Cair no abismo respeita a Constituição

O presidente do Tribunal Constitucional (TC) deu uma entrevista em que fez várias considerações políticas sobre consolidação orçamental. Segundo ele (mas quem é que o elegeu para isto?) a consolidação passa necessariamente pelo aumento de impostos e talvez, vagamente, pela redução da despesa.

 

Em primeiríssimo lugar, como é possível este abuso de poder? O senhor presidente do TC nunca ouviu falar em separação de poderes? Não percebe que não lhe cabe tomar decisões sobre eventuais inconstitucionalidades com base numa agenda política particular?

 

Não se sabe ainda se o presidente do TC vai aderir ao BE ou fundar um novo partido político anti-partidos. Sim, porque as suas declarações, para além de entrarem claramente no campo político, alinham na demagogia contra os partidos políticos, ao sugerir que se cortem os subsídios a estes. Esta ideia começa por roçar o anti-democrático, alimentando todos os ressabiamentos contra o sistema actual. Depois, é demagógica, como se a eventual poupança nestes cortes ajudasse de alguma forma significativa a cobrir o “buraco” deixado pela decisão do TC. Finalmente, é insensata por não perceber que reduzir os subsídios aos partidos é a forma mais directa de garantir o aumento da corrupção. Aliás esta ideia, a par do acórdão do TC, revelam mais uma vez uma justiça que vive no mundo da lua, que não faz a mais pequena ideia nem se preocupa com as consequências indirectas das suas decisões.

 

Para além do desastre da decisão do TC, que abre a porta à bancarrota, parece que há novas portas a abrirem-se para garantir que Portugal vá à falência, o mais rápido possível. Fala-se em abolir os cortes no subsídio de Natal deste ano e contestar também a constitucionalidade (!) da eliminação de alguns feriados.

 

Ficamos a saber que entrar em bancarrota respeita integralmente a Constituição, mas que tomar medidas para impedir a bancarrota é totalmente inconstitucional. O mais irónico disto tudo é que a bancarrota traria consequências tão graves, que ultrapassariam muitíssimo os cortes que agora são considerados inconstitucionais.

 

Os juízes do TC andam a brincar com o fogo. Mas parece que só daqui a uns tempos é que virão a ter consciência disso. Portugal está a caminho de imitar a Grécia, não porque há revoltas violentas nas ruas, não porque o consenso político se estilhaçou na AR, mas porque o TC não ponderou as consequências da sua decisão. Quando a Grécia sair do euro e se instalar uma catástrofe gravíssima neste país, talvez os juízes do TC possam finalmente perceber o tipo de labaredas que estão a atear.

 

Na verdade, esta Constituição nasceu torta, a Assembleia Constituinte chegou a estar sequestrada em Novembro de 1975 e, pelos vistos, nunca se vai endireitar. “Endireitar” num duplo sentido: i) corrigir; ii) ser compatível com um governo de direita.

 

Por isto, já há bastante tempo que tive a expectativa de que Cavaco Silva faria como de Gaulle, colocando uma nova constituição a referendo. É chocante termos uma constituição enviesada ideologicamente, quando deveria ser neutra. Mas também há muito que deixei de acreditar na visão e coragem do actual Presidente da República que, também dizem as sondagens, é o pior PR desta democracia.

 

PS. O líder da JSD saiu em defesa de Miguel Relvas, considerando um “exagero” as reacções à “licenciatura” do ministro. O que mais espanta nesta gente, na política desde pequeninos, é a total ausência de intuição política.

 

[Publicado no jornal “i”]

publicado por Pedro Braz Teixeira às 07:03 | comentar | partilhar