Renato a 5 de Junho de 2012 às 13:20
Eu tenho um filho com oito anos que está no terceiro de escolaridade. É a minha mãe, professora do primário reformada, que o vai buscar à escola e o acompanha nos trabalhos de casa. É a minha mãe que me diz que no tempo dela (que começou no início de 60), a matemática, por exemplo, não tinha a mesma complexidade e que não era exigido tanto aos miúdos. Eu próprio o sei. Sei também, porque já vi os manuais dos mais velhos, que ao longo da sua carreira escolar a complexidade dos conhecimentos científicos exigidos é muito maior do que era antes, sem qualquer comparação. Tem de se perceber que o ensino antigamente não visava criar homens e mulheres qualificados, o mundo português era um mundo simples, estagnado, com poucas ambições de nível científico ou qualquer outro. A maior ambição da maior parte das pessoas era tirar o exame da terceira classe para poder tirar a carta de condução, por exemplo.
Quanto ao português, parece-me que o único argumento que vejo frequentemente (o único?) é que as crianças antigamente davam menos erros. Isso é curioso, porque lido com adultos com mais de 50 anos (muitos licenciados) todos os dias e vejo-os a dar muitos erros de palmatória e sem saber construir frases. Para além da sua dificuldade em interpretar textos e sobretudo em criar. Para além de se escrever bem o português, tem que saber interpretar um texto e sobretudo tem de saber criar e isso dá trabalho, que os miúdos antigamente não tinham, A leitura é essencial. E eu, com os meus 48 anos, sei que no meu tempo as crianças liam menos do que lêm agora. Condição essencial, é terem mais livros em casa, e isso de facto, têm, outra condição é lerem efetivamente, e isso fazem-no. Para além de que a qualidade das leituras é muito maior agora. Toda a gente me fala dos clássicos. Quantos portugueses com mais de cinquena anos conhecem os clássicos portugueses? Leram efetivamente, para além dos trechos que lhes davam nos compêndios escolares?
Sei que existiam polos de excelência no ensino. Sobre isso, devo começar por dizer que os pólos de excelência atuais são hoje em maior número e muito melhores. Falando em escolas de topo, qualquer miúdo do Infanta Dona Maria daria uma abada, no que quer que seja, a um miúdo do liceu Camões nos anos 60. Para além disso, temos a média, isso sim, é o mais importante. E a média actual é muito melhor do que a média de há quarenta, cionquenta anos. Já para não falar da indigência ainda mais completa de tempos mais antigos.
Antes de se citar o VGM (ou outros arautos)tem de se perceber que o padrão dos miúdos de antigamente não era o VGM, um tipo que se gaba de ler os clássicos latinos na lingua original. Parece-me mesmo que a sua única preocupação é o latim, falado por ele e por meia dúzia de gajos do seu tempo (é o que ele conhece do seu tempo, não sabe mais nada). Ora a esmagadora maioria dos poucos do tempo dele que sabem latim, limitam-se a declinar umas coisitas que decoraram. Era esse o padrão.
As ideias feitas aparecem de modo misterioso. É o ensino e é o mito, eterno, de que antigamente não havia corrupção nem cunhas.
Concordo veementemente com o comentário anterior.
Eu tenho dois filhos, um de 8 e outro de 12, ambos na escola pública e ambos bons alunos. Acompanho mais ou menos o que eles aprendem, e espanto-me. Espanto-me, sinceramente, com o nível de complexidade e de abrangência dos programas escolares atuais, muitíssimo superiores aos do meu tempo. Em matemática e em estudo do meio (ciências da natureza, etc), especialmente, o nível de complexidade das coisas que se ensina aos miúdos chega a ser cruel. O ensino no meu tempo era muitíssimo mais simples.
Repito, esta conversa de que a educação de hoje é facilitista é conversa de pessoas de direita que não têm filhos. Como não têm filhos, em matéria de educação não passam de treinadores de bancada. Se tivessem que, efetivamente, ajudar, como a minha mulher regularmente ajuda, os filhos a fazer os trabalhos de casa, veriam que a educação de hoje é tudo menos uma brincadeira.
Por isso, queridos direitistas, digo-vos uma coisa: deixem de dar palpites sobre a educação, saltem para a cama e tratem de fazer crianças. E, depois, de as educar. Vão ver que é mais difícil do que mandar bitaites.
Ja que se mostra tao disposto a trazer a sua casa para este espaco, diga la exactamente o que estao a ensinar aos seus filhos de 8 e 12 que chega a ser cruel. Curiosidade minha. (Peco desculpa pela falta de acentos.)
Peço desculpa pelo atraso na resposta. Leia por favor dois posts que coloquei hoje no meu blogue.
A. Santos a 5 de Junho de 2012 às 19:48
Renato:
Estamos perante uma discussão estéril e sem fim. Para alguns maduros hoje é tudo uma rebaldaria, ninguém sabe nada de nada (excepto os seus filhos, bons alunos, aplicados, sabedores). Para outros, o antigamente, que é essencialmente o Estado Novo (já ninguém tem memória da República, muito menos da Monarquia), aquilo era um deserto, só analfabetismo, autoritarismo e miséria moral. Não é possível conciliar estas duas narrativas antagónicas, com verdade e mentira em ambas.
Nunca saberemos se o ensino de antigamente (e qual é o verdadeiro limite temporal de antigamente?) era melhor e mais exigente do que o de hoje.
Talvez seja impossível sabê-lo por uma razão simples: À sala de aulas chama-se, nos meios académicos que estudam a Escola e o Ensino, a «caixa negra», no sentido em que pouco se sabe verdadeiramente do que lá se passa (em cada uma e em todas as salas de aula). Onde estão os registos dos trabalhos, dos testes, da evolução das aprendizagens?
Do passado temos a nossa memória (uma história que contamos a nós próprios), que nos traça um panorama idílico: sabíamos muito, estudávamos muito, tivemos professores excepcionais que nos marcaram para a vida. Temos apenas alguns exemplares de exames nacionais e de manuais escolares. Mais nada, estudos científicos comparativos onde os há? Eu não conheço.
Eu tenho alguns manuais escolares do meu tempo, finais dos anos 50 (primária) e anos 60 (liceu). Que pobreza franciscana. Salva-se o excepcional livro de matemática de J. Calado (capa preta esverdeada).
Quando fiz o exame nacional do 1.º ciclo do liceu (hoje 6.º ano), em 1963, dispensei com mais 152 no meu liceu, num universo relativamente pequeno (liceu mais colégios particulares, algumas centenas de alunos, talvez menos de 500. Que dificuldade aquilo deve ter tido).
Portanto, a cada um a sua verdade, a realidade é outra coisa, cada vez há mais licenciados, mestrados, doutorados e investigação (hoje vi em Trás-os-Montes, na UTAD, dois investigadores com um projecto para aproveitar as fibras dos desperdícios da indústria dos cogumelos para fins alimentares. Com aplicação na indústria da doçaria. Em Trás-os-Montes, não no Centro Gulbenkian de Ciência de Oeiras nem nas Universidades históricas do Porto ou de Coimbra).
«Os cães ladram e a caravana passa».
Quero com isto dizer que não há problemas? NÃO.
Houve algum tempo sem problemas? NÃO.
E no resto da sociedade tudo se passa como dantes, como nos bons velhos tempos ídílicos da boa Escola? Não.
Tempos margem para melhorar muito? TEMOS.
Renato a 6 de Junho de 2012 às 11:42
A. Santos, é sempre possível melhorar e vai haver sempre falhas e insucessos. Mas parece que muitos passaram a exigir, nos últimos quarenta anos, a perfeição total, como se dissessem: vamos lá a ver então se estes tipos afinal conseguem fazer de Portugal uma Suiça.
Mário Abrantes a 6 de Junho de 2012 às 11:56
A comparação do ensino 'hoje' e do ensino do 'tempo da outra senhora' corre o risco de ser um exercício inconsequente - a menos do interesse, para os manuais de história, da caracterização do ensino ao longo dos tempos.
Porque o objectivo do ensino é servir as sociedades em tempo real, o exercício adequado que há a fazer é responder à pergunta: O ensino actual serve as necessidades de Portugal, enquanto país inserido na UE, enquanto país inserido no mundo actual?