Crónicas do Planeta Oval: Os Galeses à conquista do Grand Slam

Entretanto, e sem ninguém cá dar por isso, o País de Gales venceu no fim-de-semana passado um Torneio das Seis Nações com muitas caras novas e alguns grandes jogos.
A última jornada será amanhã, mas a única dúvida é saber se os Dragões vão alcançar o Grand Slam (o triunfo no torneio só com vitórias) ou se os Franceses vão a Cardiff estragar a festa, como fizeram em Outubro no Mundial da Nova Zelândia, quando eliminaram os favoritos Galeses na meia-final em que Warburton foi injustamente expulso aos vinte minutos, obrigando as tropas vermelhas a travar o resto da batalha sem o capitão. Agora, depois de uma excelente campanha nos antípodas, os Reds estão prestes a fazer-se coroar como a melhor equipa do hemisfério norte e será uma doce vingança se a taça vier com um Grand Slam - diante do seu público e nas barbas dos frogs. Há no ar um perfume a crowning years, esses anos 60 em que os mantos de púrpura de Gareth Edwards, Barry John, Phil Bennett, Gerald Davies, J.P.R. Williams, Mervyn Davies, Terry Holmes e outros príncipes de Gales dominaram gloriosamente o rugby europeu. 
Não deixa de ser irónico, porém, que o título de 2012 lhes tenha sido oferecido de bandeja pela velha inimiga Inglaterra, o underdog da presente edição. Em fase de mudanças, depois de um Mundial para esquecer, depois de trocar o carismático Martin Johnson por um quase desconhecido Stuart Lancaster no cargo de mister, depois de ver  Wilkinson, o melhor jogador de sempre com a camisola da rosa, sair do palco internacional pela porta pequena, depois de mandar embora meia equipa, incluindo Tyndall, o anterior capitão suspenso por conduta imprópria escassos meses após casar com uma neta da Rainha (nem queiram saber), depois de tudo isto, estes bifes sem chá foram a Paris derrotar o outro favorito. Dupla ironia, aliás, porque os bifes sem chá tinham sido até agora o adversário mais difícil dos Galeses e só um golpe de génio do suplente Scott Williams, que aproveitou a única falha da muralha branca em Londres, permitiu marcar o ensaio que deu a vitória aos homens do Principado a um breath taking quarto de hora do fim (ainda houve tempo para um ensaio  - bem - anulado aos anfitriões na última jogada, com a Velha Albion, dentro e fora do estádio, suspensa do vídeo como se fosse o anúncio da rendição alemã em 45). 
Mas o duelo franco-inglês do passado Domingo não foi menos épico. A limpeza de balneário feita por Stuart Lancaster, que incluiu o estreante Robshaw a capitão e o jovem Owen Farrel a abertura, trouxe um novo moral à home fleet. A Inglaterra acabou a primeira parte em alta, graças a dois ensaios sem resposta, e parecia ter arrumado o assunto aos 71 minutos com o brilhante ensaio de um Tom Croft a jogar como há muito não se via. Pura ilusão. Num incrível esforço final, os Bleus marcaram a cinco minutos do desfecho (ensaio do novo centro Fofana, a melhor coisa que apareceu em Paris desde a chegada da Mona Lisa ao Louvre, e conversão imaculada de Parra), deixando o resultado em nada fleumáticos 24-22 a favor dos visitantes. Os irredutíveis gauleses ainda conseguiram o turnover no recomeço (bela joga de Rougerie, finalmente ao melhor nível) e trabalharam com nervos de aço o ruck que permitiria a Trihn-Duc o drop de misericórdia. E Trihn-Duc, recém-entrado para o lugar de Beauxis, fez o que lhe competia. Pôs-se em frente aos postes, esperou a bola até ao derradeiro instante, chutou-a com conta, peso e medida - e falhou... O Parque dos Príncipes nem queria acreditar: a flecha vitoriosa passara escassos centímetros abaixo dos postes. Bonsoir, Azincourt. Au revoir, Seis Nações.
A jornada de amanhã, no entanto, está longe de ser apenas para cumprir calendário. Matematicamente, a Inglaterra ainda pode igualar Gales em número de pontos se vencer a Irlanda (difícil...) e a França ganhar em Cardiff (ainda mais difícil...), embora a derrota no confronto directo entre os vizinhos britânicos determine sempre o triunfo galês. Em Roma, entretanto, a Itália e a Escócia discutem como habitualmente a colher de pau, o troféu imaginário atribuído ao último classificado. Voto nos highlanders, que estão a jogar melhor, com Richie Gray a pontificar no alinhamento e David Denton, um nº 8 em fulgurante ascensão, a ganhar a linha da vantagem.  Quanto aos Azzurri, que tinham um pack capaz de enfrentar qualquer um mas não tinham três-quartos, não renovaram o contrato com o treinador sul-africano Nick Mallett para mudar as coisas. E mudaram - agora não têm pack nem três-quartos. Toda a gente louvou o ensaio do gaulês Malzieu em Roma, mas os erros dos Italianos também mereceriam uma coroa de louros (os Italianos são assim, até os seus erros são gloriosos): perderam a introdução na mêlée, um pormenor impensável com Mallett, o 8 francês Picamoles correu sem apoio mas sem oposição uns preciosos 30 metros e, no fim, Malzieu fintou quatro adversários a uma tal velocidade que o primeiro defesa a falhar a placagem ainda foi o último a falhar outra vez em cima da linha de ensaio. 
Resumindo e concluindo.
Revelação: Wesley Fofana, um ensaio em cada jogo (quatro ao todo, só batido pelos cinco do irlandês Tommy Bowe) e a França a perceber finalmente que Rougerie rende mais com um primeiro-centro inteligente e criativo do que ao lado de um cepo como Mermoz.
Confirmação: George North, 19 anos e já um dos melhores pontas do mundo (Shane Williams tem sucessor à altura, embora o estilo seja bem diferente).
Melhor defesa: Inglaterra, extraordinária a velocidade com que sobe a pressionar o abertura contrário, uma pressão que valeu dois ensaios tirados a papel químico contra a Itália e a Escócia e dois jogos abaixo de cão aos experientes Priestland, de Gales,  e Beauxis, da França. O sucesso dos homens de Lancaster passa muito por aqui.
Melhor ataque: Irlanda et pour cause Gales. É um regalo ver a movimentação colectiva dos celtas. E amanhã, já se sabe, estou por eles.  Go Ireland! Go Wales!
 
 
publicado por Pedro Picoito às 19:45 | partilhar