Não resisto a apresentar o contraditório ao post do Miguel, em particular no que diz respeito a uma possível ameaça de instauração de um regime de cariz islâmico na Tunísia. Nos meus anos magrebinos aprendi que é um erro ignorar as profundas diferenças sociais, económicas e políticas de cada um dos países que constituem a região do Magrebe. Assim não só sou céptica a uma visão do perigo islâmico como a uma visão do início de uma "quarta vaga" da democratização.
É verdade que tudo está em aberto e um dos maiores perigos que a Tunísia enfrenta é o vácuo político. Substantivamente estávamos perante um regime de partido único, e à parte dos sindicatos, actualmente não existe nenhuma força política bem organizada e implantada naquele “pequeno” país. Mas ao contrário do que acontece em muitos países árabes, Ben Ali não tinha necessidade de recorrer a uma narrativa do medo do poder islâmico, porque efectivamente ele não existia.
Também discordo com as visões românticas e politicamente mais interessantes (reconheço) que nas últimas semanas foram apresentadas: de uma revolução iniciada pela emulação de um jovem licenciado profundamente descontente com a falta de emprego e com o sistema político autoritário e corrupto, quando na verdade o que na realidade aconteceu foi a reacção extrema (numa cultura que valoriza a imagem do mártir) de um jovem licenciado mas vendedor ambulante que, como milhares de outros, viu negada a sua licença de venda. Uma situação que em paralelo representa não só uma das únicas batalhas ganhas pelo regime – a educação – e a fragilidade da economia tunisina, onde o sustento da esmagadora maioria da população provém da economia paralela. Ou como também já vi uma revolução liderada pelos meios de comunicação que exigiam maior liberdade de expressão.
A verdade é muito simples. Coube ao exército tunisino, por via da inacção, o mérito de derrubar o regime e este, constituído por homens bem formados e oficiais com vasta experiência de cooperações internacionais, até agora tem tido um papel exemplar neste processo.
As sementes do progresso: a educação, a abertura da economia e a internacionalização, que Ben Ali ( gostemos ou não) foi introduzindo, deram os seus frutos.