Uma Encarregada de Educação

"Todos os cidadãos portugueses (em particular os que assumem especiais responsabilidades na transmissão do património linguístico às gerações futuras) têm, mais que o direito, o dever de desobediência (artº 21º CRP: "Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias...") e de objecção de consciência (artº 41º nº 6 CRP) a recomendações ministeriais ilegais, além de prematuras e de impraticáveis em muitos aspectos.

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 O espírito da Lei, em particular da CRP, tal como se apresenta à leitura do cidadão médio, coloca o Estado na posição de defensor da língua, não confere de modo algum ao Estado o poder de alterá-la com o propósito de torná-la instrumental para fins políticos.

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 Escrita e oralidade são meios autónomos e complementares de manifestação do saber linguístico, em cada idioma. A importância da língua escrita (e da sua norma gráfica) é tanto maior quanto mais complexa e "textualizada" for a vida e a memória de uma sociedade, de uma cultura. A ortografia é garantia incontornável da estabilidade da língua escrita como elemento-chave da identidade nacional, visto que assegura em si mesma a inteligibilidade e a continuidade na transmissão do acervo histórico-cultural, da memória colectiva, de geração em geração, e é além disso portadora de uma simbólica e uma poética próprias, cuja delicada subtileza e riqueza se relacionam intimamente com a antiguidade da língua em apreço e com todo o património literário que lhe está associado.

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 É o Estado que, por estar subordinado à Lei, se subordina à língua; não é o Português que está sob a alçada do Estado. Uma coisa será oficializar-se o que o uso já consagrou, ajustar-se a norma a uma evolução natural, espontânea, que já se verificou no correr do tempo; outra bem diferente, e inadmissível, é o Estado pretender mudar a língua por decreto, tentar operar nela uma "evolução artificial" sejam quais forem as motivações. A língua é algo vivo e delicado, a respeitar, com reverente humildade, na sua antiguidade e no seu futuro."

 

A carta.

publicado por Carlos Botelho às 01:19 | partilhar