Devemos preocupar-nos com a Demografia? (III)
Neste terceiro post da série fico-me por uma observação algo técnica, numérica. Trata-se de fazer um exercício pensando sobre como seria uma hipotética recuperação dos números da população depois de um declínio demográfico.
Costumamos falar de Demografia olhando para a taxa de fecundidade - em termos simplificados diríamos: o número de filhos por mulher. Ora a baixa taxa dos últimos tempos é preocupante porque há 30 anos que não renovamos gerações. Somos um país a envelhecer.
Mas convém reparar que tem um efeito de segunda geração também muito importante: se nos propusermos um objectivo de recuperar o número total de portugueses depois de algum tempo com taxas de fecundidade baixas, não nos bastará ter taxas mais altas na mesma proporção durante um tempo semelhante. Isto porque podemos recuperar no número de filhos por mulher, mas já não iremos a tempo de evitar que as mulheres que estarão então a ter mais filhos sejam em menor número.
Esta análise das taxas de fecundidade abrangendo duas gerações, e propondo-nos um "objectivo" de população (tipicamente, como referência, a manutenção da população actual) é muito reveladora. Os pais de amanhã não teriam de "compensar" apenas os pais menos fecundos de hoje, teriam adicionalmente de compensar o menor número de pais que estará vivo nessa altura, devido à baixa de fecundidade de hoje. Teriam de fazer também o "trabalho" dos irmãos que não tiveram, para dizê-lo de alguma maneira.
(alguns leitores sentirão um desconforto por esta conversa como se se tratasse de "produção industrial" de bebés. Tenham paciência, eu também os acompanho nesse desconforto, noutros posts tentarei compensar com uma visão humana mais completa e digna)
Podíamos continuar este raciocínio para gerações seguintes, mas admito que não faz sentido avançar a futurologia muitas décadas para a frente, pois entram em jogo tantos factores incógnitos que é um exercício fútil. Este olhar que propus, de cerca de 20 anos para a frente (uma geração), parece-me ainda fazer sentido. Trata-se de reconhecer que a actual taxa de fecundidade reduzida cria uma redução de crianças hoje e uma pressão sobre a taxa de fecundidade da geração seguinte: a taxa mede o número de filhos, mas é o número de filhos por mulher. Com menos mulheres é precisa uma taxa mais alta para se chegar ao mesmo número de crianças nascidas.
É como se houvesse um "juro" sobre a "dívida" das crianças que ficaram por nascer... e isso faz com que o declínio demográfico seja mais difícil de inverter.