Sim, ainda o Museu de Arte Popular
Enquanto mandarins e opinadores discutem se a cultura deve ter ou não um Ministério, como se uma política cultural se resumisse ao organigrama do Governo, no reino da Dinamarca continua a haver algo de podre. Leia-se, por exemplo, o artigo que Pedro Prista hoje escreve no Público a sugerir a pura e simples extinção do Museu de Arte Popular, sinal de algum incómodo da escola de antropologia do ISCTE, por sua vez muito ligada ao Museu de Etnologia, face ao museu de Belém.
Discordo totalmente da conclusão de Prista, e ficava-lhe bem confessar que é colega de Joaquim Pais de Brito, o director do Museu de Etnologia, mas o que diz merece ser debatido. É certo que o Museu de Arte Popular sempre teve um problema de identidade, fruto do pecado original de ser um instrumento de propaganda do Estado Novo e de um Portugal que já não existe (e talvez nunca tenha existido). É certo o destino e o valor da sua colecção não são lá muito claros e as ideias mirabolantes dos últimos anos, com destaque para a do Museu Mar da Língua, não têm ajudado nada. É certo que, em tempo de subfinanciamento do património, a fusão de museus não pode ser um tabu. Mas parece escapar a Prista, quem sabe se por deformação profissional, que o acervo do MAP é hoje o melhor testemunho, não da "arte popular" na primeira metade do século XX, mas do que na primeira metade do século XX se entendia por "arte popular". O seu interesse, mais do que etnológico, é histórico. O MAP é hoje o museu do Estado Novo e do Portugal de campos e aldeias que, no fundo, constituía o horizonte idealizado do salazarismo. Não faz grande sentido, portanto, defender a sua transferência para o Museu de Arte Contemporânea, que sempre se organizou em torno de uma narrativa diferente, ou até para o Museu de Etnologia.
O tema dá - e espero que dê - pano para mangas. Talvez Raquel Henriques da Silva ou João Leal, que tanto se empenharam no recente movimento contra a extinção do MAP, venham a pronunciar-se nos próximos dias. Bem sei que estamos todos em campanha, mas há coisas em que vale a pena ir para além do soundbite.