Os últimos anos
Do que vamos conhecendo, parece não ter havido em Portugal captura dos mais altos servidores públicos pelos interesses privados. Sabemos agora que nunca houve prisioneiros.
Do que vamos conhecendo, parece não ter havido em Portugal captura dos mais altos servidores públicos pelos interesses privados. Sabemos agora que nunca houve prisioneiros.
Foi durante o período de deslumbramento com a Europa, do facilitismo financeiro, do bem-estar social e da política com coração que se pôs fim ao Serviço Militar Obrigatório (SMO) em Portugal, com a Lei nº 174/99, de 21 de Setembro de 1999 (foi aprovado na AR, com votos a favor do PS e do CDS-PP, votos contra do PCP e a abstenção do PSD). Foi uma decisão que premiava o activismo das juventudes partidárias na causa, com o objectivo de fazer render votos no eleitorado jovem.
A defesa pública do fim da conscrição foi realizada quase sempre sem contraditório, mas sobre o tema pronunciaram-se “os escribas do povo” e verdade seja dita, muito poucos tiveram a coragem de manifestar a sua oposição. Um dos poucos que teve o atrevimento de criticar frontalmente a aliança oportunista das juventudes partidárias e a passividade dos partidos foi o José Pacheco Pereira; nada mais digno de nota. Sem pensarem no futuro e sem fazerem contas, à excepção do PCP, da esquerda objectora à direita liberal quase todos patrocinaram e aprovaram o fim do SMO. Mas o desejo de entrar na modernidade era enorme e todos os atalhos eram permitidos.
Resultado do efeito ilusório, que advém da continuada redução do peso do orçamento da Defesa Nacional no total da Despesa Pública, o que talvez muitos portugueses ainda não saibam, é que, com o fim da conscrição, o Estado passou a ter um maior encargo com pessoal na Defesa Nacional (no conjunto das FA e Ministério da Defesa). O modelo escolhido em 1999 só seria possível com um aumento significativo da dotação orçamental para a Defesa Nacional.
Agora, com o fim do SMO conjuga-se a insustentabilidade de uma organização profissionalizada e a não coerência, ou mesmo ausência de interesse nacional, nas missões desempenhadas. Observamos hoje as trágicas consequências deste desatino nacional: não há dinheiro para garantir um quadro operacional mínimo; não há dinheiro para investimento; não há dinheiro para promoções; e num momento de crise profunda como o que atravessamos, perdeu-se a única oportunidade de formação profissional e cívica séria que alguns portugueses tinham na vida. Hoje, mais do que ontem, o erro é evidente.
O petróleo é duplamente viciante, é uma adição para os consumidores como o é para os produtores. O "toque reverso de Midas" é mais uma das patologias económicas conhecidas dos petro-estados, originada pelo poder destrutivo da indústria do petróleo e diagnosticada nos países produtores – caracteriza-se por uma enorme rigidez fiscal que por sua vez conduz a um crescente de despesa pública. Esta doença é o resultado da enorme volatilidade dos preços das commodities (gás e petróleo) que aquando da alta de preços induz nos Estados uma enorme pressão para realizar gastos avultados; mas depois, aquando da baixa, estes não têm condições de reduzir.
A indústria petrolífera é uma indústria de capital intensivo, e de per si, não consegue gerar elevados níveis de empregabilidade e de bem-estar social. Aquando dos períodos de euforia dos preços do petróleo os Estados produtores são inundados de dinheiro, pressionados pelos eleitores e por lobbies, usam-no para aumentar a satisfação social por via da promoção do emprego e para satisfazer interesses particulares. O que conseguem recorrendo a programas de construção de infraestruturas, programas sociais e subsídios vários. Quando os preços invertem e os rendimentos da indústria petrolífera descem, os governos não têm flexibilidade para cortar nos custos, os programas lançados já estão em curso, as obras estão adjudicadas, os contratos estão assinados, as pessoas contratadas – uma espiral de custos. O risco de cortar com este ciclo vicioso é, quase sempre, o de lidar com uma explosão de descontentamento social. Observámos recentemente este facto, com o receio de instabilidade social por parte dos países da OPEC, quando afirmaram o seu último consenso para o preço do petróleo em torno dos 100 US$.
Aqui chegados, parece fácil de ver o que há de comum nesta doença com o actual estado de Portugal, mas também com a Europa no seu conjunto. Para este “quadro clínico” existem dois paliativos e uma cura. Os paliativos, por norma, são: imprimir dinheiro que traz a inflação; ou pedir dinheiro que traz o serviço da dívida. A única cura, que tem provado, parece ser o ajustar os custos para baixo, em linha com estimativas conservadoras quanto aos níveis de proveitos, independentemente dos ciclos de preço do petróleo. É bom de ver, que isto não é popular. Mas também não é o equivalente a uma limitação do défice, nem uma garantia de superavit. Se houver um crash nos mercados das commodities os Estados poderão recorrer às poupanças acumuladas, ou à dívida.
Esta boa prática orçamental, que revela prudência e equilíbrio da gestão pública, parece bem mais razoável do que uma limitação constitucional do défice. É uma inversão à prática orçamental realizada até hoje em Portugal – em que os proveitos foram optimisticamente ajustados aos custos, mas que, infelizmente, a realidade insistiu sempre em contrariar, gerando sistemáticos défices e portanto mais dívida.
A regra da limitação constitucional do défice parece ser absurda, até para a própria Alemanha. Alguém acredita que se a Alemanha vir de alguma forma a sua segurança ameaçada, e necessitar de realizar despesas e/ou contrair empréstimos, não o fará por uma limitação constitucional?
Se algum Estado o fizer é porque o instinto de sobrevivência o abandonou.
Continuo a pensar que estamos num lugar imerecidamente baixo no ranking da inovação. A novela da avaliação às PPP, que não ata nem desata, é uma prova disso. Se há algo, sem análises muito profundas de consultores, que é facilmente observável é a qualidade da blindagem jurídica associada aos contratos do Estado com os Privados, em desfavor do primeiro. É que, o “capitalismo camarada” e o “socialismo de Estado” sempre privilegiaram a inovação jurídica e legislativa, à inovação tecnológica e de processos, mas, infelizmente, este tipo de inovação não é devidamente apreciada para efeitos do ranking.
Há duas patologias económicas que caracterizam, por norma, a economia e a gestão pública dos petro-Estados: a crónica “doença holandesa”; e o “toque reverso de Midas”. Vou falar aqui da primeira, e num próximo post da segunda. A Holanda tornou-se nos anos 60 o maior exportador mundial de gás natural, e à medida que as suas exportações energéticas aumentavam a economia do país ia sendo inundada com o dinheiro proveniente da venda do gás. Em consequência, a moeda sobrevalorizou-se, as exportações tornaram-se menos competitivas face ao exterior e a economia nacional começou a sofrer. Com uma moeda forte as importações eram mais competitivas do que os bens nacionais, e o desemprego também começou a aumentar. Este tipo de conjuntura económica é conhecido na literatura económica como “Dutch disease”, a doença holandesa.
Se recordarmos o que nos aconteceu após a entrada na CEE, e depois reforçada com a adesão ao Euro foi, em tudo, muito parecido: um afluxo anormal de capitais e crédito barato que inundaram toda a economia do país, quer a pública quer a privada, cujos efeitos foram também devastadores e muito semelhantes aos provocados pela “doença holandesa”, diferindo na questão da dívida.
Esta doença é bem conhecida, e tem hoje (em países como a Holanda e a Noruega) um mecanismo, quando bem gerido, que é um antídoto adequado - são os chamados fundos soberanos – que concentram os recursos financeiros provenientes da exportação do petróleo e do gás natural e garantem a injecção desses capitais em doses homeopáticas, para que a economia não sofra choques anafiláticos. Agora, já não vamos a tempo de plasmar no país um qualquer mecanismo equivalente que proteja a nossa economia do “dinheiro fácil”, a asneira está feita e com o alto patrocínio político da UE, mas também, por agora, o dinheiro fácil e barato não voltará a Portugal tão cedo.
Entretanto, seria avisado estudar isto nas escolas de economia, nem que seja para memória futura, é que esta não foi a primeira vez que fomos atacados pela doença.
– Já estudam?!
Então, deviam tentar renomear para: doença portuguesa (até por razões de ordem histórica e de direitos autorais), e talvez assim os alunos retivessem algo.
À esquerda portuguesa deve-lhe ser reconhecida autoridade sobre assuntos de “troikas”. Mas é provável que esta segunda “troika” não consiga corresponder em resultados às elevadas expectativas que tem vindo a ser criadas, quanto à destruição da economia nacional. A primeira foi quase insuperável.
Recomendo a leitura da entrevista do André Azevedo Alves ao webzine espanhol Libre Mercado
P: Por último, ¿ve probable que Portugal abandone la Unión Monetaria? ¿Sería deseable?
R: Por el momento todas las opciones están encima de la mesa. Si la situación no empieza a mejorar rápidamente, particularmente en términos de consolidación presupuestaria, es bastante posible que el abandono del euro se convierta en una realidad. Abandonar el euro facilitaría al Gobierno la solución de sus problemas mediante una devaluación de la moneda. Sin embargo, además de conducir casi seguramente al impago de la deuda portuguesa nominada en euros, esto también implicaría un coste brutal para la población y la situación social en el país se deterioraría.
A nivel europeo, tener mayor competencia monetaria (que no necesariamente significa abandonar el euro) y menos centralización de las políticas sería preferible. Pero en el contexto actual, creo que el deseo de pertenecer a la Eurozona continúa teniendo algunas influencias positivas importantes en términos de la decisión sobree políticas económicas para países como Portugal o España. Esto es, por supuesto, una apuesta muy arriesgada en el contexto de una moneda única, dado que asume que el BCE será capaz de mantener una política monetaria relativamente sólida, a pesar de todas las presiones políticas para no hacerlo. Para Portugal, el escenario de permanecer en la Unión Monetaria está lejos de ser brillante, pero las consecuencias de abandonarla pueden ser incluso mucho peores.
O jurista Adolfo Mesquita Nunes, que acaba de ser eleito deputado pelo Partido Popular é o entrevistado de Ana Sá Lopes e Luís Gouveia Monteiro. Discutem-se o papel e o tamanho do Estado e os desafios do novo governo numa altura em que país enfrenta uma situação económico-financeira muito delicada.
[parte 1!parte 2]
Infelizmente, ao contrário do que afirmou toda a esquerda, o novo PSD não só não é ultraliberal como até se propõe salvar o "estado social". Lamento desapontar toda a gente mas tal não vai ser possível (e, aliás, nem é desejável). Esperemos que estes senhores não tenham razão e que as políticas do novo governo não sejam uma mera continuação das do anterior. Vai ser necessário ir bem mais longe do que o acordado com a "troika" e nalguns casos contrariar o que está escrito no MoU. Não tenho grandes ilusões nesse campo mas seria desejável que o novo governo tivesse um verdadeiro impeto reformista. Vão ser necessárias reformas a sério e não meras operações cosméticas ou reformas parciais. Isto, se não quisermos transformar-nos numa nova Grécia ou (pior) numa Bielorrússia. Espero que, à semelhança do que fez o governo agora derrotado, a crise internacional náo se transforme no bode expiatório de todas as nossas misérias.
Este post do Rui Peres Jorge explica na perfeição o nervosismode Paulo Macedo, administrador do BCP, com uma eventual reestruturação da dívida dos países periféricos. Um corte de 50% na valor da dívida grega (um valor perfeitamente plausível) implicaria um "rombo" de 350 milhões de euros no activo do BCP. Não custa imaginar a hecatombe provocada por um "haircut" (ainda que inferior) na dívida portuguesa. Durante anos, um sistema de garantias explícitas e explícitas e o laxismo dos bancos centrais e agências de notação incentivou durante anos os bancos a financiaram alegremente o despesismo público e privado sem se preocuparem grandemente se estes tinham ou não capacidade de pagar. Eles próprios endividaram-se enormemente a fim de poderem beneficiar destas "fabulosas oportunidades de negócio. Para grande "surpresa" de todos descobre-se agora que o risco foi subavaliado e nem o estado nem os privados têm capacidade para pagar as dívidas. Como se não tivessem tido quaisquer responsabilidades no processo pretendem agora que sejam os contribuintes a pagar pelos seus erros. Reestruturação? Devia até ser proibido falar no assunto!
O Banco Central Europeu aumentouhoje de surpresa (mais pela ocasião do que pela decisão em si) o desconto sobre a dívida portuguesa que aceita como garantia em empréstimos. O aumento foi de 500 pontos base para as diversas maturidades. O BCE não forneceu explicações e nem sequer anunciou formalmente qualquer alteração. Especula-se que poderá estar relacionado com as últimas descidas da notação na dívida portuguesa ou com os elevados riscos de acumulados no balanço do BCE. Como dizia um amigo meu, agora que se torna quase inevitável a reestruração da dívida grega do laxismo do BCE na cedência de liquidez (só faltou aceitar notas do Monopólio) poderá ter posto em causa a própria sobrevivência do Euro.
Para os que ainda acham que tudo não passa de uma crise conjuntural e que é possível manter os padrões de despesa pública e consumo privado e as desastrosas opções políticas que nos trouxeram até aqui convido-vos a inteirarem-se da situação grega. E se acham que a saída do Euro e o retorno às desvalorizações competitivas e ao laxismo inflacionista é solução, melhor será que leiam sobre a Bielorrússia