Quarta-feira, 25.07.12

Devemos preocupar-nos com a Demografia? (III)

 

Neste terceiro post da série fico-me por uma observação algo técnica, numérica. Trata-se de fazer um exercício pensando sobre como seria uma hipotética recuperação dos números da população depois de um declínio demográfico.

 

Costumamos falar de Demografia olhando para a taxa de fecundidade - em termos simplificados diríamos: o número de filhos por mulher. Ora a baixa taxa dos últimos tempos é preocupante porque há 30 anos que não renovamos gerações. Somos um país a envelhecer.

 

Mas convém reparar que tem um efeito de segunda geração também muito importante: se nos propusermos um objectivo de recuperar o número total de portugueses depois de algum tempo com taxas de fecundidade baixas, não nos bastará ter taxas mais altas na mesma proporção durante um tempo semelhante. Isto porque podemos recuperar no número de filhos por mulher, mas já não iremos a tempo de evitar que as mulheres que estarão então a ter mais filhos sejam em menor número.

 

Esta análise das taxas de fecundidade abrangendo duas gerações, e propondo-nos um "objectivo" de população (tipicamente, como referência, a manutenção da população actual) é muito reveladora. Os pais de amanhã não teriam de "compensar" apenas os pais menos fecundos de hoje, teriam adicionalmente de compensar o menor número de pais que estará vivo nessa altura, devido à baixa de fecundidade de hoje. Teriam de fazer também o "trabalho" dos irmãos que não tiveram, para dizê-lo de alguma maneira.

 

(alguns leitores sentirão um desconforto por esta conversa como se se tratasse de "produção industrial" de bebés. Tenham paciência, eu também os acompanho nesse desconforto, noutros posts tentarei compensar com uma visão humana mais completa e digna)

 

Podíamos continuar este raciocínio para gerações seguintes, mas admito que não faz sentido avançar a futurologia muitas décadas para a frente, pois entram em jogo tantos factores incógnitos que é um exercício fútil. Este olhar que propus, de cerca de 20 anos para a frente (uma geração), parece-me ainda fazer sentido. Trata-se de reconhecer que a actual taxa de fecundidade reduzida cria uma redução de crianças hoje e uma pressão sobre a taxa de fecundidade da geração seguinte: a taxa mede o número de filhos, mas é o número de filhos por mulher. Com menos mulheres é precisa uma taxa mais alta para se chegar ao mesmo número de crianças nascidas.

 

É como se houvesse um "juro" sobre a "dívida" das crianças que ficaram por nascer... e isso faz com que o declínio demográfico seja mais difícil de inverter.

publicado por Pedro Gonçalves Rodrigues às 09:49 | comentar | ver comentários (9) | partilhar
Terça-feira, 24.07.12

Devemos preocupar-nos com a Demografia? (II)

 

Num post anterior discuti o modo como o declínio da natalidade num país remete sempre para um problema cultural: temos de ver se estamos confortáveis com a ideia de na próxima geração termos um Portugal com muito menos população, ou com uma população (imigrada) muito diferente. É uma alternativa: ou teremos uma ou a outra; e ou isso nos incomoda ou não.

 

À primeira vista, para quem goste de multiculturalidade e abertura, tudo isto podia parecer indiferente. Queria agora argumentar que além dos perigos culturais há também perigos económicos.

 

Ter muito menos população, e uma pirâmide demográfica invertida, gera tantos problemas económicos que nem vale a pena deter-me a listá-los. E com a dívida que temos, e uma segurança social que promete o que não pode cumprir, ainda se torna mais grave.

 

E a outra hipótese: podíamos compensar com imigração? Certamente tiraríamos algumas vantagens: os imigrantes podem chegar pobres, mas trazem sempre consigo alguma riqueza humana e cultural que abrilhanta o nosso país. Mas se o fenómeno for demasiado vasto não podemos deixar de observar que nos arriscamos a encontrar daqui a uns anos um país de desenraizados, de gente em dificuldades (porque é difícil emigrar), de famílias quebradas (porque os emigrantes vêm muitas vezes separados), de gente que está a começar do zero.

 

Ou seja, mesmo uma imigração bem sucedida, quando é em larga escala, não pode deixar de "queimar" uma ou duas gerações que terão a vida complicada com as dificuldades de integração, da adaptação à língua, aos costumes, ao clima, à alimentação, às instituições, etc...

 

É muito mais fácil educar um bom português num lar português do que transformar um emigrante num bom português. Se tantas vezes os emigrantes nos dão provas do contrário, dando-nos exemplo em tantas virtudes, é só um sinal maior da falência de alguma da nossa educação: é fazer pior o que era mais fácil...

 

Não afirmemos de ânimo leve que o nosso declínio de natalidade "se resolve", ou que "se resolve com imigração", ou que "depois já vemos como nos safar". Um forte decréscimo na população autóctone de um país é sempre um problema sério, de consequências vastas e prolongadas no tempo.

publicado por Pedro Gonçalves Rodrigues às 13:27 | comentar | ver comentários (11) | partilhar
Segunda-feira, 23.07.12

Devemos preocupar-nos com a Demografia? (I)

 

Na sequência de vários posts aqui no Cachimbo que tocaram este tema, queria deixar também algumas reflexões sobre o assunto. Em diversos posts tentarei abordagens diversas ao assunto.

 

A primeira observação é que a preocupação pelo declínio na fecundidade em Portugal, como em qualquer outro lugar, remete para um problema cultural.

 

Ou seja, olhamos para o número de filhos dos portugueses, mas também olhamos para os fenómenos migratórios. Nascem menos portugueses, mas podem vir para cá muitos estrangeiros e o número de habitantes mantém-se constante. O que fica em causa é a identidade do país, a cultura que será fruto desse mix de gente. Para algumas pessoas isso é preocupante, para outras é absolutamente indiferente.

 

É bem verdade que o Portugal que temos hoje é fruto de muita mistura populacional, pois somos um povo aberto, emigramos e admitimos bem a imigração. É uma das nossas qualidades, e essa abertura é ela mesma um traço da cultura portuguesa. Portanto "o Portugal que eu amo" inclui traços de África, do Brasil, de muitos países da Europa, de influxo cultural americano, etc.

 

Com o declínio da fecundidade observado nos últimos anos entre os portugueses, torna-se certo que a população futura, olhando para os próximos 20 ou 40 anos, ou será muito menor, ou será muito diferente (se houver imigração). A própria diminuição de população autóctone é um convite à imigração, pois as estruturas existentes no país "pedem" quem as ocupe e as faça perdurar.

 

Não imagino nem desejo que a cultura portuguesa daqui a 20 anos possa ser igual à de hoje: de tão grande e variado "caldo" de gente sempre surgirão coisas novas.

 

Mas temo que possamos assisitir a uma mudança demasiado grande, demasiado rápida (porque o nosso inverno demográfico tem essa escala), e que haja um declínio cultural que venhamos a lamentar. Sei que outras pessoas com opinião distinta sobre os valores de Portugal e do passado português não se preocuparão muito com isto (e espero que em 2012 já se possa escrever esta frase sem temer leituras paranóicas centradas no Estado Novo...). Os nossos tempos não são nada bons na preservação de tradições e de valores culturais, são muito melhores em abraçar revoluções e engolir indiscriminadamente estrangeiradas. A troca de uma boa parte da população do país por gente de outros lugares não vem em boa altura.

 

Isto sem paranóias nacionalistas: sou a favor de que a imigração continue tão livre como até agora, e que as pessoas escolham as suas influências culturais também em liberdade. Venham daí os de fora, enriquecer-nos culturalmente como até agora. Mas não será demais pedir só isto: gostava que mais dos portugueses de amanhã fossem educados em lares portugueses de hoje...

publicado por Pedro Gonçalves Rodrigues às 16:25 | comentar | ver comentários (10) | partilhar

Cachimbos

O Cachimbo de Magritte é um blogue de comentário político. Ocasionalmente, trata também de coisas sérias. Sabe que a realidade nem sempre é o que parece. Não tem uma ideologia e desconfia de ideologias. Prefere Burke à burqa e Aron aos arianos. Acredita que Portugal é uma teimosia viável e o 11 de Setembro uma vasta conspiração para Mário Soares aparecer na RTP. Não quer o poder, mas já está por tudo. Fuma-se devagar e, ao contrário do que diz o Estado, não provoca impotência.

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