The writing on the wall

Alexander Litvinenko, ex-agente do FSB (o “sucessor institucional” do KGB) e opositor do actual regime russo, morreu durante a noite, depois de prolongada agonia. Teve o mesmo fim que a jornalista Anna Politkovskaya, abatida a tiro no elevador do seu prédio em Moscovo, há algumas semanas. O governo russo nega qualquer responsabilidade na morte do ex-agente (que outra coisa fazer: admitir abertamente a sua eliminação, em solo britânico?). O cristão e ministro libanês Pierre Gemayel, presumivelmente assassinado pelo Hezbollah, foi ontem a enterrar, no Líbano. São apenas os nomes mais recentes a juntar a uma longa e crescente lista de vítimas, como Paul Klebnikov, editor da versão russa da revista Forbes, ou o ex-primeiro ministro libanês, Rafik Hariri.

As motivações políticas por detrás destas mortes “inexplicáveis” e assassinatos são perceptíveis. Os endereços dos remetentes estão perfeitamente identificados: Moscovo, Teerão e Damasco (a ordem não é arbitrária). Mas a mensagem parece ainda não ser suficientemente clara para a generalidade do Ocidente, esse espaço político meta-geográfico que une em duplo arco a Europa ao continente americano e à Oceânia de língua inglesa.

Os adversários e inimigos do Ocidente são (também) outras culturas, não redutíveis e até talvez incompatíveis com uma base civilizacional de aspiração universal. As linguagens políticas são outras e o discurso político ocidental é traduzido para essas linguagens. Por isso, convinha que governantes e comentadores políticos percebessem, quanto antes, esta “tradução” elementar: cada vez que mencionam a necessidade de “realismo”, Putin, Ahmadinejad, Assad & Co. traduzem para “fraqueza e falta de coragem”.

Os alinhamentos geopolíticos estão a mudar rapidamente e aproximamo-nos de um ponto extremamente perigoso em termos de segurança internacional. Podemos persistir na negação das evidências. Podemos continuar a assumir um geocentrismo político ocidental que já não existe. Podemos insistir em mencionar a “diversidade cultural” como elemento estético, ignorando o imperativo político de conhecer adversários e inimigos. Mas acabaremos por ser confrontados com uma realidade, no mínimo, extremamente desagradável.

A incompetência política do governo israelita e a pressão de facções políticas europeias impediram a obtenção de uma vitória decisiva sobre os terroristas do Hezbollah. Militarmente debilitados mas politicamente vencedores e “escudados” pela força de interposição internacional, aceleram a reconstrução das infra-estruturas danificadas e recomeçaram o processo de eliminação selectiva dos principais adversários políticos à revolução islâmica em curso no Líbano. Como resultado, será difícil evitar um novo confronto militar com Israel.

O governo iraquiano, uma manta de retalhos instável e duvidosa, impede as forças militares americanas de eliminarem os principais responsáveis pela insurreição, o que há muito deveriam ter feito (esse sim, um verdadeiro erro de palmatória em qualquer estratégia realista de pacificação do Iraque). Os Democratas americanos mencionam a necessidade de “recolocação” das forças militares. As milícias shiitas Madhi e demais bandos de assassinos que espalham a morte pelo Iraque ouvem e traduzem para “retirada e impunidade”. Os resultados são evidentes.

Tony Blair sugere tomar chá com os Persas, para conversar sobre o Médio Oriente e a vida em geral. A teocracia iraniana ouve, traduz para “fraqueza”, acelera o programa de armamento nuclear e redobra os esforços de controlo estratégico da Al Qaeda — a principal rede de jihadismo que ainda não controla. O resultado é imprevisível e demasiadamente perigoso para ser tolerado. Eis algumas observações e advertências (destaques meus):
A diplomacy that excludes adversaries is clearly a contradiction in terms. But the argument on behalf of negotiating too often focuses on the opening of talks rather than their substance. The argument has become widespread that Iran (and Syria) should be drawn into a negotiating process, hopefully to bring about a change of their attitudes, as happened, for example, in the opening to China a generation ago. (…) But if, at the end of such a diplomacy, stands an Iranian nuclear capability and a political vacuum being filled by Iran, the impact on order in the Middle East will be catastrophic.

(…)

The self-confident Iranian leaders may facilitate a local American retreat in Iraq, but only for the purpose of turning it into a long-term rout. The argument that Iran has an interest in negotiating over Iraq to avoid chaos along its borders is valid only as long as the United States retains a capacity to help control the chaos.

There are only two incentives for Iran to negotiate: the emergence of a regional structure that makes imperialist policies unattractive, or the concern that, if matters are pushed too far, America might yet strike.
O título não podia ser mais claro: os Persas desprezam a fraqueza. O autor? Henry Kissinger, que, como se sabe, é um perigoso “idealista”. The writing is on the wall, escrito com o “sangue dos outros”. Por enquanto.
publicado por Joana Alarcão às 11:21 | partilhar