Sob a calçada, o deserto (III)



"RAYMOND ARON - [O Maio de 68] nunca foi uma situação verdadeiramente revolucionária, salvo na última semana em que, depois dos acordos de Grenelle, houve uma recusa das bases em aceitar aquilo que era oferecido aos grevistas. Então, durante essa semana, observaram-se fenómenos muito comparáveis aos de 1848: já não havia gente nos ministérios, os funcionários desapareciam. (...) Como se viesse uma vaga revolucionária, como se o regime francês estivesse tão instável, tão precário tão frágil como no passado. Foi o que mais me impressionou.
JEAN-LOUIS MISSIKA - Foi isso o que o levou a passar à acção?
R.A. - Não, não. Era a continuidade do Carnaval que me enervava um pouco.
DOMINIQUE WOLTON - Então há a crise das instituições ou há o Carnaval? Não é o mesmo.
R.A. - Há as duas coisas. Em França, as relações entre os professsores e os estudantes não eram muito íntimas nem muito boas em geral. Os professores tinham estudantes a mais, teses a mais. E, de repente, estudantes e professores confraternizaram e trataram-se por tu, trataram-se pelo primeiro nome. Era inteiramente ridículo porque não eram relações reais." (cont.)
Raymond Aron, O Espectador Comprometido, 1983 (1981)
publicado por Pedro Picoito às 18:40 | partilhar