Do dever social de somar (2)

 

Não saberemos ser justos, caridosos e humanos, se não soubermos olhar para cada homem e para cada mulher como um ser concreto e único, com dignidade pessoal.
Mas argumentei aqui que também não cai fora dessa mesma preocupação social a soma das parcelas, o olhar para os custos das várias benesses que atribuímos e das barreiras de protecção que, bem intencionadamente, elevamos à volta dos desfavorecidos. Se o bolo é limitado, optimizaremos o cuidado social se optimizarmos o modo sábio de o dividir equitativamente, atendendo às diferentes necessidades e urgências.
(Há uma saída alternativa que é tentar aumentar o tamanho do bolo; concedo, mas concedam-me também que isso é o mais difícil em tempos de recessão, e é o que sempre se promete mas dificilmente se consegue. Portanto, essa saída existe, e vamos explorá-la; mas reconheçamos que essa saída matiza, mas não anula, o problema que descrevi.)
Quando se passa para a dimensão geral, do orçamento, da dívida, e se propõem os cortes necessários, não venham acusar (pelo menos automaticamente) de perder de vista as pessoas reais e concretas, e os seus sofrimentos. Pode dar-se o caso de a razão porque se está a procurar cortes é para ir atender a outros fogos, a outros sofrimentos, outras preocupações sociais, em última análise, a outras pessoas.
Pode-se argumentar que esse gesto seja infeliz, que o equilíbrio que se conseguiu ficou pior do que o anterior, ou que ainda ficam outros sofrimentos por resolver. Mas não se pode argumentar à partida que isto se faz apenas por desrespeito a quem viu a sua porção reduzida.
É mais emotivo fazer um Telejornal com o choro de quem ficou sem um 13º mês que lhe era devido (e era mesmo) mas, em situação de ruptura orçamental, há sempre outro choro a ter em conta, caso se tivesse dado essa quantia.
Cada "reivindicante" que se pergunte: a minha dor (ou a dor daqueles que me preocupam) é mesmo maior do que a do vizinho, ou só dói mais porque é minha?
No fundo trata-se só disto: não reduzamos o nosso olhar sobre a política, essa (potencialmente) nobre arte de equilíbrios, de compromissos, de casar ideais com realismos, a uma mera sinalização de dores sociais, que pode acabar por ser desequilibrada e, por isso, irresponsável.
É tão claro o diagnóstico de que temos um problema sério no estado geral de saúde do país… não estranhemos que andem por aí cirurgiões a preparar-nos incisões dolorosas. Nem toda a gente que nos espeta uma lâmina é agressor ou assassino. Há também a hipótese (só uma hipótese!) de que tenha um plano e que o conjunto da acção seja em nosso favor. O que não está certo é negar a doença geral cada vez que se vê sangue…
Há cortes em ordenados e pensões que se devem desejar precisamente em nome da nossa preocupação social.

publicado por Pedro Gonçalves Rodrigues às 12:34 | partilhar