O Henrique Raposo,
aqui, a respeito
dum artigo do Baptista Bastos, escreve:
'Não sei, nem quero saber, se Baptista-Bastos foi preso pela PIDE.'Pois, devia querer saber. É que a PIDE não era propriamente o Grémio Literário. Os hóspedes dos calabouços da PIDE não passavam uns serões agradáveis com os anfitriões a discutir amenamente filosofia política. Escrever aquilo não é equivalente a dizer: 'Não sei, nem quero saber, se Baptista Bastos jantou na Trindade' ou 'Não sei, nem quero saber, se Baptista Bastos viajou até Paris'.
Independentemente da justeza possível do pretexto do Henrique Raposo (a história das casas da CML),
seja o Baptista Bastos quem for e seja ele como for, aquelas coisas não se dizem. Eu também não sei se o Baptista Bastos foi ou não preso por aquela admirável corporação - para o caso é irrelevante. O que importa aqui é que, para começar, o título do
post do Henrique Raposo é insultuoso. E, tendo em conta o tipo de polícia que era a PIDE e
o que ela fazia, escrever '
a PIDE é o nirvana desta esquerda mumificada', é, desculpem, indecente. Mesmo sendo verdade que alguém use isso como uma "condecoração" (há decerto quem o faça), tal não justifica a falta de respeito por essa pessoa. E, deixem-me que vos diga, aquele que mostre qualquer coisa como um "orgulho" em ter passado (literalmente) pelas mãos daqueles agentes é merecedor, não de desprezo ou de mofa, mas de respeito. Mesmo que essa vítima (é a palavra) se integre numa orientação política também potencialmente torcionária. Porque, mesmo esse, não deixa de ser alguém que, um dia, foi vítima de um regime iníquo que prendia ilegalmente, roubava e torturava - por "delito de opinião". Ou acham que a PIDE era a PSP? E não venham com comparações
quantitativas entre as vítimas daquela nossa polícia e as da
Gestapo. (Um mal "menor" não é menos mal por ser posto ao lado de um "maior".)
Não é possível discordar-se de certas práticas opressivas e, ao mesmo tempo, usar essas mesmas práticas e a sua memória nas vítimas como arma de arremesso contra as mesmas vítimas.
Para evitar excitações, convém deixar claro que seria igualmente impróprio fazer as mesmas observações a propósito dos que sofreram às mãos da Stasi ou do NKVD.