossa discussão -ainda inacabada- sobre a massa das turmas e horários docentes, etc), que nada tem de "ideológico", dizia, mas que, pelo contrário, será somente uma espécie de emanação da própria realidade. Pois bem, essa pretensão da tua tese ser uma representação fiel, especular da realidade é, precisamente por isso, "ideológica". Por outro lado, a tua tese não é mais do que uma perspectiva entre outras possíveis - logo, é, também por isso, "ideológica".
Segunda, responderes a um ponto de vista contrário ao teu, acusando-o de não ser mais do que o resultado de um interesse particular ou decorrer de um benefício ou defender causa própria, etc, (como comigo, aqui, ou com o Fernando, aqui) constitui, na verdade, uma não-resposta. Não passa disso mesmo que referes aqui: uma acusação ad hominem.
E que dizer do "exemplo" que foste buscar para ilustrar a tua posição? - a educadora de infância. É uma escolha, claro. Resta saber se "inocente" (inócua, "neutra") ou se "ideológica"...

Por outro lado, a tua contrastação entre os "interesses particulares" ("corporativos"?) e o "bem geral", pintada a cores fortes como "brutal injustiça", não me comove especialmente. Trata-se apenas de um dispositivo argumentativo. Não sei se terás consciência disso, mas trata-se de uma espécie de chantagem moral que transforma imediatamente aqueles que discordem da tua perspectiva nuns ogres inimigos do "bem comum". Ou se adopta essa tese e, necessariamente, se defende o "geral" ou, não a adoptando, toma-se partido por "corporativismos" criminosos que sufocam o "bem comum". Esse foi, de resto, o tipo de armadilha usado mais do que uma vez pelo nosso desprezível primeiro-ministro. Nesse sentido, a categoria perversa do "interesse geral" não tem sido mais do que a tradução "socrática" da União Nacional.
publicado por Carlos Botelho às 01:18 | comentar | partilhar