Política à moda tricolor

De regresso à pátria após uma semana em Paris, vejo que os meus conterrâneos trocaram as perigosas ameaças da Dra. Manuela à democracia pelas tenebrosas ligações do Prof. Cavaco ao capital. Magnos terrores que declino comentar. Vão desculpar-me o pedantismo, mas há mais mundos. Lá pela França, a esquerda saiu à rua em peso, no intervalo da guerra civil do PSF, para protestar contra o que considera o ataque de Sarkozy à escola pública.
Não é fácil resumir a questão porque Monsieur Sarkozy, fiel à velha máxima de Tocqueville segundo a qual os franceses não sabem fazer reformas sem fazer revoluções, quer mexer no ensino de alto a baixo, que é como quem diz do pré-escolar à universidade. Ao lado da mobilização de centenas de milhares de pessoas por todo o hexágono, com os sindicatos à cabeça, as nossas manifs de profs são uma brincadeira de crianças. (Enfim, isto é uma ironia falhada, aviso já, não me acusem agora de insinuar que docentes e discentes lusitanos estão feitos uns com os outros para atirar ovos à determinação reformista dos heróis da 5 de Outubro.) De resto, em França, esse país atrasado e democraticamente imaturo, ninguém se espanta, vejam bem, que os sindicatos contestem o Governo. Será porque o Governo é de direita? Magno terror que declino comentar. Ou talvez os franceses acreditem que o papel dos sindicatos é mesmo esse. Que coisa chata, os sindicatos. Assim não se consegue fazer reformas. O melhor seria suspendê-los, sei lá, durante seis meses... Ooops... Esqueçam.
Voltando à la vache froide, o grande argumento contra as célebres reformas é a defesa da escola pública. Um argumento de peso. A República francesa sempre idealizou a escola como o meio por excelência de chegar à utópica égalité da trindade revolucionária. O debate sobre o ensino público nunca passou pela sua existência ou necessidade, mas pela sua eficácia. Esse consenso fundador explica a força dos contestatários na rua, mesmo com uma oposição, como se diria por cá, inexistente no Parlamento. Pois a esquerda gaulesa teme, com alguma razão, que o "liberal" Sarkozy queira pôr fim ao intocável mito das origens. Não serei eu quem a contrarie. Não serei eu quem o contrarie. Chama-se a isso política. E se o marido da Carla Bruni, o tal que apelou à limpeza da racaille a bem do sossego da burguesia, pode dormir descansado quanto à esquerda partidária, a esquerda sociológica mostrou que sabe mexer-se quando estão em causa diferenças, enfim, políticas.
Estamos livres de tal vírus, portanto. O Dr. Salazar, perdão, o Eng. Sócrates continuará a proteger-nos do mal da política nos próximos tempos. A bem do sossego da burguesia lusa - que gosta muito de reformas, mas pouco de sindicatos.
publicado por Pedro Picoito às 16:53 | comentar | partilhar