Os jornais e a blogosfera deram alguma atenção ao último Conselho Nacional do CDS. Pelo que vamos lendo, sabemos que um grupo de conselheiros propôs a clarificação da estratégia do CDS em três pontos: que o CDS e os seus deputados se empenhem na promoção da dignidade humana e direito inviolável à vida desde a concepção até à morte natural, contrariando legislação que facilite o aborto, eutanásia e suicídio assistido; que o CDS e os seus deputados se empenhem na defesa do “direito dos filhos” e não do “direito aos filhos”, devendo a Procriação Medicamente Assistida estar unicamente disponível como forma subsidiária para os casais que dela manifestamente necessitem e não como alternativa de procriação; que o CDS e os seus deputados se empenhem na defesa da dualidade da “maternidade” e “paternidade”, contrariando propostas que contemplem a filiação de crianças por “dois pais” ou “duas mães”.
Qualquer um dos três pontos descritos, por princípio, não necessitaria de qualquer clarificação, bastando que o discurso e acção dos responsáveis políticos do CDS se mantivesse fiel ao Programa do CDS, designadamente no que respeita aos seus “Valores Éticos”. E o que lemos no Programa do CDS? Lemos que, para o CDS, “a vida é o primeiro de todos os valores morais”; que, para o CDS, “o primeiro contributo das ideologias humanistas deve ser, precisamente, a defesa permanente da dignidade do valor da vida e a recusa por princípio de medidas legislativas que a diminuam”; que, para o CDS, “a vida é uma graça de Deus e não se encontra na livre disposição do Estado”; que, para o CDS, “vida e natureza são, de resto, dois valores indissociáveis”; que o CDS “defende a subordinação da política à ética”, contrariando uma “visão relativista” e consequente “transformação da política em mera arbitragem de interesses contraditórios, destituindo-a de qualquer conteúdo valorativo”.
Contudo, nos últimos tempos, tanto por ocasião da discussão sobre o casamento homossexual, como com a discussão sobre a Procriação Medicamente Assistida e a possível filiação de crianças por “dois pais” ou “duas mães”, ouvimos por parte de alguns responsáveis políticos do CDS um discurso e acção que contraria aberta e flagrantemente os “Valores Éticos” inscritos no Programa do CDS. Esta situação tem gerado, naturalmente, algumas interrogações de pessoas próximas do CDS e até fora dele: Será a vida, para o CDS, já não uma graça de Deus, mas agora um instrumento manipulável em função dos interesses particulares de cada pessoa? Será que, para o CDS, as medidas legislativas já não têm de obedecer à medida da vida e da natureza? Será que, para o CDS, a política já não tem de estar subordinada à ética? Será que, para o CDS, a ética dos seus responsáveis políticos pode sobrepor-se aos “Valores Éticos” inscritos no seu Programa? Será que o CDS, ao invés de se constituir como reduto de combate contra o relativismo moral envolvente, se prepara para o abraçar?
“O relativismo moral banaliza a prática do mal.” Esta afirmação já não é habitual em política. A estranheza com que alguns a possam ler é apenas um sintoma mais do clima de opinião relativista dominante. Que a afirmação esteja inscrita no Programa do CDS é um bem político significativo que o CDS deve honrar e conservar.