Lviv, aliás Lvov, aliás Lemberg

A cidade onde, mais logo, a nossa selecção vai jogar com a alemã, tem atrás de si, está assente num passado próximo pouco simpático - muito pouco simpático. Situa-se numa região historicamente muito complicada que já passou por várias mãos no século passado - mãos ensanguentadas.

Esta Lviv é a Lvov dos livros de História do século XX. E já tinha sido a Lemberg, quando a sua região, a Galícia, pertencia, até 1918, ao Império Austro-Húngaro. Uma região etnicamente complicada, já se está a ver. População polaca, ucraniana, uma élite burocrática do Estado constituída por Austríacos e Checos germanófonos. E Judeus - em 1910, 28% da população de Lemberg.

Na Galícia, de que faz parte também a localidade de Oświęcim (mais conhecida por Auschwitz), já tinha havido episódios de tremenda violência no séc. XIX. Por exemplo, em 1846, o levantamento da nobreza agrária polaca contra Viena resultou em horríveis massacres de famílias inteiras desses latifundiários por parte dos camponeses ucranianos, que permaneceram fiéis à coroa imperial. A essa fidelidade, manifestada tão selvaticamente, não será alheio o estado de servidão em que os Ucranianos eram mantidos pelos seus odiados Senhores polacos. Estes, denunciavam, chocados, os liberais, tratavam aqueles como se fossem gado.

 

 

 No quadro do polaco Jan Lewicki, O Massacre da Galícia, podem ver-se oficiais austríacos, sob um edital com a águia bicéfala, pagando aos camponeses pelas cabeças dos nobres polacos. Não sei se as coisas se passaram exactamente assim e se estas cenas não serão produto da propaganda nacionalista polaca - seja como for, o desaparecimento da face da Terra daqueles incómodos fidalgos não deixou de ser oportuno para o velho Metternich, lá em Viena...

 

 

Depois, no século XX, nas ruas de Lvov (muitas mantêm-se inalteradas, em Lviv), assistiu-se (por vezes, literalmente) a cenas muito feias - mesmo muito feias, para uma cidade europeia. Em 1918, ainda a Grande Guerra não tinha oficialmente terminado, mas com Carlos I da Áustria, na prática, já sem Império e prestes a abdicar, foi proclamada, a 1 de Novembro, a República Popular da Ucrânia Ocidental. Como capital, Lvov. Literalmente da noite para o dia, as tropas imperiais estacionadas na cidade transformaram-se no exército da nova república - as suas unidades eram quase integralmente constituídas por Ucranianos. A maioria polaca da cidade, naturalmente, preferia integrar-se na Polónia nascente cujas fronteiras não estavam ainda definidas. Deu-se um levantamento contra a tropa ucraniana, em que se destacaram as Jovens Águias de Lvov (Orlęta Lwowskie), um conjunto de voluntários adolescentes a que, depois, se juntaram mais polacos.

 

 

Postal polaco de Lemberg
 
 
Dois membros dos Orlęta Lwowskie
 
 As forças ucranianas acabaram expulsas da cidade, no dia 21 - foi a partir desta data e durante três dias, que militares e populares polacos atacaram as minorias ucraniana (agora indefesa) e judaica. Nestas alturas, aproveita-se sempre para ajustar contas com os culpados do costume. Resultado: algumas centenas de mortos. A guerra que se seguiu com a Polónia acabou por levar à extinção da nova república ucraniana e à integração da Galícia no novo país da Europa Central. Lvov foi, até à II Guerra Mundial, a terceira cidade polaca mais populosa (depois de Varsóvia e Lodz), com um dialecto próprio, muito influenciado pelo Yiddish.
publicado por Carlos Botelho às 17:46 | partilhar