A Igreja só se pode queixar de si própria

O documento que irá ser apresentado amanhã em Fátima, à margem da assembleia plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), revela que nos últimos 12 anos os católicos diminuíram 7,4%, passando de 86,9% da população para 79,5%

 

Esta notícia não surpreende, afinal a Igreja (ou, pelo menos, algumas dioceses com Lisboa à cabeça) têm feito um excelente trabalho em perseguir os casos de sucesso na captação de gente nova para as missas e para a própria Igreja. Querem exemplos? Eu dou.

 

Há poucos meses recebi um e-mail convidando para uma missa a celebrar no LX Factory, a Alcântara, para festejar o regresso a Lisboa do Nuno Tovar de Lemos, padre jesuíta e meu amigo. O e-mail começou a circular e houve muita gente a responder afirmativamente, incluindo muita gente de fora dos habituais dos jesuítas. Assim, numa noite a meio de uma semana de Inverno, transidos de frio, mais de seiscentas pessoas estavam no LX Factory para uma missa. Mas não houve missa, tendo o Nuno justificado que havia muita gente desligada da Igreja, pelo que se decidiu por fazer uma 'homenagem a Deus', com testemunhos vários e mais umas coisas. Correu bem, claro, apesar do evidente improviso. A história que corre, sem confirmação dos envolvidos, é que não é uma bonita homenagem a Deus: aparentemente o sucesso do convite para a missa no LX Factory incomodou um certo movimento conservador, que fez chegar as suas objecções ao inevitável Cardeal Patriarca de Lisboa que, por sua vez terá ligado ao provincial dos jesuítas proibindo uma missa num local profano como o LX Factory. É isto que se pretende, portanto: uma Igreja que se reúne em locais assépticos, que não vai de encontro ao mundo, que não se dá a conhecer, uma comunidade de puros que olha com desconfiança tudo o que é novidade pelo facto de ser novidade (não que uma missa num local diferente de uma igreja seja novidade; eu própria já participei numa missa presidida por D. José Policarpo na alameda da cidade universitária). Uma Igreja de fariseus, portanto. Uma Igreja que se envergonha - só pode! - de Jesus, que tudo fez para ir de encontro àqueles que mais dEle estavam afastados. E uma Igreja que não percebe que Deus está em toda a parte da Sua Criação, incluindo num centro comercial de arquitectura industrial. Curiosamente, várias organizações profanas trabalharam para possibilitar aquela concorrida missa, enquanto a Igreja a inviabilizou.

 

Outro exemplo é a missa dominical do CUPAV, aos domingos na Igreja do Colégio de São João de Brito, mais uma vez celebrada pelos jesuítas ligados ao CUPAV. A igreja está sempre à cunha (e é grande) e, sendo uma missa destinada a universitários, tem uma percentagem de gente nova que não se deve encontrar noutra missa em Lisboa. As missas são alegres, animadas, com grande participação dos leigos. Os padres dizem coisas inteligentes, têm sentido de humor, evidentemente não vivem numa redoma. Ora o sucesso desta missa também incomodou algumas almas, que lá se deslocaram para vigiar o que se passava. Como não havia heresias a que se pudessem agarrar, causou celeuma a disposição da Igreja, que tem o altar no meio da Igreja e da assembleia, levando a que durante a missa um dos lados da assembleia apresente as suas costas ao Sacrário. (Durante uma missa, refira-se, o centro é o altar, não o Sacrário). Não faz mal que em inúmeras igrejas antigas o Sacrário seja lateral e as costas de algumas pessoas que participam na missa também se dirijam ao Sacrário, agora que isso suceda numa missa de grande sucesso é que não pode ser.

 

A diocese de Lisboa (no Porto, dizem-me, o bom senso é uma realidade conhecida) e, porventura, outras no país têm boa solução se querem ter resultados mais agradáveis a Deus: é darem menos importância aos delatores (para usar uma palavra ainda assim simpática), é não promover as invejas nem os egozinhos pequenos e mesquinhos e aproveitar - e até copiar - quem não tem falta de gente nas missas e noutras actividades.

 

Nota, não vá o que escrevi afligir mais umas almas: o que escrevo implica-me apenas a mim e não tenho dúvidas que, se lhes tivesse perguntado, os jesuítas que me são mais chegados me teriam dito para não escrever nada. Mas eles sabem que eu gosto muito de fazer uso de uma característica maravilhosa que Deus felizmente me deu: o meu espírito crítico.

publicado por Maria João Marques às 18:29 | comentar | partilhar