Fim do euro (32) Muro de protecção

Com o resultado das eleições gregas – um país ingovernável – demos mais um passo em direcção ao abismo. O país vai ter que cortar a despesa pública em mais 11 mil milhões de euros até Junho, para continuar a receber ajuda, e não parece que tal venha a ser conseguido. Nem parece que as novas eleições no próximo mês mudem o actual estado de coisas.

 

Como foi então noticiado pelo jornal “i”, desde o início deste ano que as autoridades europeias estão a pensar em deixar a Grécia sair do euro, estando a preparar esta saída, através da criação de um muro de protecção (firewall) à volta deste país, para evitar o contágio a outros países.

Este projecto tem duas “pequenas” falhas. A primeira é a ilusão de que é possível construir um tal muro de protecção. A segunda é a debilidade do muro que se tem criado e prevê criar. Vejamos cada um destes problemas em detalhe.

 

A mera ilusão de que é possível criar uma barreira que impeça o contágio é o pecado original deste processo. Parece que os líderes europeus se convenceram, ou se quiseram convencer, de que tal coisa seria possível, sem ter havido a mais leve dúvida sobre o assunto. Assumiu-se rapidamente que era alcançável tal coisa e passou-se logo para a discussão de como o concretizar.

 

O BCE tem na sua carteira cerca de 40 mil milhões de euros de dívida pública, que diminuiriam drasticamente de valor se a Grécia sair do euro. Para além disso, o Banco da Grécia deve mais de 100 mil milhões ao resto dos bancos da zona do euro, que jamais poderá pagar se o país deixar de pertencer ao euro.

 

Há imensas incógnitas neste cenário, nomeadamente qual a desvalorização do dracma face ao euro, mas se aplicarmos a taxa de perdão da dívida de três quartos que envolveu a recente reestruturação da dívida grega chegamos facilmente a perdas superiores a 100 mil milhões de euros para o conjunto do Eurosistema (composto pelo BCE mais os bancos centrais nacionais da zona do euro). Estas perdas conduziriam à falência, quer do BCE, quer de todos os bancos centrais envolvidos, incluindo o Bundesbank e o Banco de Portugal. Alguém imagina que seja possível criar um muro de protecção em relação a esta catástrofe? Parece-me evidente que isto despoletaria um tsunami de desconfiança, que não deixaria nada de pé.

 

Se um país minúsculo como a Grécia, que representa apenas 2% do PIB da zona do euro, pode provocar efeitos tão devastadores, o que se poderá esperar de mais uma saída? Temos também que recordar que a saída da Grécia vai testar a paciência dos alemães, que têm um ditado que diz que “é melhor um fim com horror do que um horror sem fim”.

 

Face a tudo isto o segundo problema referido inicialmente, o da insuficiência do muro de protecção, torna-se quase irrelevante. Mesmo assim, este muro, que é o Mecanismo de Estabilidade Europeu, está dotado de um montante insuficiente e com capacidades limitadas, não podendo, por exemplo, recorrer directamente ao BCE.

 

Em resumo, a convicção de que seria possível isolar a Grécia do resto da zona do euro levou a uma dura intransigência por parte dos parceiros europeus, mesmo quando o país estava numa espiral recessiva que só agravava as contas públicas. A reestruturação incompreensível levada a cabo, com todos os custos do incumprimento, mas sem os benefícios de tornar a dívida pública sustentável intensificaram o sentimento grego da inutilidade dos seus presentes esforços.

 

Tudo isto provocou uma revolta contra os partidos que estavam de acordo com as condições da troika e trouxe o país à sua actual situação de ingovernabilidade que, deve sublinhar-se, foi criada também pelos parceiros europeus. É bem possível que estas eleições gregas tenham iniciado o processo de desagregação do euro. 

 

[Publicado no jornal “i”]

publicado por Pedro Braz Teixeira às 16:32 | partilhar