A posição que o Pedro designa por "realista" parece-me, a mim, em larga medida irrealista.
Realista é dizer, como o BE e o PCP dizem, que a dívida é tão grande que jamais poderá ser paga, que a austeridade deprime de tal forma a economia do país que torna a dívida ainda mais impagável, e que renegociar a dívida é imprescindível.
A. Samora a 25 de Setembro de 2012 às 15:38
Podemos avançar com a conversa?
Sim, se for mesmo conversa que quizermos.
A ideia, entendimento ou metodologia, segundo a qual, "tirando a média" a duas posições, se encontra uma solução justa é ou pode ser uma falácia. O que faz do roubo um crime não é a quantidade.
O problema é, portanto, a justiça. E uma medida não é um bocadinho justa ou muito injusta. Aqui não há gradações.
Um contrato (as PPPs, por exemplo) só pode ser considerado justo se todos os intervenientes (pagantes) estiverem presentes.
A injustiça daqueles contratos torna-os inválidos, impugnáveis.
Vão ler Rawls.
Não sou especialista em PPP's, mas acredito que o assunto não seja tão fácil assim, se não já teríamos assistido a grandes vitórias do Governo nesse capítulo. Talvez isto explique algo:
http://blasfemias.net/2012/09/20/ppps-e-a-alter-austeridade/Posto isto, achei válido muito do que diz no seu comentário, e não estou a propor uma "solução média", mas sim que cada comentador se preocupe em propor um equilíbrio que considere justo, e não em defender um dos lados da balança, o que é demasiado fácil.
Que parvoíce. Então não estão presentes? Rawls diz que não estão presentes?
A. Samora a 25 de Setembro de 2012 às 16:50
Dispenso-me de adjectivar o seu comentário, Nuno.
De facto as PPPs são como o contracto sbjacente ao Estado Providência, em que se remete para as gerações futuras (que não estão presentes) o pagamento da conta.
Isto não é parvoíce. É esperteza, abuso de confiança e, bem vistas as coisas, uma certa forma de corrupção.
Repito: vão estudar Rawls.
lucklucky a 25 de Setembro de 2012 às 20:58
Caso não saiba então tem de ir buscar os ordenados de Funcionários Publicos e parte das pensões destes últimos 30 anos. Foram a maior parte da despesa que aumentou a Dívida de 15% do PIB em 1974 para mais de 120% hoje.
"..em que se remete para as gerações futuras (que não estão presentes) o pagamento da conta.Isto não é parvoíce. É esperteza, abuso de confiança..."
Não. É a Constituição que temos sem Republica Económica que dá poderes totais aos Governos fazer tudo e endividar sem limites.
A única coisa que obrigou ao travar do aumento da dívida foram os mercados.
Como nem os socialistas de esquerda ou direita querem défice zero
foram bater à porta da troika para o endividamento continuar a aumentar só que a grau menor.
Por exemplo quando o tratado de Maastrich apareceu com limite de 3% de défice e 60% de Dívida Publica foi um coro de protestos da extrema esquerda à direita o que lhe dá uma ideia do país e dos pais que os filhos têm.
Morcego a 25 de Setembro de 2012 às 19:48
Que post tão tolo, para não dizer perigoso, muito ao jeito do "just millieu". Perigoso porque, parece subentendido que o caminho é único e sem alternativa, que a realidade é una e só não a vê quem quer e mesmo que o pensamento é único (se se der tempo e espaço a cada um dos lados para se explicar), i.e., não existe ideologia, muito ao estilo destes tempos que vivemos muito virados para a tecnocracia. Ora, a realidade é felizmente bastante mais complexa do que isso e a diferença de opinião existe. Há pessoas de direita e de esquerda, liberais e conservadores (só para simplificar as coisas). Há diferenças de opinião sobre a sociedade onde cada um quer viver e o futuro que quer construir. Valorizemos e potenciemos essas diferenças, pois está aí a chave da sobrevivência da nossa democracia.
Com o seu comentário, sim, avançamos muito na conversa. Somos diferentes, valorizemos a diferença, fim de conversa.
Repare que eu não descrevi uma dicotomia entre os de direita e de esquerda, liberais e conservadores (só para simplificar as coisas). Essa já a conhecemos e estamos habituados a lidar com as dificuldades que levanta (e com as vantagens que traz, também não quero deixar de "valorizar a diferença").
O que espanta nestes dias é a total incapacidade de nos entendermos mesmo dentro desses grupos. PSD contra PSD, CDS contra PSD, etc.
Eu só digo que vejo aqui duas ordens de valores em oposição que me parece terem vias de conciliação que ainda não estão exploradas. Não disse que a solução era evidente, única, ou sequer existente.
João. a 25 de Setembro de 2012 às 22:55
“A solução para o país (se existir…) não poderá prescindir de nenhuma destas duas visões. Devíamos ocupar-nos em equilibrá-las, não em usar uma para bater na outra.”
Não há, a meu ver, uma linearidade que vai do fundamento da realidade actual à realidade actual, há uma diferença irredutível entre fundamento da realidade e a realidade fundada, quer dizer, a unidade entre fundamento da realidade e realidade fundada é, em termos hegelianos, a unidade da unidade e diferença entre fundamento e fundado.
O fundamento tem de ser diferente daquilo que funda, já que se for indêntico não funda, mas se é diferente, que explicação pode ele dar do que fundou? A meu ver, operacionalmente, terá que dar uma explicação incompleta. E qual é a verdade de uma explicação incompleta? A meu ver só pode ser o que ela não explica, ou seja, no que ela explica temos o plano da certeza no que ela não explica o plano da verdade. Por isso eu estou de acordo com as teses contemporâneas, que aliás já eram de certo modo hegelianas, de diferenciar conhecimento de verdade.
Como diz Lacan, a verdade é um buraco no conhecimento, quer dizer, é o que na explicação não chega a fazer parte senão como vazio.
O que é que opera no vazio? A meu ver é a liberdade. Por isso ela é de certa forma traumática, isto porque o próprio vazio só se recorta por contraste, com o não-vazio. E onde é que esse contraste se dá? Numa imagem, dá-se à beira de um abismo. O exercício da liberdade, então, é o atravessamento de um abismo, é um acto no vazio.
O que age no vazio é o que adquirimos até hoje mas como age no vazio é-o na forma de uma aquisição que começa por negar-se e aqui é sujeito - podemos lembrar de Jesus solicitar ao rico que abandone as suas riquezas, o que eu interpreto não tanto como uma tirada contra a riqueza enquanto tal, mas como uma convocação necessária à liberdade, a um acto verdadeiro - um acto de abandono do que é familiar (aqui novamente podemos lembrar Jesus: “(...) eu vim separar o filho de seu pai, a filha de sua mãe, a nora de sua sogra. E os inimigos do homem serão os seus próprios familiares”). O que está, a meu ver, fundamentalmente em causa na situação portuguesa é a falência das explicações, quer dizer, o aparecer da verdade da explicação.
Julgo que poderemos chegar a beirar o vazio - atrás de nós o que já não serve e à nossa frente a perspectiva de um acto puro. As forças da situação vão querer que habitemos indefinidamente à beira do abismo as forças da revolução que o atravessemos. Julgo que poderemos chegar a ter de escolher individualmente por um ou por outro – e o equilíbrio de forças nesta escolha é, a meu ver, a matéria de um conflito civil generalizado.
Aqui, neste apodrecimento do situação, quando as explicações liberais deixarem de servir, teremos, a meu ver, um conflito entre fascismo e comunismo, o primeiro movido pelas forças da situação, como último reduto do capitalismo, o segundo pelas forças da ruptura com o capitalismo, ou seja, pelos comunistas. Por isto também quem hoje faz a equivalência entre fascismo e comunismo está já a predispor-se para aceitar o fascismo; eles dizem que é para rejeitar ambos mas não é, porque a rejeição do comunismo só se dá quando os comunistas o rejeitarem e portanto, o que esta equivalência faz é a de encontrar um espaço para a afirmação do fascismo, ou seja, se os comunistas não rejeitam o comunismo não há razão para rejeitar o fascismo - esta é a tese por de trás da tese da equivalência entre um e outro.
E é por isso que para mim a equivalência entre comunismo e fascismo só é feita pelo pensamento capitalista que, assim, já se prepara para poder lançar mão do segundo contra o primeiro. A equivalência do fascismo com o comunismo por parte do capitalismo é basicamente uma tese pelo direito à existência do fascismo e como o comunismo é o único verdadeiro contraditório do capitalismo é fácil perceber como o fascismo é um reduto do capitalismo.
Este, a meu ver, é o sentido da Luta Final de que fala a Internacional Comunista, ou seja, os comunistas sabem que não há transição linear do capitalismo para o comunismo - que o capitalismo lançará mão do fascismo se ou quando o liberalismo apodrecer.
h a 26 de Setembro de 2012 às 06:20
Excelente e necessário comentário.
O que me mais me tem assustado nas últimas semanas é o nível de radicalismo e clivagens entre as categorias que identificou, e que, por comodismo vou manter.
Por exemplo, leio o Insurgente ou o Blasfémias e aquele fervor punitivo e sectário contra tudo o que é Estado apavora-me.
Leio o Camilo Lourenço e pasmo como se fala do despedimento de 100.000 pessoas sem o mínimo respeito pelas consequências sociais que tal medida provocaria. Caramba, estamos a falar de 100.000 pessoas com as vidas destruídas.
Quando os leio lembro-me da velha piada que a Economia é um assunto demasiado importante para ser tratados por economistas...
Mas, por outro lado, leio o Arrastão ou o Jugular e só lá encontro demagogias e uma visão completamente alheada da realidade. Não podemos – todos já entendemos...- fingir que não temos um nível de endividamento insuportável.
Algo tem que ser feito.
O problema está, claro está, em identificar e concretizar esse “algo”.
Sinceramente, penso que tudo o que menos precisamos agora são de ideologias radicalizadas.
Privado contra Público. Empresas contra custos laborais. Segurança laboral contra competitividade.
Chegou, se calhar, a altura de algum pragmatismo apolítico. Do género: “ Meus amigos, chegou a factura para todos pagarmos. Como é que vamos fazer isto? “
Os únicos critérios deveriam ser :
1- Todos, mas mesmo todos, devem contribuir
2- Progressivamente na medida dos seus rendimentos e posses.
Foi sobretudo nesse campo que este Governo falhou. Muitos, utilizando critérios puramente economicistas, não perceberam porque é que as alterações à TSU ( defensável sob alguns pontos de vista ) foram tão repudiadas.
É simples: porque as pessoas sentiram que estavam a fazer sacrifícios para tornar o Belmiro de Azevedo, ou o Ricardo Salgado ainda mais ricos, enquanto elas eram obrigados a resvalar para um nível de vida diferente do que têm .
Da mesma forma que há um ano os FP sentiram que estavam a empobrecer enquanto aos privados nada sucedia. E do outro lado da barricada chamaram-lhes privilegiados ou parasitas.
Não estou a dizer que concordo ( pelo menos em absoluto) com os sentimentos que descrevi. Apenas que eles eram palpáveis, perceptíveis.
E mais cedo ou mais tarde viriam á superfície.
Bom, de qualquer forma, mais uma vez os meus parabéns pelo post.
Tim a 26 de Setembro de 2012 às 07:42
A Grécia já obteve perdão para 80% da dívida...
E nós?!...
Faço notar que a Grécia está (depois de tão perdoada) numa situação económica muitíssimo pior do que a nossa. O seu futuro é extremamente sombrio. Uma coisa é baixar a dívida mantendo relações de confiança com empresas estrangeiras e investidores, outra é defraudar toda a gente. Penso que a Grécia vai é pagar a dobrar esses 80%.