Carácter

Há hoje uma deriva perigosa de exacerbação do sentimento genético lusitano da inveja do sucesso alheio, que se dirige de forma particular a todos quantos exercem cargos de natureza político - partidária. Enquanto continua sem se fazer uma discussão séria sobre quais devem ser as remunerações e regalias que lhes devem ser justamente atribuídas, em função dos respectivos níveis de responsabilidade, qualquer pretexto serve para pôr em causa, de forma generalizada, a honra dos titulares destes cargos. A polémica deste fim-de-semana em torno do subsídio de alojamento auferido por alguns membros do Governo é um bom exemplo deste tipo de análise ligeira e da tendência para a adjectivação excessiva de alguns órgãos de comunicação social e de diferentes analistas e comentadores.

 

Pego, por maior proximidade, no exemplo do Ministro Miguel Macedo porque creio que o mesmo é eloquente destas apreciações prévias. Miguel Macedo é de Braga. Tem casa em Braga. Tem a família em Braga. Tem ligações profissionais históricas a Braga. Exerce cargos políticos em Braga. É um Bracarense de gema que, provavelmente, voltará a Braga quando deixar de exercer o tipo de cargos nacionais que exerce, continuamente, há quase duas décadas (como deputado ou membro do governo). Tal como a esmagadora maioria dos portugueses, perante a situação do mercado de arrendamento e do mercado imobiliário em geral, tomou a opção comum de ter preferido adquirir uma segunda habitação na zona de Lisboa, pela qual até poderá ter contraído um qualquer financiamento bancário (que, a existir, corresponderá à assunção de uma responsabilidade financeira mensal), do que arrendar uma habitação neste seu local de trabalho. Porventura, nesta segunda hipótese, muitos já considerariam o subsídio legítimo. Todavia, como se trata de uma habitação de que é proprietário, o mesmo já não se aplica, sendo publicamente rotulado de todo o tipo de epítetos menos abonatórios.

 

Na verdade, porém, a lei (boa ou má) não distingue esse tipo de situações e dá origem à atribuição automática desse subsídio a quem se encontra (como muitos mais se encontraram no passado recente) na situação de Miguel Macedo. Como o próprio frisou, este não era apenas um direito legal que lhe assistia, mas era também uma situação em que nada foi ocultado. Com o carácter que lhe conheço há muitos anos, Miguel Macedo prescindiu deste direito - no que foi secundado por José Cesário e José Pedro Aguiar-Branco pela única razão de que considera que, neste momento, não se pode prejudicar o trabalho do Governo com a discussão destas questões claramente acessórias". O que não deixa de ser curioso é que estou plenamente convicto que se Miguel Macedo e os outros governantes tivessem tomado a opção de prescindir desse subsídio aquando da sua tomada de posse, teriam merecido dos críticos de agora os mesmos comentários gozões sobre o carácter "alegórico" dessa decisão, como já aconteceu em relação a muitos dos cortes de regalias decididos pelo actual Governo. É que, qualquer que seja o caminho empreendido, não abdicam de ser os juízes da ética, da moral e da vergonha dos outros.

publicado por Ricardo Rio às 16:23editado por Paulo Marcelo às 17:35 | partilhar