“As questões ancestrais de Epicuro permanecem ainda por responder:
Será que [Deus] quer evitar o mal, mas não consegue? Então, é incapaz. Será que é capaz, mas não quer? Então, é malévolo. Será que é capaz e quer? De onde surge então o mal?"
David Hume, Dialogues Concerning Natural Religion, pt. 10
Bem sei que não satisfaz plenamente e, sobretudo, não consola suficientemente a quem vive o "mal" que é sempre a morte ou o sofrimento.
Mas as questões teóricas merecem ser pensadas e levadas a sério, mesmo que sejam só isso mesmo.
Para mim, ajudou-me perceber nos clássicos que o mal é a ausência do bem devido (uma pedra não ter braços não é mal; já um homem sem uma perna é um mal terrível).
O mal enquanto graduação de bem muda tudo.
Um químico dirá que uma droga tem um vitalidade extraordinária: não é um mal. E quem provou diz que a Cocaína é muito boa! Um vulcão é extraordinário e diz-nos que há vida no planeta.
O mal surge, pois, por referência ao bem devido. E aquilo a que chamamos "mal" é um desencontro de "bens".
Ao percebermos que o bem em absoluto não existe na nossa experiência de seres (o mais próximo que lhe conheço é a paixão e o amor quando nos faz estar "totalmente" presentes ao outro e simultaneamente a nós próprios), percebemos que o "mal" é afinal a nossa condição de seres finitos, relativos. De outro modo não haveria liberdade, não poderíamos escolher, pois o bem impunha-se a nós próprio (não é isso que sucede com o vício?).
Digo isto, porque ajuda a perceber, mas sei que não consola nem compreende (fecha) nada. Deixará na mesma muitos insatisfeitos. Claro que sim. E é bom que deixe. É sinal que o "mal" não é a nossa casa. Porque na verdade, a percepção do mal enquanto ausência do bem devido apenas abre portas, não fecha. Levanta questões, não responde. Mas aponta-nos o nosso caminho de humanidade. É isso que somos também: mistério. Abs, F
O Cachimbo de Magritte é um blogue de comentário político. Ocasionalmente, trata também de coisas sérias. Sabe que a realidade nem sempre é o que parece. Não tem uma ideologia e desconfia de ideologias. Prefere Burke à burqa e Aron aos arianos. Acredita que Portugal é uma teimosia viável e o 11 de Setembro uma vasta conspiração para Mário Soares aparecer na RTP. Não quer o poder, mas já está por tudo. Fuma-se devagar e, ao contrário do que diz o Estado, não provoca impotência.