É claro que a esta atrapalhação bolseira não é alheio o cansaço das personagens. O cansaço físico, mais do que o político. Esse cansaço é bem real para quem está naquelas funções, por mais detestável que seja o protagonista. Mas, na verdade, esta cena é o resultado de andar a fazer anúncios de mundos e fundos em catadupa. O primeiro-ministro não consegue acompanhar o passo da sua própria vertigem propagandística. À força de querer mostrar, anunciar este número e mais este e ainda este aqui, Sócrates e parceiros enredam-se e enrodilham-se na trapagem confusa das suas medidas, atiradas a esmo através das televisões, num delírio numérico que mal nos deixa respirar.
O anúncio (mais um...) do aumento das vagas do "ensino profissional" de 90 000 para 125 000 é revelador de quais são as verdadeiras preocupações do primeiro-ministro a respeito da Escola e de como ele a vê. Por um lado, para Sócrates, a Escola é, primeiro que tudo, um meio de que se serve descaradamente para fazer propaganda. Por outro, repisa a importância do "ensino profissional" não, note-se, para dotar jovens de "qualificações", que valeriam por si e poderiam alargar perspectivas profissionais, mas sim para diminuir o "insucesso" e o "abandono escolar". Explica ele, sábio, que o "ensino profissional" costuma registar mais "sucesso".
Parece, então, que a Escola já não é bem uma Escola: pelos vistos, deverá antes ser um sítio para os jovens estarem, cumprindo a função de estar simplesmente ali, com "sucesso" praticamente garantido.
Pense-se no efeito que estas lérias do primeiro-ministro, esta associação praticamente necessária entre "ensino profissional" e "sucesso"/"não-abandono escolar", que este discurso intoxicante tem nos rapazes e raparigas que demandam aquele ensino - muitos deles com uma auto-estima escolar muito débil e com objectivos inexistentes. Pessoas como estas são facilmente condicionadas por aquele discurso de Sócrates. Ele diz-lhes, num certo sentido, o que elas, devido à sua fragilidade escolar e social, querem ouvir. Entram naquele "ensino" convencidas de antemão que, ali, o sucesso é muito mais acessível - por outras palavras, que aquele "ensino" requer não um outro tipo de esforço, mas sim menos esforço. Ora, como sabemos, estas predisposições reproduzem-se e acabam por condicionar o trabalho e os critérios de avaliação que os professores aplicarão aos alunos. Não é preciso ser um génio para se perceber os efeitos que isto terá na qualidade do tal "ensino". Depois veremos as "competências" com que os jovens sairão do "ensino profissional" "socrático". E de que lhes servirão num mercado de trabalho já tão estruturalmente pobre como o nosso.
Mas isso não preocupa Sócrates e a sua trupe da Cinco de Outubro.