(mais) Um ataque de Valter Lemos à nossa inteligência

 

Valter Lemos, seguindo o seu famoso e de má memória modus operandi, escreveu ontem um artigo no DN que é um massacre à inteligência. Utilizando a sua fantasiosa imaginação para sugerir que a liberdade de escolha proposta pelo Governo consiste em pôr as escolas a escolher os seus alunos, o ex-Secretário de Estado denuncia aquilo que ele julga ser a agenda oculta de Nuno Crato para a Educação: uma espécie de criação de ghettos educativos para destruir a escola pública.

 Como a paciência para estas coisas escasseia, vamos por pontos:

 

1a. O Governo não vai pôr as escolas a escolher os alunos.

1b. Sim, isso significa que o artigo do Valter Lemos é um absurdo completo. E desonesto, evidentemente.

 

2a. A liberdade de escolha da escola não existe em Portugal. No ensino básico, por exemplo, os pais podem escolher até 5 escolas, mas apenas na sua área de residência ou trabalho. O que o Governo pretende é que essa limitação à área de residência ou trabalho deixe de existir. Ou seja, nada altera quanto aos critérios preferenciais na seleção dos alunos. Há uma enorme diferença entre critérios preferenciais (para a seleção dos alunos nas escolas) e obrigatoriedade (para os pais escolherem a escola).

2b. Sim, isso significa que o artigo do Valter Lemos se inicia com uma tremenda desonestidade – não é crível que um ex-Secretário de Estado da Educação não o soubesse.

 

3a. Nos países que o Ministro Nuno Crato referenciou como os principais modelos de inspiração, EUA e Inglaterra, a existência de liberdade de escolha não permite às escolas selecionar os seus alunos – precisamente porque é sabido que as escolas escolheriam de acordo com critérios socioeconómicos.

3b. Sim, toda a argumentação de Valter Lemos cai por terra.

 

4. Para acabar, a minha parte preferida, em que Valter Lemos demonstra uma chocante ignorância. É que todo o último parágrafo do seu artigo nasce de uma leitura errada (i.e. invertida) de um gráfico, que reproduzo exatamente abaixo (“No More Failures, Ten Steps to equity in Education”, OCDE, 2007, p. 64).

 

 

A partir deste gráfico, Valter Lemos afirma:

“os países com maior liberdade de escolha são igualmente os que têm maior segregação escolar (Hungria, Bélgica, Itália, Holanda, Luxemburgo, Eslováquia e México), e os países com liberdade de escolha mais condicionada, sujeita à obrigatoriedade ou prioridade da residência, são os que apresentam menor segregação escolar (Islândia, Canadá, Noruega, Finlândia, Suécia)”. DN, 5 de Dezembro 2011

Numa única frase, temos dois erros fundamentais. O primeiro nasce da já referida confusão entre os critérios preferenciais para a seleção dos alunos pelas escolas e a obrigatoriedade dos pais limitarem a escolha à sua zona de residência ou trabalho, resultando na deliciosa conclusão que há mais liberdade de escolha na Hungria e no México do que na Suécia. Uma conclusão, no mínimo, revolucionária.

O segundo erro é concluir que a menor segregação escolar no Canadá, Islândia e países escandinavos tem alguma relação com o seu sistema educativo, quando se está a falar das sociedades que, no mundo, têm menores índices de desigualdade, e que têm, entre si, diferentes sistemas educativos. É o elementar do pensamento científico: se os sistemas de ensino e graus de liberdade de escolha são diferentes, não pode existir uma relação causa-efeito. Ora, Valter Lemos utiliza estas duas conclusões, comprovadamente erradas, para sustentar uma “correlação” entre a liberdade de escolha e a segregação escolar. Como terá ficado percetível, tal não acontece.

publicado por Alexandre Homem Cristo às 15:58 | partilhar