O Irão acabou o ano de 2011 disposto a uma nova ronda de conversações sobre a sua agenda nuclear, ao mesmo tempo que conjugava manobras navais e ensaios de mísseis com ameaças do encerramento do Estreito de Ormuz (agora ameaça a 5ª Esquadra americana). Parece contraditório, mas não é, trata-se apenas de ganhar a margem possível e o tempo necessário até chegar à mesa de negociações.
Os EUA e o RU já entenderam que o embargo às importações de petróleo iraniano são absolutamente inconsequentes para demover o Irão, e as sanções financeiras já decretadas, não chegam – é que, apesar de tudo isto, estima-se que os proveitos da produção de petróleo do Irão tenham aumentado 30% em 2011 face a 2010, de 76 biliões para aproximadamente 100 biliões de dólares (quintuplicou em 10 anos).
Mas quem são os outros países que vão estar sentados à mesa com o Irão? A Rússia, até final de Março, estará concentrada nas eleições presidenciais que dependem mais de uma agenda interna do que externa. A China joga aqui uma partida diplomática absolutamente estratégica: garantindo não apenas a segurança energética de que depende o seu crescimento económico, mas projectando ainda mais o seu poder de influência naquela região. Neste jogo de titãs, a Alemanha e a França não contam.
O Irão - isto é, o seu regime - ao contrário dos terroristas islâmicos que alimenta, não é suicida, e faz somente o que não compromete a sua sobrevivência. O regime tem vindo a contar com os compradores de petróleo orientais para viver (China, Índia, Japão, Coreia do Sul), e escuda-se internacionalmente com os apoios diplomáticos de alguns países da América Latina, para continuar a afirmar as suas ambições nucleares.
Face às ameaças ocidentais de mais sanções, com o que pode contar o Irão? A América Latina, pouco lhe serve a não ser na ONU para empatar; a Rússia não está por enquanto muito interessada no tema; a Europa não conta; sobra a China que pode ser o tutor deste Irão. O aumento da tensão no Irão tem vindo a assustar todos os outros compradores orientais de petróleo, que não a China, e que estão a divergir as suas fontes de abastecimento procurando rapidamente substituir o fornecimento iraniano, ao que se somam os desinvestimentos ocidentais e orientais (Japão, Índia), no sector de produção energética iraniana. Todo este incremento de tensão tem gerado um vazio que tem sido magistralmente aproveitado pela China.
Se somarmos aos investimentos no Irão, o incremento do investimento chinês no sector petrolífero iraquiano (de onde até as empresas americanas tem fugido), temos a China a assomar-se no Golfo Pérsico, isto é: a folgar no “lago americano”. Mas onde termina este jogo? O Irão sabe, porque a China assim o quer, que não pode arriscar o encerramento do estreito de Ormuz, nem tomar a iniciativa numa eventual guerra.
E a questão nuclear? Vai a China deixar o Irão continuar a afirmar as suas pretensões? Aqui, as intenções chinesas não são claras, no entanto, vai continuar a estratégia de deixar subir a tensão (com o propósito de afastar a concorrência e obter descontos) para logo de seguida, arrefecer os ânimos. Vai fazer a sua ancestral diplomacia de “biombos chineses”, até que a sua crescente dimensão militar tenha envergadura mundial.
Os EUA, pelo que vimos no exemplo iraquiano e apesar do poderio militar, não tem demonstrado grande interesse ou capacidade de ocupação económica do território – o que levou o primeiro-ministro iraquiano, no dia em que as tropas americanas deixaram o Iraque, a fazer em Washington, um apelo dramático às empresas americanas para que invistam no seu país. Infelizmente, a América está mais preparada para fazer a guerra do que actividade económica, e isto é preocupante. Para os americanos há algo mais em jogo do que a sua permanência no Golfo Pérsico – o seu domínio militar está a ficar desfasado do seu poder económico. E o mais curioso e paradoxal neste tabuleiro, onde americanos e chineses são os jogadores que contam é que, por enquanto, a China tem beneficiado da projecção do poder militar americano como garante do livre comércio na região.
O melhor para podermos antever o futuro daquela região é seguir a política de investimento externo da China, mas esta é de difícil leitura - é um posicionamento ambíguo. Até agora as participações chinesas em projectos no país tem aumentado, mas parece não haver grandes certezas quanto aos calendários, e a velocidade de desenvolvimento dos investimentos no terreno tem abrandado.
Há ainda que contar com a instabilidade do regime iraniano e com os outros Estados Árabes que podem deixar o Irão isolado. E Israel vai continuar a fazer depender a sua autonomia desta conjuntura de interesses americanos e chineses? Não é só o Estreito de Ormuz, o caminho está mesmo a ficar cada dia mais estreito.
Talvez ainda não seja desta, e este é apenas o tabuleiro de ensaio de chineses e americanos, o jogo a sério pode vir a ser no Índico, ou mais provavelmente no Pacífico (para onde os EUA recentemente transferiram alguns dos seus submarinos nucleares que estavam no Atlântico, concentrando agora a sua maior força de ataque nuclear no Pacífico).
Quanto a Portugal, e sempre que os EUA e a China forem a jogo, arrisca-se agora a ser convocado por duas equipas. Muita diplomacia vai ser necessária, nestes tempos interessantes.