Sobre o "milagre" sueco na Educação

1. As free schools na Suécia são uma realidade demasiado pequena para serem responsáveis pela melhoria ou pela pioria do desempenho do sistema educativo. Parece ser esse um erro comum aos textos do Prof. Espada (que nelas imagina o “milagre sueco”) e do Hugo Mendes (no ponto 3 do seu post, cai na tentação de responsabilizar as free schools da queda da Suécia nos rankings internacionais, embora reconsidere mais à frente). Como se pode ver no gráfico abaixo, o número de alunos do ensino obrigatório inscritos em free schools é de +/- 10% (e cerca de 20% no ensino upper-secondary).

 

 

2. O que caracteriza a reforma educativa dos anos 90 na Suécia é a sua reforma administrativa, mais do que o tipo de escolas (as free schools são somente uma espécie de escolas com contratos de associação em estado avançado). A liberdade de escolha não se fixou na opção dos pais, concentrou-se antes no sistema, de alto a baixo, trazendo a abertura dos currículos, das metodologias, dos processos de contratação de professores e dos instrumentos de avaliação. O resultado foi uma maior dependência na capacidade de liderança nas escolas, com a descentralização da tomada de decisão. Não é certo se produziu efeitos positivos ou negativos (cada escola é um caso), mas é certamente esta reforma administrativa que o Prof. Espada aprecia e o leva a falar de “milagre sueco”.

 

3. É falso o que diz o Hugo Mendes (no seu ponto 5) acerca da recolha de informação socioeconómica dos alunos suecos. Esta é feita sistematicamente e em todos os distritos. E também é falso que não existem exames nacionais na Suécia, pois estes são obrigatórios no 9º ano, para a passagem do ensino obrigatório para o upper-secondary, e são por isso realizados em todo o país. O que nem todas as escolas fazem é exames externos durante o ensino secundário, uma vez que esta avaliação externa é opcional.

 

4. As free schools obtiveram bons resultados, em geral melhores do que as escolas municipais. Note-se que estamos a falar de escolas públicas (i.e. cujo acesso é público) e onde, à partida, as regras de entrada são iguais às municipais, com alunos de todos os níveis socioeconómicos. Claro que algumas (não é a regra) estão localizadas nas zonas mais ricas das cidades, tornando-se a escolha dos alunos com níveis socioeconómicos mais elevados, mas também se instalam noutras zonas e o mesmo acontece com as escolas municipais. No gráfico abaixo, notamos que a percentagem de sucesso (passagem do ensino obrigatório para o upper-secondary) é superior nas free schools comparativamente às escolas municipais. Claro que, face ao número de alunos nas free schools (apenas 10%), esta comparação tem óbvios limites.

 

 

5. A comparação entre os desempenhos de Portugal e Suécia no PISA2009 deve ser mais prudente. Enquanto é inegável que há uma tendência de leve descida na Suécia, os resultados de Portugal no último PISA rompem com a tendência construída pelos anteriores resultados (i.e. estagnação). Ou seja, no caso português é necessário que o próximo PISA confirme a melhoria observada no PISA2009 para que se possa falar de tendência (não esqueçamos que a subida de Portugal no PISA é abrupta e inesperada, um caso raríssimo entre países desenvolvidos).

 

6. Concordo com o ponto 6 do post do Hugo Mendes. Não conheço o detalhe da amostra de alunos suecos recolhida para o PISA2009, mas é certo que o aumento da imigração é um factor importante e que pode estar relacionado com a queda nos rankings (ver no gráfico abaixo o aumento do número de alunos imigrantes). Será, quanto muito, um entre diversos factores que explicam o caso sueco.

 

 

7. A Suécia mantém-se como um excelente exemplo de reforma administrativa de sucesso. A descentralização do seu sistema educativo responsabilizou mais os agentes educativos; houve dificuldades de adaptação que foram sendo ultrapassadas e alguns processos foram corrigidos. Não há como negar que o sistema educativo sueco funciona e que, apesar das especificidades da sociedade sueca, tem características exportáveis (até porque muitas não são exclusivas à sociedade sueca e existem um pouco por todo o mundo). Mas se procura inspiração, talvez a direita portuguesa devesse olhar um pouco mais para a Nova Zelândia, onde a aproximação à realidade portuguesa é mais fácil (por algumas semelhanças sociais e por ter implementado uma descentralização mais moderada do seu sistema educativo).

 

[Gráficos retirados Facts and Figures 2010, Skolverket.]

publicado por Alexandre Homem Cristo às 19:17 | partilhar