Quarta-feira, 26.09.12

Santana Castilho, o ressentido

Santana Castilho odeia Nuno Crato e Passos Coelho. É um facto que o próprio nos relembra quinzenalmente nas suas crónicas do Público, onde predominam distorções, acusações sem fundamentação e julgamentos morais. Na de hoje, por exemplo, acusa Nuno Crato de mentir sobre o reforço da autonomia nas escolas, apoiando-se num relatório da OCDE. O problema é que esse relatório analisa a questão da autonomia nas escolas entre 2003 e 2011, período que não abrange a governação de Nuno Crato. Aliás, o facto de a autonomia das escolas ter diminuído durante os Governos de Sócrates apenas reforça a posição de Nuno Crato.

 

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Quarta-feira, 12.09.12

Os erros

Anda meio mundo a dizer que o Ministério se enganou nas contas sobre a diminuição do número de alunos. Não sei se assim foi, não conheço as contas do Ministério. Mas, sejamos claros: a diminuição existe. Os números entre 1998 e 2011 são inequívocos sobre a evolução do número de alunos (queda de 15%) e do número de professores (aumento de 2%) no ensino público regular. Isto demonstra bem que estes dois factores (nº de alunos e nº de professores) andaram desligados durante anos (décadas?). É esse o ponto: as afirmações do ministro foram todas no sentido de explicar que estes dois factores passarão a estar relacionados. E aí não há erro nenhum.

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Terça-feira, 11.09.12

Size Matters (também na educação)

 

O final de cada ano lectivo cumpre-se sob a promessa de que no próximo se abaterá uma catástrofe nacional. É uma rotina, e este ano não foi excepção. Em Julho, numa linguagem que tem tanto de bíblico como de bélico, a Fenprof prometeu uma “hecatombe”. Denunciou o “extermínio” dos professores contratados. E repetiu o mantra da “destruição da escola pública”. Mas agora, em Setembro, com os números publicados, nada se confirmou. Sem surpresa, pois também as estimativas propositadamente exageradas são rotina. Contudo, nem por isso deixam, ano após ano, de monopolizar o debate.

 

O actual número de professores contratados é conhecido. Foram 7600, menos 5 mil do que no ano passado. A interpretação dominante, seguindo o raciocínio sindical e de toda a esquerda, é que esta diminuição é um desastre para as escolas. Trata-se de um raciocínio mecânico cuja regra é simples: lamentar quando o número de contratados desce e celebrar quando sobe. Do ponto de vista dos professores e dos sindicatos, percebe-se, pois são parte directamente interessada. Mas não se entende tão facilmente o entusiasmo da esquerda com tal raciocínio. Afinal, do ponto de vista do sistema, o número de professores contratados revela-nos apenas quantos são necessários. E verdadeiramente desastroso, para o sistema, seria a contratação de professores para além das necessidades das escolas.

 

Durante décadas, liderar o Ministério da Educação significou gerir a sua imensa máquina ministerial. Era uma regra não-escrita que os ministros conheciam quando se sentavam na cadeira da 5 de Outubro. Governar, ali, consistia sobretudo em alimentar a máquina, mantê--la satisfeita, responder às suas necessidades. A esquerda nunca rejeitou este modelo. Aliás, defendeu-o. O centralismo e a dependência estatal sempre foram as suas prioridades políticas. E assim, durante anos, melhor ou pior, conviveu--se na educação com uma inversão fundamental: as prioridades educativas foram direccionadas para responder aos interesses da máquina, subjugando as necessidades dos alunos.

 

Os resultados estão à vista. Enquanto durou (e durou muito), a máquina engordou. De acordo com a mais recente síntese estatística de emprego público (15 de Agosto de 2012), o Ministério da Educação e Ciência é aquele que mais gente emprega na administração central do Estado (236 mil funcionários, 52% do total). E entre 1998 e 2011, o número de professores aumentou quase 2%, tendo entre 1998 e 2005 aumentado cerca de 10%. Ora, esse aumento não tem relação com a evolução do número de alunos no sistema. É que, entre 1998 e 2011, o número de alunos no sistema caiu 15%. Ou seja, num total desfasamento em relação às necessidades do sistema, enquanto o número de alunos diminuía, o número de professores aumentava. Faz sentido? Não. Tinha de acabar este desfasamento.

 

E acabou. Na sua entrevista ao semanário “Sol”, o ministro reconhece o problema. Há demasiados professores face às necessidades do sistema e dos alunos, pelo que só os necessários serão contratados. De outro modo não faria sentido. Quebrou-se, assim e finalmente, a ilusão de que os interesses dos professores são sempre coincidentes com os dos alunos. Não são. Nunca foram. E é aos alunos que a máquina deve servir.

 

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Terça-feira, 04.09.12

A defesa da uniformidade estatal

 

O texto hoje publicado por Daniel Oliveira (DO) é muito interessante, porque se trata de um exemplo perfeito da defesa da estatização da sociedade em detrimento do pluralismo. A partir de um problema real – o custo para as famílias da aquisição dos manuais escolares –, DO só vê uma solução, que é a defesa de um manual único, elaborado pelo Estado, fabricado pelo Estado, publicado pelo Estado e distribuído pelo Estado. E ele próprio o reconhece, esta sua solução põe em causa o pluralismo (diversidade de manuais), embora tal lhe pareça justificável em nome da maior justeza da sua causa do manual único.

A argumentação de DO sustenta-se numa falsa inevitabilidade. Legitima a sua proposta sugerindo que não há outro caminho para aliviar as famílias desses encargos com os manuais. Só que outras possibilidades existem. Aliás, em nenhum país europeu onde os manuais não têm custos para as famílias, a solução de DO foi adoptada. O que geralmente acontece é que o Estado (através dos municípios ou directamente através das escolas) financia a aquisição dos manuais que a escola escolher utilizar. Fica claro, portanto, que este ataque do DO ao pluralismo na Educação é, antes de tudo, uma opção.

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Segunda-feira, 03.09.12

Pode haver serviço público fora do Estado?

 

O debate sobre a RTP está a marcar a rentrée política. Em causa está a eventual reestruturação, privatização ou concessão da estação do Estado. Os cenários são muitos, e apesar de o governo não se ter pronunciado ou apresentado qualquer proposta, já se ouve meio mundo cheio de certezas sobre o que aí vem. E o que aí vem, dizem eles, é o fim do serviço público de televisão. Nada de novo, portanto. De facto, o tema não é novidade, nem os vícios do debate o são. E neste caso o principal vício reside na definição do que está verdadeiramente em causa.

 

À esquerda, todos falam de serviço público de televisão sem explicar a que se referem. Até porque o ponto de partida, a RTP, não ajuda enquanto exemplo de serviço público, já que não se consegue descortinar qualquer diferença entre a sua grelha de programação e as dos canais privados (SIC e TVI). Assim, as opiniões são tantas e tão incompatíveis que se suspeita que ninguém saiba exactamente do que se trata. Pouco importa. Na sua habitual estratégia maniqueísta, a esquerda uniu-se em defesa do serviço público de televisão, como se houvesse quem, do outro lado, fosse contra. O socialismo sempre procurou ganhar os debates pela legitimidade moral.

 

Assim, por inspiração no cânone socialista, reergueu-se o mito segundo o qual só é público o serviço que é prestado pelo Estado. Acontece que o cânone está errado: estes conceitos não são sinónimos. Basta, aliás, olhar para a realidade para o constatar. Exemplos não faltam. Na saúde, existe serviço público prestado por privados através da ADSE, que permite aos funcionários do Estado aceder a cuidados médicos em clínicas e hospitais privados. Na educação, o serviço público também é prestado por privados, no caso das escolas com contrato de associação, que são escolas públicas não estatais. E até na segurança social existe serviço público prestado por privados, através das instituições particulares de solidariedade social (IPSS).

 

Destes, a esquerda só nunca aceitou as escolas com contrato de associação. Não lhes reconhece a sua natureza pública. E contesta cada euro com que o Estado financia a educação dos alunos nestas escolas. Aqui, o carácter público ou privado deixou de depender do serviço prestado, e fixou-se no prestador. Eis a dualidade de critérios e o preconceito socialista que também dominam o actual debate sobre a RTP: só existirá serviço público de televisão se a RTP estiver nas mãos do Estado. Mas tem mesmo de ser assim?

 

Não tem. Seja qual for a definição de serviço público pela qual nos guiemos, esta deve focar-se sobre os conteúdos audiovisuais transmitidos. Isto é, sobre o serviço prestado, e não sobre a propriedade do canal. Porque um canal pode pertencer ao Estado e, apesar disso, não cumprir o serviço público. Consequentemente, as possibilidades são muitas, como a criação de conteúdos cujo mercado televisivo não garanta a existência, desde que assegurada a sua transmissão.

 

Independentemente de qual venha a ser a proposta do governo, importa discuti-la nos seus termos. Arrumem-se os mitos que servem a retórica mas prejudicam o debate. Uma privatização da RTP (parcial ou total) não põe em risco o serviço público de televisão. Põe, sim, em risco o actual modelo dirigista, tão permeável a influências do poder político, e que tanto tem marcado a RTP. Talvez, para os socialistas, o problema esteja precisamente aí.

 

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Quarta-feira, 29.08.12

Um mundo de super-homens

 

Em 1999, Tiger Woods, famoso golfista norte-americano, foi operado aos olhos. Não se tratou de uma cirurgia correctiva, mas de uma que melhorou a sua visão acima do que é humanamente natural. Ou seja, não foi um acto terapêutico; foi para além da terapia. Os efeitos dessa cirurgia revelaram-se rapidamente. Após uma longa maré de derrotas, Woods regressou às vitórias, vencendo consecutivamente os torneios que se seguiram à cirurgia.

 

Este caso é interessante por dois motivos. Em primeiro, porque levanta uma certa ambiguidade quanto à verdade desportiva: se altera as aptidões de um atleta, não estabelece uma desigualdade na competição? Em segundo, porque expõe com clareza os desafios que este tipo de progresso científico colocará à sociedade. Foquemos a nossa atenção no último.

 

A ciência sempre esteve ligada ao desporto. Legitimamente (treinos, medicação, equipamentos) e ilegitimamente (doping). Mas agora, numa espécie de área cinzenta, a relação surgiu sob forma de modificações permanentes nas aptidões dos atletas. O desporto é um meio competitivo por natureza, e por isso expõe bem o problema. Tiger Woods melhorou a sua visão, ganhou uma vantagem sobre os adversários, venceu mais troféus, e assim pressionou outros atletas a fazer a mesma cirurgia, para não ficarem derrotados à partida. Basta transpormos este caso para o nosso quotidiano para percebermos a tentação. Quem, na sua actividade, não gostaria de adquirir uma característica única, que lhe atribuísse uma vantagem sobre os restantes?

 

De facto, muito em breve, o leque de possibilidades de melhorias será imenso. É sabido que estamos cada vez mais próximos de, através de modificações ao código genético dos embriões, prevenir e apagar doenças. Mas é esquecido que estamos igualmente próximos de, para além da terapia, poder escolher a cor dos olhos dos nossos filhos, modificar a sua altura, a sua massa muscular, a sua inteligência ou a sua memória. E se as vantagens parecem evidentes, os riscos não devem ser esquecidos. Desde logo, quem não se submeter às cirurgias/ modificações, ficará para trás. Depois, o risco da uniformização, porque a busca do êxito levará a seguir os estereótipos sociais de sucesso. E, finalmente, a desigualdade no acesso à tecnologia (devido ao seu elevado custo financeiro) poderá acentuar a desigualdade social – os mais ricos acedem a “melhoramentos” mais eficazes e tiram vantagens maiores do que os menos ricos.

 

Parece-lhe ficção científica? Já não o é. Se, na ficção, o sonho da perfeição humana está bem vivo no “Admirável Mundo Novo” (1932) de Aldous Huxley ou, para os mais cinéfilos, no recente filme “Limitless” (2011) de Neil Burger, há já um número crescente de pensadores prestigiados, como Fukuyama e Habermas, a dedicarem-se ao tema. É facto que os homens se adaptam com facilidade às descobertas da ciência, pois estão décadas à sua frente. Mas é também facto que, por vezes, as vantagens nos fazem perder de vista os perigos. No imaginário das duas obras referidas, como na investigação, os avisos foram feitos. Resta saber se alguém os ouviu.

 

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Terça-feira, 21.08.12

God save the Queen and the Pussy Riot

 

Do anonimato para fenómeno global. Foi assim que as Pussy Riot surgiram. Movimento punk composto por filhas de dissidentes russos, três das Pussy Riot foram detidas em Fevereiro, após uma acção anti-Putin, na Catedral de Cristo Salvador, na Rússia. Acusadas de “vandalismo motivado por ódio religioso”, foram julgadas num processo que todos constataram ser uma farsa. Sem surpresa, foram dadas como culpadas e condenadas a dois anos de prisão.

 

Tudo se passou na Rússia, mas os ecos fizeram-se ouvir por todo o mundo. Em várias cidades europeias foram organizadas manifestações de solidariedade. E à porta do tribunal que as julgou, Kasparov deu a cara e legitimou os protestos. À margem do julgamento, o veredicto político era consensual. A relação entre o regime e a Igreja ficou exposta, assim como o controlo cultural e social que Putin mantém sobre a sociedade russa.

 

Se quanto às interpretações políticas não restam dúvidas, o mesmo não acontece do ponto de vista artístico. O mediatismo que envolveu o julgamento das Pussy Riot projectou-as também enquanto fenómeno musical. E a indústria musical respondeu. Primeiro, com palavras de apoio de artistas como Madonna, Sting e Pet Shop Boys. Depois, com a elevação das Pussy Riot a salvadoras do punk, que perdera o fôlego de outros tempos.

 

É conhecida a relação da música rock com a política. Os exemplos abundam, como “Sunday Bloody Sunday” (U2) e “Another Brick in the Wall” (Pink Floyd), canções essenciais para a história do rock e para a preservação da memória política. Mas foi sobretudo nos subgéneros do punk e do metal que a mensagem se radicalizou e os protestos passaram a gritos contra o sistema. Assim foi com os Sex Pistols, clamando por “Anarchy in the UK”, ou com os Sepultura, que se diziam “Crucificados pelo Sistema” e que fizeram de “Refuse/Resist” o seu mote.

 

Assim, a pergunta colocou-se: mesmo não conseguindo salvar a Rússia de Putin, podem as Pussy Riot salvar a música punk? Em princípio não, mas ainda bem.

 

Desde logo, as Pussy Riot definem-se como um movimento político, e não como uma banda musical. Não são apenas três, são já uma dezena, e dividem--se em acções e em protestos, não em concertos. A atitude punk está lá, no sentido em que há rebeldia e um desafio ao sistema, mas isso só por si não as distingue de qualquer movimento de contestação social. Falta a música. E com as Pussy Riot, a música é apenas o pano de fundo, desempenha um papel plenamente secundário.

 

Mais importante, tradicionalmente, a música punk vive em constante ironia: é contra um sistema que permite a sua existência e lhe concede amplas liberdades. Não é por acaso que o punk é definido como um género de música ocidental. É que esta ironia, que em alguns casos é até uma espécie de hipocrisia, só pode existir num Estado de Direito. Por isso, a música punk sempre teve mais de manifesto de intenções vãs do que de projecto de mudança – nunca quis que essa mudança chegasse. É isto que distingue as Pussy Riot da tradicional música punk. Não vivem num Estado de Direito e o seu contexto nada tem de irónico. Querem efectivamente a mudança. Não podem, por isso, salvar o punk. E ainda bem, porque podem então ajudar a salvar o seu país.

 

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Quinta-feira, 16.08.12

Vencer as estatísticas das Olimpíadas

 

De acordo com o chamado espírito olímpico, o importante é participar. Mas na hora de contar as medalhas, isso não interessa nada. Se participar é bom, ganhar é melhor para o prestígio nacional ou, no caso português, para curar as nossas depressões colectivas.

 

Chegada a redenção com a medalha de prata na canoagem, o país respira de alívio. Há semanas que o insucesso dos mais reputados atletas portugueses nos Jogos Olímpicos (JO) de Londres se havia tornado uma obsessão nacional. Desde então, várias explicações surgiram. Houve quem responsabilizasse o Comité Olímpico. Houve quem lembrasse que é do nosso ADN “morrer na praia”. Houve quem explicasse que só os loucos têm a determinação necessária para ganhar medalhas, e que os portugueses até têm uma invejável saúde mental. E houve ainda quem, já em desespero, apontasse o dedo ao ministro da Educação, pedindo mais horas de educação física.

 

No meio de tantas explicações, ninguém se lembrou do óbvio. Olhando para a história dos JO, há países que ganham mais medalhas do que outros. Nos JO de 2004 e de 2008, com cerca de duzentos países participantes, mais de metade das medalhas foi para apenas dez países. Por que razão não há uma distribuição mais equitativa das medalhas e porquê esses dez países em vez de outros?

 

A resposta a estas perguntas é simples: há vários factores que influenciam a probabilidade de se ganhar medalhas. Quatro, em particular. Em primeiro lugar, o número de habitantes de um país. Porque quanto mais pessoas vivem num país, maior a probabilidade de um deles vir a ser campeão olímpico. Em segundo lugar, os seus recursos económicos (o PIB per capita). Porque quanto mais recursos existirem, maior o investimento e melhores as condições de treino para os atletas. Em terceiro lugar, o facto de se ser o país organizador. Porque essa motivação adicional leva os atletas nacionais a superarem--se. E em quarto lugar, o regime político (se é mais ou se é menos livre). Porque os regimes menos livres investem, tendencialmente, mais na preparação destes eventos desportivos, devido ao prestígio nacional associado às medalhas, e porque as celebrações patrióticas ajudam à estabilidade política.

 

Perante estes factores, não constitui surpresa que países como os EUA, a China, a Rússia, e a Alemanha lutem sucessivamente pelo pódio. Como não surpreende que o Reino Unido, organizador dos Jogos, tenha conseguido o seu melhor resultado desde 1908, quando também os organizou e coleccionou 148 medalhas. Ou que Portugal regresse a casa com apenas uma.

 

Com a evolução da tecnologia nos treinos, a tendência é para que estes factores tenham cada vez mais influência. Felizmente para nós, nem as probabilidades são infalíveis, nem se aplicam a todas as modalidades. No futebol, por exemplo, a influência destes factores é mínima e, não por acaso, Portugal já soma 4 Bolas de Ouro. E felizmente para nós, a nossa irritante incapacidade para lidar com a realidade, este nosso “horror à normalidade”, pode não dar medalhas de ouro, mas levar-nos-á, noutros domínios, a escapar ao fatalismo da estatística, e a ser mais do que nós próprios. Valha-nos isso.

 

[publicado no i]

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Domingo, 12.08.12

Mudaram os tempos, não mudaram os jornais

 

A queda na venda de jornais é inquietante. Os dados disponibilizados pela Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT) mostram que, entre Janeiro e Abril de 2012, e comparativamente ao mesmo período do ano passado, perderam-se quase 75 mil compradores de imprensa. É muita gente e reflecte, na opinião de alguns, as dificuldades derivadas da crise económica. Mas será só isso? Não. O problema está longe de se restringir à crise, e reside, sobretudo, no próprio sector.

 

A população portuguesa tem hoje os maiores índices de instrução escolar da sua história. Seria, portanto, um contra-senso que, precisamente agora, os portugueses tivessem menor interesse na informação. Não têm. Acontece, aliás, precisamente o contrário: nunca houve tanta gente informada. Como tal, a queda de vendas na imprensa indica que as pessoas cada vez menos se informam através dela. Porquê? Entre as várias razões possíveis, há duas que sobressaem.

 

Em primeiro lugar, a imprensa lida hoje com um novo desafio. O alargamento do acesso à internet, com a diversidade de oferta informativa gratuita que nela existe, levou à queda do número de leitores. O fenómeno é global. Mas mais importante do que isso, alterou as necessidades de quem consome informação. Hoje, uma notícia chega rapidamente ao público através da internet ou da televisão, e ninguém quer pagar para ler o que já ouviu umas horas antes. Os jornais ficaram num impasse. Para servir as novas necessidades dos consumidores e sobreviver, a imprensa tinha de garantir uma mais-valia informativa, que justificasse a compra de jornais. Até hoje, foram poucas e humildes as tentativas nesse sentido. No geral, a imprensa acomodou-se. Continua a faltar-lhe mais investigação e mais profundidade. E continua a não conseguir distanciar-se dos modelos informativos que existem gratuitamente. Permanece, portanto, incapaz de se adaptar às novas exigências.

 

Em segundo lugar, a imprensa mantém uma relação ambígua com os factos, enquanto vive obcecada com a sua (alegada) neutralidade. Isso é particularmente visível no que respeita à informação política, que a imprensa nem sequer filtra – apenas distribui. Basta qualquer sindicato ou partido político anunciar uns números alarmistas que a imprensa, em vez de os verificar e confrontar com a realidade, atira-os para a primeira página. Quando assim é – e é-o muitas vezes – a imprensa não informa, limita-se a relatar. Assim, prefere a polémica, mesmo que desinforme. E demite-se do seu dever de informar e fiscalizar o poder político, para simplesmente servir de megafone.

 

No momento actual, em que o leitor se tornou mais exigente, a imprensa não exige mais de si. O resultado está à vista. Perante os números do desastre, é habitual perguntar-se às pessoas porque deixaram de comprar jornais. A pergunta é enganadora, porque impõe o ónus da responsabilidade sobre os consumidores. Ora, sem os pretender ilibar inteiramente, há uma outra pergunta a colocar: o que fazem os jornais para que valha a pena comprá-los?

 

[publicado 2ª feira, no i]

 

Sobre o mesmo assunto, ler também a Carla Hilário Quevedo no i deste fim-de-semana.


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Terça-feira, 31.07.12

No canudo vive a esperança

 

Os serralheiros têm melhores ofertas de emprego do que os engenheiros. A constatação apareceu na imprensa e mereceu destaque em todos os meios de comunicação. O país fervilhou com a revelação e rapidamente concordou: nas condições actuais, estudar não compensa. Significa isto que andámos todos iludidos, quanto às vantagens de frequentar a universidade?

 

Não. Estávamos certos. Em 1981, Portugal tinha 155 mil licenciados. Vinte anos depois, em 2001, eram já mais de 650 mil. E em 2011, mais de 1 milhão e 200 mil. Isto explica, em grande medida, porque é hoje mais difícil a um licenciado arranjar emprego. Em 10 anos, duplicou o número de licenciados, mas não duplicou a oferta de emprego. Apesar disso, a frequência do ensino superior permanece uma importante mais--valia.

 

1. Um anúncio de emprego indica o salário inicial. Mas não diz qual será o salário no futuro. A probabilidade de ter aumentos salariais significativos ao longo da carreira é mais elevada para o engenheiro do que para o serralheiro. Isto porque, na maioria das profissões não-qualificadas, existe pouca diferença entre os salários no início e no fim da carreira. No caso das profissões qualificadas, a diferença entre o primeiro e o último salário é muito significativa. Afinal, estudar compensa.

 

2. Hoje há mais desemprego entre os licenciados do que havia? Sim, muito mais. No final de 2009, havia 45 mil licenciados desempregados inscritos no IEFP, e no final de 2011 havia 63 mil – um aumento de mais de 40% em apenas dois anos. Isto mostra bem como a situação está mais difícil para os licenciados do que estava há dois anos. Mas não está pior do que para os outros. Entre o total de desempregados inscritos no final de 2011 (605 mil), apenas 10% são licenciados. Além disso, o tempo de desemprego é muito desigual entre os licenciados e os não-licenciados: quanto menor a formação, maior a duração do desemprego. Afinal, estudar compensa.

 

3. Portugal tem instituições de ensino superior a mais. Há 11,5 instituições por cada milhão de habitantes, sendo este rácio muito inferior em Espanha (2,2), em França (5,1), ou no Reino Unido (2,8). Este excesso de oferta tem como consequência que nem todas as instituições são boas. Dito de outro modo, as licenciaturas não são todas iguais. Os dados da DGES – Direcção-Geral do Ensino Superior mostram que uma em cada três licenciaturas apresenta uma taxa de desemprego superior a 10%. Por isso, um estudante, quando ingressa no ensino superior, deve escolher em função da área de estudo e da instituição. Faz diferença o que se estuda e onde se estuda. Afinal, estudar compensa.

 

A taxa de desempregados licenciados impressiona porque é incompatível com as expectativas do passado. Expectativas que se mantiveram elevadas por culpa de quem não percebeu a evolução dos tempos. E por culpa do poder político, que não informou os estudantes sobre a empregabilidade dos cursos. Agora que a realidade se anunciou, espera-se que cada um cumpra o seu papel. Que os jornalistas desistam dos alarmismos. Que os políticos informem melhor os jovens. E que estes continuem a estudar. Porque no canudo vive a esperança.

 

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Terça-feira, 24.07.12

Os servos do Estado

A desconfiança que os portugueses têm na liberdade mete medo. Prefere-se o servilismo estatal, pois acredita-se na ilusão de que a decisão, por vir do Estado, será mais justa e neutra. E a justificação ainda assusta mais: ninguém questiona a ideia (a malta até concorda que ela é boa), mas sim o facto de os portugueses não serem capazes de decidir por si próprios. É, pelos vistos, uma incapacidade cultural. Eis a herança de séculos de servilismo estatal.

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O ministro já não é director de todas as escolas

 

Há anos que se fala de autonomia nas escolas. Aliás, há décadas. Vive no discurso de todos os partidos políticos, habitou também no discurso dos sucessivos governos dos últimos 20 anos, e está consagrada no decreto-lei 43/89 (de há 23 anos). Aparentemente consensual, tudo levaria a crer que tínhamos as condições para que a autonomia escolar fosse hoje uma realidade. Acontece que não é. Se olhar para o funcionamento das nossas escolas não for suficiente para o constatar, podemos verificá-lo nas comparações internacionais (cf. Eurydice, 2007).

 

Ao contrário de muitos dos países europeus, as nossas escolas não têm autonomia na gestão do seu financiamento público. Os directores não têm autonomia para escolher os professores, ou para despedir os que não cumprem as suas funções. Nem têm autonomia para escolher, despedir ou agir disciplinarmente sobre algum do pessoal não-docente. E, quanto aos horários escolares, nem sequer a sua gestão é feita pela escola.

 

O desfasamento entre o discurso e a realidade não deixa de ser intrigante. Apesar do aparente consenso que a questão gera em Portugal, o nosso sistema educativo não acompanhou a expansão da autonomia nas escolas que marcou a década de 1990 na Europa. Se todos concordam, se está na lei desde 1989, e se desde há muito preenche o discurso dos nossos governantes, por que razão não existe na prática?

 

A pergunta é pertinente, e a resposta bastante simples. A autonomia não se tornou uma realidade porque ninguém o quis. Serviu mais para legitimar discursos do que para guiar as medidas políticas na educação. E não se pense que esse uso indevido ficou sem consequências, pois teve principalmente duas. Esvaziou o significado do conceito de autonomia escolar, e criou a ilusão de que essa autonomia existia.

Como tal, sob a máscara da defesa da autonomia, cada dificuldade operacional nas escolas foi resolvida com mais centralismo e com mais controlo estatal. Preferiu-se impor às escolas uma decisão, em vez de lhes atribuir a liberdade para tomar a sua. Durante mais de 20 anos, ser ministro da Educação foi ser director de todas as escolas.

 

Uma das mais importantes vitórias deste governo na Educação é a ruptura com esse passado. A autonomia escolar foi eleita prioridade e, a partir do próximo ano lectivo, passará do discurso para a realidade. As escolas terão autonomia para gerir os tempos lectivos e para oferecer cursos com planos curriculares próprios. Poderão distribuir os horários dos professores ausentes pelos contratados na sua escola. E terão maior capacidade para dar aos seus alunos uma oferta educativa que responda às suas necessidades.

 

Comparado ao que existe noutros países europeus, ainda não é muito. Mas face à nossa realidade, também não é pouco. Avaliemo-lo pelo que é: o início, apenas o ponto de partida, e não o de chegada. E é igualmente a marca distintiva de um ministério que não se limita a seguir o guião da troika. Podem não ser estas as mudanças que fazem manchetes, ou que abrem telejornais. Mas são estas as mudanças que fazem a diferença.

 

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Terça-feira, 17.07.12

O apocalipse escolar que nunca chegou

 

A educação é um tema particularmente permeável a mitos. Não foi por isso surpresa que, durante este primeiro ano de governo, tenham sido vários os que surgiram pela voz de partidos políticos e sindicatos. A introdução de exames no sistema educativo, nos 4º e 6º anos de escolaridade, deu origem a alguns desses mitos. O seu anúncio provocou acusações de regresso ao salazarismo – já se sabe, a esquerda não consegue viver sem o Estado Novo – e serviu de pretexto para criticar a existência de exames em todo o ensino básico.

 

De um dia para o outro, tudo o que era avaliação nas escolas tornou-se uma conspiração da direita para excluir alunos. Em consonância, previu-se uma razia nos exames. Adivinhou-se o retorno a um sistema educativo elitista, que exclui mais do que ensina. Anteviu-se o aumento das taxas de retenção, já de si elevadas. E profetizou-se um apocalipse escolar. Ora, a 1ª fase de exames passou e os resultados foram publicados. O apocalipse, por muitos ansiado, não chegou. Agora que temos os factos à nossa frente, importa esclarecer os mitos criados.

 

Mito 1: os resultados dos 6º e 9º anos seriam um desastre. Não foram. No 6º ano, as médias foram positivas, tanto em Português (59/100) como em Matemática (54/100). Estes resultados estão alinhados com os dos últimos anos, mesmo que ligeiramente mais baixos. No 9º ano, os resultados foram melhores do que no ano passado, e em Matemática atingiu-se a 3ª melhor média desde 2005, 10 pontos acima da média de 2011.

 

Mito 2: introduzir exames é aumentar retenções. Não é. Na verdade, contando 25% ou 30% da nota final de um aluno, no 4º ou no 6º ano, o exame tem curtíssima margem para alterar a classificação final do aluno. Isto porque, numa escala de 1 a 5 valores, qualquer aluno com positiva (3 valores ou mais) está matematicamente protegido de ter negativa, se o exame contar 25%. E se contar 30%, serão pouquíssimos os alunos que passarão de positiva para negativa, como demonstra a análise dos resultados do 9º ano que o Expresso fez (7/7/2012). Ou seja, terá positiva na classificação final quem tiver positiva na escola.

 

Mito 3: os exames não são necessários. São. E em particular nos sistemas que privilegiam a autonomia de gestão das escolas, prioridade assumida por este Ministério da Educação. É que com mais liberdade vem mais responsabilidade, e consequentemente a necessidade de verificar as aprendizagens através de exames. Não é uma inovação portuguesa, é prática em inúmeros países, porque os exames são um instrumento para avaliar o sistema e responsabilizar a comunidade escolar perante os resultados.

 

Desfeitos os três mitos, fica a pergunta. A quem serve este alarmismo comprovadamente alheado da realidade? Serve aos sindicatos e às associações de pais, que inflamam os espíritos nas escolas e nas famílias. Serve aos partidos políticos, que do ruído constroem um ataque ao governo. Mas não serve aos alunos. A tragédia é esta. A instabilidade nas escolas existe, mas é causada sobretudo por quem dela se alimenta. É esse o retrato do nosso debate na educação. Os alunos, esses, acabam sempre ultrapassados pelos outros.

 

[publicado no i]

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Terça-feira, 10.07.12

O descrédito das instituições

 

Os homens não são anjos. Esta famosa afirmação de James Madison, aquando da fundação americana, resume na sua simplicidade a importância das instituições políticas num regime democrático. Elas são a salvaguarda dos cidadãos contra o exercício arbitrário do poder político. E se é certo que o respeito pelas instituições democráticas é condição para manter o regime saudável, sabemos bem que em Portugal nem sempre isso acontece. De facto, habituámo-nos durante anos a ver as instituições contestadas, desprezadas e ultrapassadas pelas decisões dos nossos governantes. E sim, isso significa que, pontualmente, estes importantes mecanismos de vigilância do poder político não conseguiram impedir o exercício arbitrário do poder.

Um olhar sobre o nosso passado recente bastará para trazer à memória alguns episódios em que isso aconteceu. Lembremo-nos dos troços de auto-estradas construídos apesar dos pareceres negativos do Tribunal de Contas. Ou das ordens de Paulo Campos para ocultar informação sobre os custos dessas obras e assim conseguir a sua aprovação. Ou das críticas do PS a Cavaco Silva por causa do Estatuto dos Açores, acusando-o de má-fé, quando na verdade o Estatuto era inconstitucional. Ou ainda do desprezo dos ex-governantes socialistas pelas conclusões do Tribunal de Contas e da Inspecção-Geral de Finanças acerca dos excessos da Parque Escolar. Em todos estes casos, a opinião dos intervenientes prevaleceu sobre as instituições.

Infelizmente, olhar para estes episódios recorda-nos igualmente que nos habituámos à impunidade. O desrespeito pelas instituições aconteceu, e acontece, porque não tem consequências. Só benefícios. Veja-se o caso pessoal de Paulo Campos. Enquanto a imprensa persegue Miguel Relvas, cumprindo a sua função, Paulo Campos desfruta da impunidade que outros, antes dele, também desfrutaram. Enquanto nós pagamos os seus estragos, ele descansa na bancada parlamentar do PS. E já ninguém se importa.

Ora, apesar deste historial, estas duas últimas semanas trouxeram-nos uma novidade. Habituados que estávamos a ver quem detém o poder político desrespeitar as instituições do regime, vemos que agora são as próprias instituições a desrespeitarem-se a si mesmas. Foi o que fizeram a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e o Tribunal Constitucional. A ERC viu o seu presidente, Carlos Magno, depois de ter assinado o relatório que ilibava Miguel Relvas das pressões sobre o jornal “Público”, reconhecer que desconhecia parte do conteúdo desse relatório. E isto após o ter votado favoravelmente. O Tribunal Constitucional decidiu, na passada quinta-feira, que o corte dos subsídios dos funcionários públicos em 2012 era inconstitucional, mas que em 2012 havia de se manter o corte dos subsídios. Evidentemente contraditório, o Tribunal Constitucional indicou que o desrespeito pela Constituição é legítimo, desde que previamente recomendado por si.

É verdade que as instituições devem ser respeitadas. Mas também é verdade que elas se devem dar ao respeito. Tudo isto, para além do que já estávamos habituados, torna mais difícil a relação de confiança e respeito pelas instituições do regime.

 

[publicado no i]

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Quarta-feira, 04.07.12

Esquerda sem alternativas (2)

Sobre o Congresso Democrático das Alternativas, escrevi no i que significava três coisas. Uma das quais é a saída de Louçã da liderança do BE, porque é ele quem constitui o maior obstáculo à aproximação das esquerdas. Isso está, de resto, evidente na entrevista de Louçã ao Expresso, que o Filipe Nunes comenta no Jugular, quando diz que «O PS é um partido corrompido», afirmando assim a superioridade moral da sua pureza jacobina. Com ele por perto, qualquer Congresso será inútil.

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Terça-feira, 03.07.12

Esquerda sem alternativas

 

Publicado no jornal "i"

 

Há uma nova teoria da conspiração. Para muitos, é já uma espécie de argumento mágico para atacar o governo, e não há dia em que não surja na imprensa. Diz a teoria conspirativa que a direita governa para desmantelar o Estado Social. Que a austeridade não é imposição, mas sim ideologia. E que o governo não renegoceia já o memorando de entendimento, porque o usa como alibi para privatizar tudo o que mexe. Em resumo, diz-nos que o governo é mau, mas não nos diz o que fariam os bons.

De facto, a teoria conspirativa não indica uma única alternativa (realista) à actuação do governo. Aponta o dedo ao inferno e recomenda o paraíso, sem dizer onde fica e como lá se chega. É, portanto, um exercício de retórica. Mas foi o suficiente para unir um grupo de personalidades de esquerda, e lançar um Congresso Democrático de Alternativas (CDA). Não se sabe o que, em Outubro, sairá destas cabeças, mas imagina-se. Conhecendo algumas das personalidades convocadas, é, até, fácil de antecipar as suas alternativas e respectiva inutilidade. Mas, apesar disso, o CDA não deixa de ter vários significados.

 

Em primeiro, trata-se de um importante reconhecimento público que, actualmente, não existe alternativa ao governo. É um sentimento fatalmente partilhado por vários deputados do PS, e que tem na relação com o memorando de entendimento a questão central. Memorando que muitos dos insatisfeitos, irresponsavelmente, gostariam de ver António José Seguro rasgar.

Em segundo, este Congresso marcará oficiosamente a saída política de Louçã, e possivelmente o início de um novo ciclo na política portuguesa. A ausência de alternativas políticas, o enfraquecimento do PS e a incapacidade de Louçã em fazer compromissos políticos conduziram a esquerda a um beco sem saída. Por isso, a promoção do diálogo entre essas personalidades de esquerda poderá ser útil. Sobretudo, se promover o amadurecimento democrático a que o BE tanto resiste. E, mais ainda, se o transformar no aliado natural do PS e seu eventual futuro parceiro de coligação. É, desde 2009, evidente a necessidade de a esquerda se repensar e se redefinir. E é também evidente que o radicalismo demagógico de Louçã é o maior obstáculo a ultrapassar.

Em terceiro, tendo em conta o perfil dos protagonistas deste Congresso, tudo leva a crer que o reposicionamento político das esquerdas, a acontecer, se fará mais no campo ideológico do BE, e menos no do PS. Vivendo-se hoje uma crise europeia, tanto política como económica, este não deixa de ser um sinal preocupante. Porque o PS, enquanto partido da construção europeia, se encontra à deriva. E porque os partidos à sua esquerda sofrem, em doses redobradas, dos mesmos vícios despesistas. O alheamento à realidade não é, por definição, uma alternativa realista.

 

A esquerda continua sem aceitar que as políticas de endividamento excessivo acabaram. E que o memorando da troika, por mais desagradável que possa ser, não é para rasgar. Enquanto não reconhecer estas evidências, manter- -se-á num estado de negação. No próximo 5 de Outubro, só se as aceitar, poderá propor alternativas.

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Terça-feira, 26.06.12

Parque Escolar: os factos

(Sócrates, em 2007, a anunciar o investimento de mil milhões. O valor final foi muito superior)

 

Artigo publicado ontem no "i"

 

Já todos terão ouvido falar da “festa” da Parque Escolar. Depois de o Tribunal de Contas ter arrasado o modelo de gestão da empresa, é agora notícia que foram pagas obras que não se realizaram. E que se gastou mais de 2 milhões de euros num só sistema de ar condicionado, geralmente utilizado em hotéis de cinco estrelas. Está tudo nos relatórios sobre as escolas D. João de Castro e Passos Manuel. Com a chegada destes novos factos, é importante recuperar alguns dos já conhecidos.

 

Facto 1: a empresa endividou-se para além dos limites. Apesar do PEC 2010-2013, foi fixado à Parque Escolar um limite máximo de endividamento para 2010 de 542 milhões de euros. No entanto, o endividamento bancário da empresa no final de 2010 foi de 665,9 milhões de euros, mais 23% do que o limite fixado.

 

Facto 2: houve desvios orçamentais. O programa foi apresentado, em 2007, para requalificar 332 escolas secundárias (2,83 milhões de euros por escola). Com o Plano de Negócios 2008, o objectivo mudou: requalificar 166 escolas (8 milhões de euros por escola). Cerca de 3 meses depois, após a Iniciativa Investimento e Emprego (IIE), o objectivo voltou a mudar: requalificar 205 escolas (11,95 milhões de euros por escola). Em 2010, o número de escolas a requalificar mantinha-se, mas o custo por escola aumentou para 15,45 milhões de euros. O desvio deste valor é de 445% face à apresentação do programa em 2007, de 93% face ao Plano de Negócios 2008, e de 29% face ao estimado após o IIE.

 

Facto 3: os custos aumentaram em 2010. Em 2009 (ano eleitoral), previa- -se que a 3ª fase do programa de requalificação fosse a mais barata. Fazia sentido, pois havia experiência acumulada e o país vivia num difícil contexto económico. No entanto, em 2010 (ano pós-eleitoral), a 3ª fase aumenta surpreendentemente os seus custos: no custo médio por escola (de 11,5 para 17,1 milhões de euros) e no custo médio por aluno (9592 para 13 834 euros). Tornou-se a fase mais cara.

 

Facto 4: não se fixaram tectos máximos. A Parque Escolar previu todo o seu programa de requalificação sem fixar tectos máximos de investimento. A opção resultou num descontrolo dos custos, particularmente visível pela variação do investimento por aluno entre escolas. Por exemplo, a Escola D. João de Castro custou, por aluno, 3 vezes mais do que o valor médio.

 

Facto 5: houve luxos. O aumento sucessivo dos custos do programa de requalificação explica-se, em parte, pelos materiais e pelas soluções técnicas utilizadas. Houve madeiras e pedras nobres, iluminação decorativa, e candeeiros Siza Vieira. A ordem para acabar com os luxos veio tarde, a 3 dias das eleições legislativas de 2011, para ser cumprida por quem viesse a seguir.

 

Ora, o PS negou a má gestão do programa de requalificação de escolas e negou a existência de luxos. Só que não lidou com os factos. Mistificou-os. Para os socialistas, ter candeeiros Siza Vieira não é um luxo, é querer o melhor para os alunos. Por isso, para eles, não houve desvios. Gastou-se apenas o necessário, e quem afirmar o contrário é inimigo da escola pública. Fica assim claro, para quem tivesse dúvidas, qual a razão para termos chegado ao estado a que chegámos.

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publicado por Alexandre Homem Cristo às 11:00 | comentar | ver comentários (6) | partilhar
Segunda-feira, 25.06.12

A Utopia de S. Tomás Moro, às 18h30

 

Na Ferin (Chiado, Lisboa), às 18h30, com apresentação do Miguel Morgado.

publicado por Alexandre Homem Cristo às 12:46 | comentar | ver comentários (2) | partilhar
Terça-feira, 19.06.12

Liberdade de Escolha no Ensino para Todos: Sim ou Não?

 

O tema está em debate, até dia 25, no site da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Estarei a discuti-lo com o David Justino, o Paulo Guinote, e o Hugo Mendes, com a moderação do Vasco M. Barreto.

 

Apareçam, leiam e participem.

publicado por Alexandre Homem Cristo às 21:21 | comentar | ver comentários (3) | partilhar

Os exames a sério

 

[artigo publicado no "i" de ontem]

 

Acabaram-se as provas de aferição e, já no próximo ano lectivo, os exames nos 4º e 6º anos contarão para a classificação final. A direita aplaudiu o reforço da exigência. A esquerda não gostou. Acha que os exames são “salazarentos”, o que, estando longe de ser um argumento válido, reflecte bem a sua dependência – retórica e ideológica – no Estado Novo. Mas ambos esquecem o essencial, e a acusação esquerdista, em particular, não apaga o facto de as provas de aferição terem fracassado nos seus objectivos. Na hora da sua morte, é oportuno olharmos para o que falhou, e anteciparmos o que aí vem.

As provas de aferição foram atormentadas, durante a sua curta vida, por dois principais problemas. O primeiro é o de pouco ou nada terem aferido. Os alunos não se motivaram para os testes, cuja nota não contava. Os pais não respeitaram as provas, que não tinham impacto no percurso escolar dos seus filhos. Os professores não usaram as provas para identificar as dificuldades dos seus alunos, nem para aperfeiçoar as suas práticas pedagógicas. Ou seja, os resultados das provas de aferição não reflectiram a aprendizagem dos alunos, não promoveram a melhoria e caíram, ano após ano, em saco roto. A sua missão de mobilizar a comunidade escolar foi um fracasso.

A introdução de exames, pela sua própria natureza, virá provavelmente corrigir este primeiro problema. Visto que a nota contará para a classificação final dos alunos, estes ficarão mais motivados, os pais mais envolvidos, e os professores terão mais incentivos para melhorar.

O segundo problema é mais complexo: as provas de aferição não permitiram a avaliação longitudinal do sistema educativo. Dito de forma mais simples, as provas não garantiram a comparabilidade, entre anos, dos resultados dos alunos. Esta era, aliás, uma das principais razões para a sua existência. Dar-nos instrumentos para observarmos a evolução temporal dos resultados dos alunos, para medirmos o impacto das políticas educativas, e para identificarmos as fragilidades do sistema a tempo de as corrigir.

A razão do fracasso é fácil de entender, e os resultados destas últimas provas de aferição de matemática, no 4º ano, são exemplificativos. A percentagem de negativas foi de 43%, duas vezes mais do que no ano passado (19%), e quatro vezes mais do que em 2010 (11,1%). A oscilação de resultados é de tal ordem que não dá para acreditar que estas provas tenham medido a mesma coisa. O problema está precisamente aí. Está nos programas e, sobretudo, nos enunciados que, de ano para ano, sofrem alterações – no currículo de referência, no grau de exigência, na estrutura da prova. A consequência é que, todos os anos, em vez de analisarmos os resultados, desvalorizamo-los. A responsabilidade pelas negativas nunca é dos alunos ou dos professores, é de quem fez os enunciados. Por tudo isto, as provas de aferição viveram sob descrédito.

Para este segundo problema, a introdução de exames só será resposta se romper com os erros passados. Precisamos de exames mais exigentes? Sim, mas igualmente exigentes, de ano para ano. Exames, sim, mas exames a sério.

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publicado por Alexandre Homem Cristo às 08:00 | comentar | ver comentários (8) | partilhar

Cachimbos

O Cachimbo de Magritte é um blogue de comentário político. Ocasionalmente, trata também de coisas sérias. Sabe que a realidade nem sempre é o que parece. Não tem uma ideologia e desconfia de ideologias. Prefere Burke à burqa e Aron aos arianos. Acredita que Portugal é uma teimosia viável e o 11 de Setembro uma vasta conspiração para Mário Soares aparecer na RTP. Não quer o poder, mas já está por tudo. Fuma-se devagar e, ao contrário do que diz o Estado, não provoca impotência.

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