E agora?
A decisão do TC coloca-nos numa encruzilhada. Não se pode acusar o Governo de falta de determinação e coragem em combater o défice, antes pelo contrário. Mas este cartão amarelo coloca a maioria liderada por Passos Coelho perante o seu momento de verdade que vai marcar os próximos anos de governação.
O caminho mais fácil é criar uma taxa “extraordinária” de IRS, a acrescer aos 70% de carga fiscal sobre a classe média trabalhadora, entre impostos directos e indirectos. Mas o problema é mais fundo: é o próprio modelo de estado social que não deixou de ser sustentável. Seria um erro pensar que subir impostos, como se mexe numa linha de ‘Excel’, resolve alguma coisa. A execução orçamental deste ano está aí para o demonstrar.
Convém lembrar que os portugueses, até agora, têm vindo a aceitar pacificamente os sacríficos porque perceberam o que nos trouxe até aqui. Mas isso só se vai manter enquanto estiverem convencidos que o caminho da austeridade, apesar de difícil, serve para alguma coisa, reduzindo as dívidas que nos aprisionam. Ou seja, que a história não se repete todos os anos, com sacrifícios cada vez piores para as futuras gerações.
É necessário, por isso, ir mais fundo. Não bastam cortes horizontais em salários e pensões ou trinchar gorduras e ‘consumos intermédios’, como tem feito o Governo. Apesar de positivo este esforço não está a chegar. É preciso ir mais longe, mudar de paradigma. O que implica redefinir o papel do Estado: para além das funções de soberania (segurança, justiça, defesa…) não é possível manter o Estado como o principal prestador de serviços de educação e saúde. E não digo isto por razões ideológicas, que também existem, mas porque simplesmente não há dinheiro. Repito: a única forma de salvar o nosso Estado social é reformá-lo, inclusive o estado paralelo, com os seus institutos e fundações. Quanto mais tempo demorar mais difícil será. Se por teimosia nada fizermos, vamos ver-nos ‘gregos’, sem dinheiro para o essencial, como pagar salários e pensões ou ajudar os mais necessitados.
Paradoxalmente a decisão do TC abre caminho a uma reforma mais profunda do Estado. Ao colocar ‘público’ e ‘privado’ no mesmo plano os juízes vêm admitir implicitamente o despedimento de funcionários públicos – o nosso último grande tabu pós-revolucionário. Isto implica que, se houver coragem para extinguir organismos públicos inúteis (ERC, FCM, entre muitos outros) fica aberta a porta a uma espécie de despedimento colectivo, o que até agora nunca aconteceu, uma vez que os ‘funcionários’ eram sempre reintegrados noutros serviços públicos, ajudando a engordar o Estado.
Repito: estamos numa encruzilhada que se tornou o momento da verdade para este Governo. Em Itália, para evitar subir o IVA, Mário Monti anunciou cortes de 26 mil milhões com o despedimento de funcionários públicos e redução das autarquias. Apesar das dificuldades, subir impostos é sempre uma escolha e nunca uma inevitabilidade.