Diz o
João Pinto e Castro:
«Friedman foi simultaneamente um grande economista, um polemista temível e um perigoso demagogo. Compreende-se que a opinião pública confunda as três dimensões...»
Ainda bem que é o João a afirmá-lo, por dizer algo parecido do Krugman ainda tenho o ouvido a zumbir do
apito do João Galamba, alegando que não se pode fazer essas distinções, que assim se isola a economia do mundo, etc. Mas voltando ao que o João P.C. diz ser o seu argumento central, a prosperidade dos últimos 30 anos, continuo a não perceber exactamente a extensão da afirmação. O Friedman já cá estava há mais de 60 anos quando os últimos 30 começaram, e mesmo sendo verdade que as suas ideias tiveram mais eco no período que o João P.C. aponta, também temos de reconhecer que quer a produção de ideias quer de políticas está bastante disseminada na sociedade contemporânea, pelo que, aceitando colocá-lo como uma figura de destaque, não podemos ignorar a dimensão do movimento, a sua heterogeneidade e a legitimação política a que várias práticas mais liberais foram sujeitas. Friedman faz então parte deste movimento cujos resultados, segundo o João P.C., não são então nada de especialmente interessante quando colocados, por exemplo, em perspectiva no séc. XX em toda a sua extensão. E aqui discordo do João P.C., a prosperidade gerada recentemente não tem paralelo histórico nem no seu volume e nem na sua disseminação face a outros períodos do séc XX. Penso que o João P.C. alega taxas de crescimento, mas isso é uma forma enganadora de avaliar a prosperidade, por um lado porque quando passamos de 1 para 2 a taxa é efectivamente mais elevada do que quando passamos de 100 para 150, por outro porque os volume e distribuição de riqueza são tais que os países mais ricos passam a poder cometer diversos luxos, como seja despreocupar-se um pouco com o crescimento económico medido pelo incremento em taxa do PIB, para passar a preocupar-se com outros factores que não são propriamente monumentos à eficiência económica mas que trazem outro tipo de riqueza às sociedades, nomeadamente diversas políticas sociais, preocupações ecológicas, de conforto e qualidade de vida, ajuda internacional e um sem número de outros exemplos nesta linha de pensamento. Se por um lado é virtualmente impossível replicar as taxas de crescimento iniciais, porque o incremento marginal passa depois a ser menor a partir de certa acumulação de factores 2+2 de uma economia de mercado, por outro é a própria sociedade que escolhe adoptar objectivos adicionais. Os países em desenvolvimento, com outro tipo de prioridades, e fazendo as escolhas mais ou menos tradicionais da economia de mercado, conseguem atingir taxas efectivamente altas - só neste início de séc XXI, a taxa de crescimento dos países desenvolvidos mais do que duplicou.
Penso que Friedman ajudou a uma melhor compreensão da, vá lá, máquina capitalista, e não sendo todas as suas conclusões acertadas, penso que o sentido delas o é, nomeadamente a importância da liberdade e da iniciativa nos mercados e de como ela é essencial para a prosperidade, assim como é acertado o sentido da desconfiança face aos poderes públicos. Junto-me já ao João P.C. se ele disser que Friedman esticou em demasia os dois argumentos (embora certamente discordaríamos na "intensidade"), mas foi a este estilo de acção e iniciativa no mercado que Keynes chamou os "animal spirits", e não consta que o objectivo fosse colocá-los numa jaula ou contratar um exército de domadores.