Reset Nacional

 

 

Nos tempos duros que vivemos sentimos de forma mais aguda os defeitos patentes das nossas instituições: não é difícil desiludirmo-nos com o nosso parlamento, os nossos partidos, com o comportamento de uma ou outra classe profissional, com os nossos jornalistas, até com "o povo português" em geral.


Nota-se mais, agora que não há dinheiro para esconder os problemas, a falta que faz a virtude: se houvesse nestes grupos mais gente honesta, veraz, trabalhadora, generosa, leal, audaz… ainda tínhamos alguma hipótese de nos renovarmos como povo e como país.


A falta de virtude das instituições não é mais do que a soma das faltas de virtude das pessoas que as compõem, dirigem, sustentam. Vem-me à cabeça muitas vezes, nestes dias, uma frase de um santo do nosso tempo: «estas crises mundiais são crises de santos». Exprime bem este défice, o pior défice de todos, o da falta de virtude, de forças morais, de rectidão, que apodrece toda e qualquer estrutura social desde dentro.


Chegámos a este ponto porque preferimos a mentira à verdade, o cómodo ao árduo, o egoísmo ao espírito de serviço. Não estou nada certo que estejamos perto de mudar livremente estas atitudes de fundo, ainda que as circunstâncias nos estejam a obrigar a mudar alguns comportamentos externos.


Vamos varrendo da nossa educação, do nosso debate público, das nossas leis, as referências morais, os pontos de apoio para a exigência pessoal, a luta por construir virtudes. Não estranhemos depois se nos encontramos a viver num Portugal mesquinho, preguiçoso e concubino da mentira.


Parece-nos dispensável a disciplina na educação, a fidelidade no casamento, a ajuda aos mais fracos, o pudor nos media, a moderação nos comodismos, a paciência para os de lá de casa, a perseverança no esforço. E esperamos que todas estas qualidades em falta brotem espontaneamente nos homens que elegemos para nos governar, no dia da tomada de posse.


A miséria moral não começa no que se vê no Telejornal: cruzamo-nos com ela no elevador, está logo ali nos nossos vizinhos. E quando vamos sozinhos no elevador se calhar também lá está, a olhar-nos do espelho.


E é aqui que se pode mudar a nossa conversa nacional de desconfiança e desespero numa conversa de esperança. Sim, está aí no espelho, o Portugal que pode mudar já hoje, o único Portugal que é preciso criticar, e ao qual é preciso exigir mudança. O resto são as tretas que nos trouxeram até onde estamos hoje.

publicado por Pedro Gonçalves Rodrigues às 16:23 | comentar | partilhar